COISAS DA POLÍTICA

Brasil e Deus não importam; só vale a família Bolsonaro

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Publicado em 24/08/2025 às 07:34

Alterado em 24/08/2025 às 08:03

Eduardo Bolsonaro, Silas Malafaia e Jair Bolsonaro em ato na Avenida Paulista Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, com o reforço da imagem de uma família ("cristã"), era o lema do governo Jair Bolsonaro que adaptou um brado, já na ditadura, da Brigada de Infantaria Paraquedista (arma à qual serviu o ex-presidente nos anos 70 e 80). Toda a retórica de patriotismo, de respeito a Deus e aos princípios de uma família religiosa e harmônica, que já fora trincada na falta de empatia para com os brasileiros mortos na Covid-19, com a frase absurda “e daí, não sou coveiro”, depois amplificada com o deboche dos que padeciam por falta de oxigênio, foi desnudada pelas descobertas da Polícia Federal na trama golpista que levou ao 8 de janeiro de 2023.

E o capital político que restava ao clã Bolsonaro, que mantém fanáticos seguidores, desandou de vez com os crimes de lesa-pátria cometidos pelo filho 03, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que induziu o governo Trump a causar prejuízos bilionários com tarifaços de 50% nas exportações brasileiras e a impor sanções a ministros do Supremo Tribunal Federal, em especial a Alexandre de Moraes, ministro-relator do processo contra os golpistas, se não suspendesse “IMEDIATAMENTE” os processos do ex-presidente. A primeira carta de Trump foi enviada pela sua rede social ao presidente Lula em 9 de julho. Já se passaram 23 dias em julho e 24 dias em agosto, e a fase final do julgamento recomeça em 2 de setembro, somando 55 dias desde o “ultimato” de Trump. O STF e Moraes não cederam um milímetro.

A divulgação pela Polícia Federal, esta semana, na investigação sobre ações de pai e filho (com doação de R$ 2 milhões do pai para Eduardo Bolsonaro atuar nos Estados Unidos de modo a induzir o governo Trump a interferir na ação do STF contra os golpistas), do teor das conversas e mensagens chulas trocadas entre o ex-presidente Jair Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e Eduardo Bolsonaro tende a acentuar o isolamento político e o desgaste eleitoral do clã Bolsonaro.

Ficou claro que Bolsonaro (que recebeu quase R$ 20 milhões em doações de apoiadores via Pix, superando de longe supostos benefícios das empreiteiras a Lula) e a família só pensam em salvar a própria pele e ignoram a sorte dos empresários e trabalhadores afetados pelo tarifaço, repetindo o desdém da Covid, quando morreram mais de 700 mil brasileiros. Em resumo, as trocas de mensagens, de baixo calão e pouco patriotismo, entre o ex-presidente, o filho 03 e o pastor, mostram que Deus, a Pátria e a família foram para o beleléu.

Intrigas e suas consequências
A revelação de conversas pessoais de políticos costuma lhes ser bastante nocivas. A troca de chumbo entre os irmãos Pedro e Fernando Collor, com pesadas acusações ao tesoureiro PC Farias, causou o “impeachment” do presidente Collor, suspenso pela renúncia, em 1992. O mergulho político de Lula rumo à prisão e de Dilma rumo ao “impeachment” (2016) se acelerou quando o juiz Sérgio Moro divulgou conversas privadas entre eles e pessoas próximas. O governo Temer esfarinhou após serem divulgadas suas conversas com Joesley Batista, em maio de 2017. Aécio Neves caiu no ostracismo quando suas conversas com Joesley Batista também vieram a público.

O previsível enfraquecimento político e eleitoral adicional da família Bolsonaro reduz a relevância do apoio do clã para os governadores presidenciáveis. Tende também a reduzir ainda mais a chance de que a pauta bolsonarista raiz, com a anistia ampla geral e irrestrita e o “impeachment” de Alexandre de Moraes no STF, seja aprovada no Congresso. O líder da oposição na Câmara é o pastor da igreja de Malafaia, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que atua pelo resgate de Bolsonaro.

À primeira vista, como se deduz pelas grosseiras trocas de mensagem entre o pai e o filho 03, o enfraquecimento do clã Bolsonaro fortalece o projeto Tarcísio de Freitas candidato a presidente. As pesquisas Genial/Quaest revelam a perda de musculatura do clã. Ficou mais difícil para a família colocar alguém com o sobrenome Bolsonaro na disputa, mesmo que seja Flávio, que não aparece nas conversas e mensagens. Aliás, só Malafaia o elogia.

Mas a associação com o clã Bolsonaro e o seu apoio imediato ao tarifaço de Trump, que afeta principalmente as empresas e os trabalhadores de São Paulo, tornou-se tóxica para o atual governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). Suas tentativas de reconsideração da posição inicial nada ajudaram, demonstrando falta de convicção. Pior foi dizer, esta semana, em meio às ameaças da Lei Magnitsky ao sistema financeiro, que “precisamos dar alguma vitória a Trump”. Tarcísio passou o recibo de entreguista.

Pesquisas e política são como nuvens
Sempre digo e reafirmo: pesquisa eleitoral muito distante do pleito (o primeiro turno de 2026 cai domingo, 4 de outubro) só serve para alguns governadores, que já não podem mais ser reeleitos, escolherem entre uma candidatura com chances de oito anos no Senado ou partir para compor uma chapa como vice, se não estiver bem colocado. A política e as pesquisas mudam como nuvens.

Tarcísio de Freitas é o único dos governadores com chances eleitorais que ainda pode ser reeleito. Mas a confusão causada pelo clã bolsonarista e seus próprios escorregões no enfretamento do tarifaço fizeram Lula recuperar popularidade e aumentar as vantagens nas simulações contra todos os supostos candidatos. A chance do governador paulista depende de ter algum membro da família Bolsonaro como aliado e não como concorrente (apesar de todo o desgaste do clã).

Muita água ainda vai rolar até setembro. A oposição prepara o bote contra Lula na CPI Mista do INSS. Mas o prazo é curto para um desgaste antes de 2 de setembro. Até lá, o réu Jair Messias Bolsonaro e família tendem a sofrer mais prejuízos do que Lula. Mas o presidente corre o risco de tropeçar na própria soberba, agora que está retomando o favoritismo para 2026.

O ensaio de golpe vem de longe
Na reabertura dos trabalhos do Poder Judiciário, em 1º de agosto, após o recesso de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, listou as dezenas e dezenas de golpes que ameaçaram o Brasil desde a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1989 (por sinal, um golpe que derrubou a monarquia de D. Pedro II). Nos meus 75 anos de vida, além do traumático suicídio de Getúlio, em 14 de agosto de 1954, que fez a cozinheira lá de casa surtar e ficamos sem almoço, lembro bem da ameaça de golpe contra a eleição de Juscelino Kubitschek (PSD-MG) em dobradinha com João Goulart (PTB-RS).

Eleito JK, a oposição - liderada pelos militares da Aeronáutica que não engoliram as duas derrotas do patrono, brigadeiro Eduardo Gomes, para o marechal Eurico Gaspar Dutra, em 1945 (quando os militares forçaram Getúlio Vargas a renunciar e convocar eleições, mas Vargas indicou Dutra que levou de goleada, e Getúlio voltou a derrotar Gomes em 1959 – mais uma vez extravasou a mágoa tentando impedir a posse de JK sob o argumento de que não ganhara por maioria absoluta. JK derrotou o marechal Juarez Távora, da UDN, por 35,65% a 30,27% (o ex-governador paulista Adhemar de Barros, do PSP, ficou com 25,77% votos).

Foi preciso o ministro do Exército, Marechal Henrique Lott, dar um golpe preventivo, no 11 de novembro de 1955, para garantir a vitória de JK e a posse da dupla JK-Jango em 31 de janeiro de 1956, quando fiz seis anos. Mas não se pense que JK, que já prenunciava o risco de golpe nos “santinhos” da campanha, teve sossego nos cinco anos de governo.


A coisa é antiga Foto: reprodução



Duas rebeliões – de militares da Aeronáutica, em Jacareacanga (PA), em 1956, e de Aragarças (GO), em 1959, - ameaçaram o presidente. Entre os revoltosos – que faziam parte da “República do Galeão”, militares da Aeronáutica que descobriram o envolvimento da guarda pessoal de Getúlio no atentado a Carlos Lacerda, no qual morreu o major Rubens Vaz - estava o coronel João Paulo Burnier. Muitos anos depois, no regime militar, após o golpe que depôs João Goulart em 1964 (Jango fora eleito vice na eleição de 1960, com Jânio Quadros, cuja renúncia, em 25 de agosto de 1961, completa 64 anos amanhã), já brigadeiro, Burnier pôs em prática sua ferocidade antidemocrática ao perseguir jovens e presos políticos. Entre as vítimas de suas barbáries estava Stuart Angel Jones, filho de Zuzu Angel e irmão da jornalista Hildegard Angel.

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