
Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
STF to Mr. ‘BolsoTrump’: "I ll see you in september"
Publicado em 17/08/2025 às 08:10
Alterado em 17/08/2025 às 08:10

Acabou o suspense, o que deve aumentar a pressão e o desespero do clã Bolsonaro (nos Estados Unidos e no Brasil) para mobilizar forças no céu e na terra a fim de intimidar a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal: o presidente do colegiado, ministro Cristiano Zanin, marcou para o dia 2 de setembro o início do julgamento da ação penal que pode levar à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por participação na trama golpista de após as eleições de 2022. Zanin reservou oito sessões para o julgamento da ação penal contra o "núcleo crucial" que atentou contra o Estado Democrático de Direito. Além das duas sessões iniciais, dia 2 de setembro, o presidente da Primeira Turma marcou sessões nos dias 3, 9, 10 e 12 de setembro. As sessões ocorrerão das 9h às 12h, com reinício das 14h às 19h. A menos que o ministro Luiz Fux, que já divergiu de algumas decisões do relator Alexandre de Moraes, peça vistas e retarde o parecer final por até 90 dias, renováveis por igual período, a sentença pode sair em setembro.
Me veio logo à lembrança uma canção que fez grande sucesso nos Estados Unidos no verão de 1966 (“I ll see you in september”), cantada por grupo “The Happenings”. Nos EUA, o verão coincide com as férias do meio do ano, e setembro, além de marcar o fim das férias, dá lugar ao outono (no Brasil é a primavera). Selecionei a tradução de alguns versos que parecem ter um endereço duplo: para o clã Bolsonaro e para seu principal defensor, que chantageia o Brasil e as autoridades do STF e gerentes de programas sociais do governo Lula para tentar barrar o julgamento no Poder Judiciário.
“Contando os dias até que eu esteja contigo; Contando as horas e os minutos também; Tchau, amor, tchau; (...) Tchau, até logo, adeus; Tchau, amor, até logo; Tchau, até logo; (...) Divirta-se mas lembre-se (...); Vou te ver em setembro.”
Em inglês, para Mr. Trump cantarolar:
“Bye-bye, so long, farewell; Bye-bye, so long; See you in September.”
Metralhadora giratória contra o Brasil e STF
Sem conseguir, até aqui, qualquer modificação no rito do STF, apesar das sanções sugeridas pelo filho 03, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), com a aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes e Sra., e a suspensão de vistos a outros sete dos 11 ministros da Suprema Corte brasileira (ficaram a salvo das restrições o ministro Fux, tido como provável aliado na redução das penas, e os ministros Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados por Jair Bolsonaro), o clã e Trump acionaram uma metralhadora giratória contra o Brasil, o Supremo e membros do governo Lula.
Depois do tarifaço de 50% nas exportações e de ameaçar o Pix, uma criação do Banco Central em fins de 2020, na gestão de Roberto Campos Neto no governo Bolsonaro (o pai do Pix, Carlos Brandt, está deixando o BC após 23 anos de carreira), que está fora do alcance de sanções americanas – ao contrário, o que houve foi o bloqueio, no Brasil, da conta do Pix do filho 03; mas o pai já havia transferido R$ 2 milhões dos R$ 17 milhões que recolheu de doações dos apoiadores para custear a defesa dos advogados, o governo Trump ameaçou bloquear as contas bancárias dos ministros do STF no sistema SWIFT. Foi outro tiro n’água. O SWIFT, que conheci em 1988 na Bélgica, é fundamental às transferências internacionais. Está sujeito apenas à legislação da União Europeia. Foi usado por pressão das forças da OTAN para bloquear contas do governo, de autoridades e empresas russas após a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022. Mas nada pode ser feito contra o Brasil.
Só ações de vingança gratuita, com o ranço de uma família de exilados cubanos – nos tempos do ex-ditador Fulgência Batista, como fez o secretário de Estado, Marco Rubio, que primeiro puniu com a cassação do visto dois funcionários do governo Lula que adotaram o programa + Médicos no governo Dilma e contrataram médicos cubanos que deixariam parte do rendimento para o custeio de suas famílias na ilha do Caribe. Mesmo após o cancelamento do programa, no governo Bolsonaro, muitos médicos cubanos continuaram clinicando nos pontos mais remotos do país, onde médicos brasileiros se recusavam (e se recusam) a prestar assistência. O último ato ridículo do secretário de Estado foi suspender os vistos do ministro da Saúde, senhora e filho, Alexandre Padilha, que implantou o + Médicos. Notabilizado por ter passado por cima de questões ideológicas para obter grandes acordos de paz para os Estados Unidos, o ex-secretário de Estado Henry Kissinger deve se revirar no túmulo a cada brutal recuo da diplomacia de Trump. Só fez abrir fossos descomunais entre os Estados Unidos e tradicionais aliados, como o Canadá, México, Chile, Brasil, África do Sul, França, Alemanha, Suíça e Japão.
A última traição
Os crimes de traição à pátria, enquanto ainda goza nos Estados Unidos dos salários pagos pela Câmara dos Deputados, levaram o presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), a pautar no Conselho de Ética o julgamento do pedido de cassação do mandato de Eduardo Bolsonaro, de quem a licença de 120 dias expirou dia 3 de agosto. O filho 03 ameaça com pressão no Departamento de Estado americano contra Motta e o presidente do Senado e do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP), porque Motta se recusou a levar adiante os pedidos de anistia exigidos pelos deputados bolsonaristas que tomaram de assalto a Mesa da Câmara, em 4 de agosto (numa réplica do 8 de janeiro de 2023).
Além da resistência dos líderes do Legislativo, o efeito prático foi produzir um racha entre o Centrão (do qual fazem parte o União, PP, Republicanos e PSD) e a oposição radical da extrema-direita do PL de Jair Bolsonaro. Ainda circulando nos gabinetes de Washington, a última do “Embaixador contra o Brasil nos Estados Unidos”, como bem definiu o jornalista Ricardo Noblat, foi convencer o secretário do Tesouro, Scott Bessent, a não fazer reunião “online” com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esta semana. Orgulhoso do novo prejuízo ao Brasil, exibiu foto na qual ladeia Bessent com o companheiro da sabotagem, economista Paulo Figueiredo, neto do último ditador militar brasileiro, o general João Figueiredo.
Bradesco calcula impacto menor do tarifaço
O Brasil sempre esteve diante de desafios em sua balança comercial. Até o fim dos anos 60, o café respondia por mais de 70% do ingresso de divisas para bancar todas as importações (do trigo ao petróleo e a medicamentos e bens de capital). Quando o petróleo triplicou de preço em 1973 (e o país produzia apenas 15% do que consumia), surgiu o mote oficial: “Exportar é o que importa”. Isto ocorreu graças ao esforço de diversificação e à introdução da soja no Rio Grande do Sul nos anos 60 (a lavoura se espalhou depois pelo Paraná e os estados do Centro-Oeste e regiões do cerrado). Com as tecnologias da Embrapa para novas sementes, a soja passou a liderar as exportações agrícolas nos anos 90. Segundo as projeções do IBGE e da Conab as safras de soja e milho somarão 300 milhões de toneladas em 2025. O Brasil se tornou o maior exportador de soja do mundo (desbancando os Estados Unidos). Como milho e soja são a base das rações animais para aves, suínos e bovinos, o Brasil, também com avanços tecnológicos, superou os EUA nas vendas de carnes (bovina e de frango). Minério de ferro e petróleo (com o pré-sal) ocupam as primeiras posições. Mas o exemplo maior da diversificação é que o peso do café (incluindo o solúvel) nas exportações caiu para 5%.
O desafio agora é superar o impacto do tarifaço de Donald Trump. No primeiro semestre deste ano, antes de os tarifaços fecharem praticamente os portos e aeroportos americanos às exportações brasileiras, o Brasil exportou US$ 301,65 bilhões, segundo dados da Camex e da Apex. O principal destino das exportações foi a China, que absorveu US$ 67,788 bilhões (22,5%) das vendas brasileiras. A segunda posição foi dos Estados Unidos (US$ 21,481 bilhões ou 7,1% do total). A soma das vendas aos EUA e aos demais oito maiores países importadores ficou em US$ 61,664 bilhões, ainda inferior ao montante comprado pela China. O terceiro destino são os portos da Holanda, os Países Baixos, com petróleo e soja em grão e farelo, e o quarto o Japão. Nos primeiros cálculos, o tarifaço de 10% geraria perda de US$ 2 bilhões nas exportações aos EUA este ano e queda de 0,1% no PIB. Com o tarifaço de 50%, as perdas nas exportações somariam US$ 15 bilhões, com recuo de 0,6% no PIB.
Mas, no dia 30 de julho foi apresentada pela Casa Branca uma lista com 694 produtos que foram dispensados da sobretaxa de 40 pontos percentuais – podendo permanecer com a taxa base de 10%. No caso de petróleo e derivados, houve a total isenção de tarifas, assim como no “Liberation Day”. As exceções às tarifas de 50% somam 44,6% dos produtos exportados aos EUA em 2024 e, assim, diminuíram o impacto nas exportações a US$ 9,4 bilhões – ainda sem cálculo de busca por novos compradores. O efeito na balança comercial ainda é relevante a ponto de ter resultado importante na atividade (-0,3 p.p. no PIB). Com a ajuda de uma inteligência artificial, o departamento de Estudos Macroeconômicos do Bradesco desenvolveu uma metodologia para classificar a capacidade de realocação dos produtos da pauta exportadora brasileira, taxados em 50% pelos Estados Unidos, para mercados alternativos.
Primeiro, o Bradesco agregou os produtos em grupos para facilitar a análise, restando 328 produtos a classificar. A metodologia categoriza produtos em cinco níveis de capacidade de realocação (10% a 90%) baseada em características estruturais que determinam a facilidade de substituição entre mercados de destino. A classificação fundamenta-se em três critérios principais: grau de padronização global, estrutura de mercado e barreiras comerciais específicas. O resultado desse exercício indica uma queda de US$ 4 bilhões nas nossas exportações em 12 meses, sendo que a maior parte do efeito ficará para 2026. O cálculo reflete o fato de que nossos principais produtos da pauta exportadora ficaram isentos (petróleo e derivados), e produtos mais dependentes do comércio com EUA, como suco de laranja, algumas manufaturas de madeira e aeronaves ficaram com as tarifas mais baixas – o que ocorreu com a maioria dos bens intermediários e de capital com maior grau de complexidade e dificuldade de realocação.
Outras “commodities” estão sujeitas às tarifas globais, como o café, aço, alumínio e cobre, ou temos possibilidade de encontrar novos compradores, ou seja, possuem alto grau de substituição de compradores. Assim, os efeitos macroeconômicos das tarifas americanas sobre o Brasil tendem a ser limitados – ficariam reduzidos a US$ 4 bilhões com uma perda de 0,1% no PIB (bem menos que as perdas brutas de US$ 15 bilhões e 0,6% do PIB com tarifa cheia de 50% -, embora o Bradesco não descarte os efeitos setoriais relevantes para aquelas atividades mais dependentes da exportação aos Estados Unidos.
Ou seja, se o Brasil aguentar o tranco e conseguir diversificar mais o leque de suas exportações, sobretudo de “commodities” agrícolas, o tarifaço de Trump pode doer em muitos, ao interromper longos laços de negócios entre empresas brasileiras e importadores americanos, mas não asfixiará a economia brasileira. Os lados mais sensíveis nos produtos industrializados, que usam muitos insumos e peças “made in USA”, já foram poupados e estão nos 694 itens excluídos dos 50% de tarifas.
Na verdade, Brasil e Estados Unidos são economias complementares (exportamos café, que eles produzem muito pouco e importamos trigo, que sobra lá e aqui mal supre 10% das necessidades), mas também concorrentes. Nas “commodities” desbancamos o Tio Sam na exportação mundial de soja, de carnes de frango e bovina, de algodão, de suco de laranja (que eles não têm como se suprir, por isso ficou a salvo). Embora dependa do café e do açúcar brasileiro, Trump quer competir no etanol (extraído do milho) e com a pressão para a Coca-Cola trocar o uso do xarope de milho como adoçante pelo açúcar de cana (plantado na Lousiana e na Flórida). Outra área em que eles dependem de nós é na celulose de fibra curta (de eucalipto), usada em embalagens e artigos de higiene pessoal.
O 'Acordo Quadro' Trump-Putin
Em diplomacia há um termo chamado “Acordo Quadro” para definir o resultado de um encontro diplomático do qual não resulta nada de concreto. Ambas as partes só concordaram que estão de acordo em negociar, mas não chegaram a definir o que estará dentro da moldura. O encontro de Trump com Putin no Alasca foi isso. Muita pompa e expectativa, mas de concreto, nada até agora para o “grande negociador” Trump, que disse na posse em janeiro que acabaria com a guerra Rússia-Ucrânia "em poucas semanas". Houve, de fato, a importante quebra de gelo entre os mandatários das duas superpotências no território comprado pelos Estados Unidos à Rússia dos czares em 1897.
Como informa o britânico “Financial Times”, o que ficou acertado é que Trump, que se reunirá com o presidente ucraniano Volodymir Zelensky na segunda-feira, em Washington, vai tentar impor a cessão da região de Donetsk (sob domínio do exército russo) como posse permanente de Moscou. Isto garantiria uma saída marítima permanente para a gigantesca Rússia, via Mar Negro, Mediterrâneo e Canal de Suez e, daí, o acesso à Ásia e outras regiões.
Desde que a Finlândia, que tem fronteira de 1.340 kms no Norte da Europa com a Rússia, abandonou a posição de neutralidade adotada no pós-guerra e aderiu à OTAN, assim como a Suécia, a Marinha russa ficou cercada pelas forças da OTAN para sair da base de São Petersburgo. Esta, aliás, foi uma das justificativas de Putin para invadir a Ucrânia em fevereiro de 2022, quando esta quis entrar para a OTAN e a União Europeia (sofrendo sanções até hoje e deixando de fornecer gás natural à Europa, freguesia assumida pelos EUA). Manter a Ucrânia fora da OTAN foi promessa de Trump a Putin. Zelensky terá de ouvir poucas e boas novamente no Salão Oval. Resistirá desta vez?