
Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Anistia do Sanatório Geral NÃO vai passar
Publicado em 07/09/2025 às 08:26
Alterado em 07/09/2025 às 08:36

Em respeito à memória do grande cineasta e documentarista Silvio Tendler, que nos deixou sexta-feira, 5 de setembro, aos 75 anos, à História do Brasil, que penou 21 anos sob a ditadura militar até a redemocratização, em 1985, e à Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição Federal de 1988, os réus do núcleo principal, liderado pelo então presidente Jair Bolsonaro, que fizeram as tentativas de golpe militar que desaguaram no 8 de janeiro de 2023, devem ser condenados de forma exemplar em 12 de setembro.
Silvio Tendler produziu duas obras seminais sobre o Brasil democrático anterior a 1964. Em 1980, foi “Os Anos JK”. Em 1984, 20 anos depois do golpe militar de 31 de março de 1964, exibiu “Jango”. A trilha sonora produzida por Wagner Tiso e Milton Nascimento era inicialmente instrumental. Depois, Milton fez a letra de “Coração de Estudante”, e a música emocionou o país quando a TV Globo a usou como trilha sonora do cortejo no enterro de Tancredo Neves, o presidente que não tomou posse, em 1985. As emoções devem vir à tona nos que têm “um coração de estudante” e sonhos de um Brasil democrático.
Não é possível aceitar a tentativa da oposição bolsonarista, liderada pelo PL, à frente o deputado-pastor Sóstenes Cavalcante, da igreja de Silas Malafaia, classificada pelo jornalista Otávio Guedes, da GloboNews, como “pornográfico”. De fato, além de criar nova “anistia ampla, geral e irrestrita” (campanha da esquerda iniciada em 1979, que só ganhou perdão para crimes de sangue com a Constituição de 1988, a anistia do regime militar aliviou apenas os crimes dos torturadores), a anistia desta vez é escancarada.
Serviria não só para anistiar o pretérito e o presente, como também o futuro. O pretérito tem um sujeito oculto principal entre os que já foram condenados: o ex-presidente Bolsonaro, tornado inelegível até 2030, em 2023, pelo Tribunal Superior Eleitoral. O presente garante anistia e perdão de crimes contra a Constituição a quem está sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal, mas a cara de pau garante perdão futuro “até a data de promulgação” da nova legislação. Crimes contra a Constituição não têm perdão.
A manobra é bem ao estilo dos atropelos da ética e às regras democráticas pelo líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, o pastor Silas Malafaia, o boquirroto apoiador-mor dos atos que Bolsonaro fazia contra as urnas eletrônicas, o STF e seus ministros, a começar por Alexandre de Moraes, e à Constituição e ao Estado Democrático de Direito. Por ter sido enquadrado, junto com o filho 03 (futuro beneficiado), o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), nas manobras para usar até o governo Trump para intervir no julgamento dos golpistas, Malafaia esteve retraído nos últimos dias. Mas açula o pastor-representante da sua igreja a “vender terrenos no céu” a pautar a anistia. Para quem teve a cara de pau de lançar, no começo do século 21 um “Plano de Compra da Casa Própria no Céu”, tudo é permitido.
O novo bloco do 'Vai Passar' - perdão, Chico
Mas é preciso respeitar a catarse que foi, em 1984, a música e letra de “Vai Passar”, lançada pelo genial Chico Buarque de Holanda para exorcizar a ditadura que estava nos seus estertores. Depois de contar em parábolas, como se fosse um desfile de Escola de Samba, as agruras vividas pelos brasileiros nos 21 anos de ditadura, Chico passava à celebração.
Espero que prevaleça, com pequena mudança, o estribilho original de Chico Buarque: “Ai, que vida boa, olerê; Ai, que vida boa, olará, O estandarte do sanatório geral [NÂO] vai passar”.
Interesses ocultos
Para qualquer pessoa que conhece os meandros da política brasileira não é difícil recorrer a episódios bíblicos – muito usados pelos pastores para enfeitiçar os fiéis (se omitem no mais das vezes sobre os tempos atuais): essa chamada geral aos futuros sobreviventes tem um ar da chamada da Arca de Noé antes do Dilúvio.
Os espécimes que foram eleitos na onda Bolsonaro em 2018 e conseguiram se reeleger ou ampliar a posição nas eleições de 2022 (quando Bolsonaro perdeu a reeleição para Lula no primeiro e segundo turnos) estão com sua sobrevivência política diretamente ligada à extensão e ao peso da dosimetria das penas de condenação ao núcleo principal conspirador. Se o clã Bolsonaro tiver alguma sobrevida, com influência nas urnas em 2026, a renovação dos mandatos de personagens que ascenderam à Câmara e ao Senado (uma visita aos quadros das duas casas mostra como há pastores, militares das Forças Armadas, policiais militares e delegados e policiais civis em vagas que antes eram ocupadas por médicos, professores, profissionais liberais e até artistas e jornalistas. A ampliação da representação da esquerda e da direita está vinculada ao desfecho do julgamento e da tentativa de aliviar as penas.
Um caso exemplar
A queda de braços entre a ala à direita do Congresso, na qual evolui com desenvoltura um largo espectro do Centrão, que se elegeu coligado a Bolsonaro, visa muito além da redução das penas. Ela visa esvaziar o poder do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição. Além de Alexandre de Moraes, o alvo principal é o ministro Flávio Dino (também da Primeira Turma que julga os golpistas, sob a presidência do ministro Cristiano Zanin, junto com a ministra Cármen Lúcia e o ministro Luiz Fux). Mas Dino é alvo da ira de parte dos 81 senadores e 513 deputados dos quais mais de uma centena está sendo apanhada com a boca na botija nas investigações conduzidas pela Advocacia Geral da União nas maracutais realizadas no ir e vir das bilionárias do Orçamento Secreto. Por isso, além da anistia, há a intenção de passar os inquéritos contra políticos à primeira instância, bem mais permeável que Dino.
Veja, caro (a) leitor (a), esse caso exemplar que envolve o deputado federal Alberto Fraga (PL-DF). O ministro Flávio Dino determinou à AGU a tomada de medidas para garantir a devolução de R$ 6 milhões aos cofres públicos referentes a emenda do parlamentar. Fraga havia destinado R$ 10 milhões ao projeto “A Tenda”, firmado com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal e o Hospital São Mateus. Uma auditoria do Sistema único de Saúde (Denassus, do Ministério da Saúde) concluiu que o projeto não era “compatível com o planejamento” da pasta distrital, nem estava alinhado às diretrizes do SUS.
Mas não demorou para A Tenda ser desarmada e reaberta em novo cenário, com novos patrocinadores, mas ainda dentro da área do Distrito Federal. Um convênio de R$ 10,5 milhões, firmado entre o prefeito de Novo Gama, área distrital do DF, Carlinhos do Mangão, também do PL-DF, e a deputada federal Silvye de Goiás (UB-GO), renasce com o nome de Programa Mais Saúde.
O DNA tem digitais semelhantes, se não idênticas: o empresário responsável pelo Programa Mais Saúde é o mesmo Edson Júnior que estava à frente do projeto A Tenda. Júnior, conhecido por ostentar nas redes sociais um estilo de vida gastador em viagens internacionais, desfila por Brasília a bordo de um Porsche de R$ 1 milhão. Bingo! Se ainda fosse pouco, a mulher de Edson Junior, Luana Marcelino, é lotada no gabinete do deputado Alberto Fraga.
Por isso, tenho de lembrar Gilberto Gil: “Gente estúpida, gente hipócrita”.
Só quem passou a tratar política como assunto pessoal, ou oportunidade para enriquecer, estranha o fato de que o governo Lula tenha feito um convênio com o governo de São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas, para a construção conjunta (na repartição das verbas) do túnel subaquático Santos-Guarujá. O dinheiro que banca a obra não tem marca: é o seu, o meu, o nosso dinheiro dos impostos. É grave erro político discriminar o cidadão-eleitor-contribuinte.
Lembro que, no caso da Linha Vermelha, projeto que unia pela Baía o município do Rio de Janeiro à Baixada Fluminense, como alternativa à já saturada Avenida Brasil, houve muita polêmica, em 1983, quando a obra foi iniciada como um empreendimento conjunto do governo Brizola, com repasses do governo federal, à época comandado pelo general João Figueiredo. Como editorialista do velho JORNAL DO BRASIL, cansei de defender o convênio e criticar a represália política no uso de verbas públicas. Imagina discriminar o contribuinte do Rio de Janeiro, o segundo maior arrecadador do país, por ter votado e eleito Brizola. Se Brizola teve menos da metade (30% ou 49%) dos votos, não importa. A obra é para beneficiar todos os contribuintes fluminenses.
P.S.: Nos próximos dois domingos estarei de folga.
Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade
Essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria-mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)
Palmas pra ala dos Barões famintos
O bloco dos Napoleões retintos
E os pigmeus do boulevard
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar
Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade
Essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria-mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)
Palmas pra ala dos Barões famintos
O bloco dos Napoleões retintos
E os pigmeus do boulevard
Meu Deus, vem olhar
Vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade
Até o dia clarear
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai, que vida boa, olerê
Ai, que vida boa, olará
O estandarte do sanatório geral
Vai passar