COISAS DA POLÍTICA

Clã Bolsonaro quer ter o seu próprio Judiciário

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Publicado em 10/08/2025 às 08:22

Alterado em 10/08/2025 às 08:28

Bolsonaristas, com as bocas cerradas, ocuparam a mesa do Senado Foto: José Cruz/Agência Brasil

Para fugir do cerco do Supremo Tribunal Federal aos golpistas do 8 de janeiro de 2023, que pode prolongar a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro por até 43 anos, a família Bolsonaro quer inverter a pirueta que livrou de condenação o atual senador Flávio Bolsonaro e transferir para a primeira instância os processos contra parlamentares. Provavelmente não livrará o ex-presidente da prisão. Mas, pode aliviar a barra de quase uma centena de deputados e senadores que estão com processos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou sob investigação do ministro Flávio Dino, do STF, por manipulação e desvios nas verbas bilionárias do Orçamento Secreto.

Quando já corriam as investigações da polícia e do Ministério Público sobre a prática de “rachadinhas” dos salários de seus auxiliares de gabinete na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) se candidatou e foi eleito senador para um mandato de oito anos, na esteira da campanha vitoriosa de seu pai, o deputado federal Jair Bolsonaro, à Presidência, em 2018. Então, o clã Bolsonaro, assumindo o poder da República, moveu céus e terras para trancar o andamento do processo no âmbito da Justiça Estadual (primeira instância).

O pai, Jair Bolsonaro, que cedeu ao gabinete do filho Flávio o seu ex-auxiliar no gabinete da Câmara Federal, o PM aposentado Fabrício Queiroz, para gestar o “modus operandi” das “rachadinhas” (os funcionários nomeados abrem mão da maior parte do salário para o chefe político), interferiu de todas as formas (no TJ-RJ, na polícia civil do RJ, na Polícia Federal seção RJ e no Ministério Público fluminense) para sustar as investigações em curso. A alegação era de que, com a eleição de Flávio ao Senado, embora os atos tenham sido praticados no mandato anterior, na Alerj, o processo deveria ser remetido à instância superior, ou seja, ao Superior Tribunal de Justiça, que julga governadores, ministros e senadores e deputados federais.

O efeito prático foi a anulação das principais provas colhidas, como as cópias de centenas de depósitos mensais continuados da parte dos apaniguados em favor do ex-chefe-deputado. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, que levou à demissão, no dia seguinte, do então ministro da Justiça, Sérgio Moro, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou “trocar o superintendente da PF no Rio, o diretor da PF e até o ministro” para não prejudicar a família e amigos. Ao fim e ao cabo, o mandato de Flávio Bolsonaro, que pretende concorrer à reeleição em 2026 (agora no PL), foi mantido. Em 16 de maio de 2022, o Órgão Especial (dos desembargadores) do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro rejeitou a denúncia envolvendo o senador Flávio Bolsonaro no chamado caso das “rachadinhas”, apresentada pelo Ministério Público em 2020.

A gangorra das instâncias
O mundo gira e a Lusitana roda. O ex-presidente Bolsonaro, que começou a tramar o golpe para ficar no poder em 2021, investindo contra a lisura das urnas eletrônicas, está na reta final do seu julgamento. Ele e 33 militares de alta patentes e auxiliares na Presidência estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal pelos atentados ao Estado Democrático de Direito. Após a ampla defesa dos acusados, a Primeira Turma do STF acolheu, por 5 X 0, a denúncia da Procuradoria Geral da República, sendo relator Alexandre de Moraes. Ao sentir a mão pesada da Justiça (quando presidia o Tribunal Superior Eleitoral, Moraes liderou a suspensão eleitoral de Bolsonaro até 2030), o clã Bolsonaro resolveu apelar (em escala global) para interferência semelhante à que salvou Flávio da condenação.

Em fins de fevereiro, enquanto o pai investia contra Moraes e o STF em manifestação esvaziada na Avenida Atlântica, no Rio, o filho 03, deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), anunciava, nos Estados Unidos, para suposta surpresa do pai, que se licenciaria do mandato para atuar nos bastidores do governo Trump para sancionar o ministro Alexandre de Moraes. Até aqui, embora comemore a vitória de sua investida contra o Estado Democrático de Direito (o que o golpe de 8 de janeiro de 2023 não conseguiu), o tiro saiu pela culatra. O presidente Trump, usurpando da soberania brasileira, usou a ameaça de tarifas (que chegaram a 50% contra as exportações brasileiras) como chantagem para o governo Lula tentar interferir na independência do Poder Judiciário e parar "IMEDIATAMENTE" o julgamento de Jair Bolsonaro.

Ante a reação dos empresários e da opinião pública, o filho 03 recarregou as baterias e induziu o Departamento de Estado a enquadrar Alexandre de Moraes e família na Lei Magnitsky, que foi criada para sanções a corruptos, traficantes ou ditadores. Nada funcionou. O processo no STF deve ter veredito em setembro. Moraes não se intimidou e ainda determinou a prisão domiciliar, dia 4, segunda-feira, em Brasília, de Bolsonaro, que já usava tornozeleira eletrônica para evitar fuga para o exílio. O motivo foi descumprir restrição de uso de mídias sociais ao ter veiculada, na rede do filho Flavio, sua mensagem telefônica ao vivo para o público presente em comício na Avenida Atlântica, domingo, 3 de agosto.

A decisão de Moraes, após o fim do recesso do Judiciário em 1º de agosto, ocorreu enquanto as duas casas do Congresso, cujas atividades foram suspensas durante o recesso (18 de julho a 4 de agosto), evitando a tentativa de ocupação pelos políticos bolsonaristas na cruzada pela anistia do ex-presidente, ainda estavam sem expediente. Na retomada dos trabalhos, dia 5, terça-feira, que depende da instalação formal das atividades pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do senador Davi Alcolumbre (União-AP), que preside o Senado e o Congresso, as mesas e o plenário das duas casas foram ocupadas, na marra, por uma turba bolsonarista, sob a liderança do PL.

O deputado Marcelo Van Hattem (Novo-RS) postou-se no lugar da presidência da Mesa da Câmara, acolitado pelos colegas Marcos Pollon (PL-MS) e Zé Trovão (PL-SC). O trio liderou a rebelião da parcela bolsonarista na Câmara e no Senado, que ocupou o plenário das duas casas para repetir a manobra de invasão do Poder Legislativo no 8 de janeiro de 2023. Zé Trovão, um dos líderes da paralisação dos caminhoneiros em maio-junho de 2018, no governo Temer, em protesto contra as altas do óleo diesel (resultado da criação do sistema de paridade de preços internacional – PPI -, abandonado pelo governo Lula em maio de 2023), repetiu o gesto de bloquear as estradas com carretas. Desta vez, o bloqueio usou suas pernas, como se fossem uma jamanta, para impedir que o presidente Hugo Motta chegasse ao alto da mesa da Câmara para instalar, oficialmente, os trabalhos na quarta-feira. O trio e um total de 12 deputados são passíveis de penalidade pela mesa diretora.

Os bolsonaristas, concentrados no PL e em minoria em outras agremiações, enquanto Eduardo Bolsonaro dava entrevistas nos Estados Unidos ameaçando o enquadramento dos presidentes da Câmara e do Senado nas sanções da Lei Magnitsky se não pautassem o projeto de anistia, aproveitaram a tomada dos plenários das duas casas desde terça-feira (Motta e Alcolumbre só retornaram ao Congresso na noite de quarta-feira) para colher assinaturas para que o Senado pusesse em votação, em regime de urgência, a aprovação de um processo de “impeachment” contra Alexandre de Moraes.

Um dos falsos argumentos para alcançarem 41 assinaturas entre os 81 senadores (o “impeachment” tem de ser aprovado por 54 votos, ou dois terços do Senado) era de que tanto o presidente da Câmara, quanto o do Senado, tinham concordado em colocar as propostas em votação como premissa para a desocupação das mesas. Logo de cara, o presidente da Câmara, Hugo Motta, negou que tivesse feito qualquer acordo com os líderes dos partidos neste sentido. Davi Alcolumbre foi também duro no Senado: não havia acordo, nem poria proposta de “impeachment” em votação. Outra promessa seria devolução dos processos de políticos com foro privilegiado à Primeira Instância.

Falsas promessas
Na manhã de quinta-feira e mais especialmente na sexta-feira, ficaram claras várias peças do motim: de fato, o presidente da Câmara, Hugo Motta, ficou acuado. Nesse momento, o ex-presidente Arthur Lira (PP-AL), que comandou a casa com mãos de ferro por quatro anos, até fevereiro deste ano, entrou no circuito para ajudar a restabelecer a ordem na Câmara. A parte extremada da oposição, oficialmente liderada pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), ficou isolada no seu radicalismo. Como adiantei na noite de quarta-feira, no Informe JB, o senador Ciro Nogueira, presidente do PP, um dos partidos que faz oposição responsável ao governo Lula – mas não ao Brasil -, deu o recado de que não iria compactuar com a ideia de afastar ministros do STF.

Não era só a palavra de Ciro Nogueira. Como ele sempre trocou figurinhas e compartilha decisões em comum acordo com Lira, foi um recado de um dos mais responsáveis partidos da oposição, de que o PP não ia embarcar no radicalismo do PL, o partido que vai se desfigurando a cada passo da família Bolsonaro. Segundo uma raposa felpuda que circula nos corredores do Senado e da Câmara, os parlamentares sentem isso. Há a percepção de que o governo não quer embates com o Congresso Nacional. Ano que vem é tempo de eleição. E os parlamentares preci$am (com cifrão mesmo), das verbas federais e de pegar carona nas obras do governo. Lula sabe disso.

E tem mais, no próprio PL não há unanimidade em torno da linha adotada por Sóstenes e alguns histéricos evangélicos. Muitos deputados federais do PL são mais ligados no presidente do partido, Valdemar da Costa Neto, do que em Bolsonaro. Para começar, Valdemar sabe dialogar. Até com o STF. Bolsonaro chega a ser uma pedra no caminho dele. Valdemar é homem de negócios e cumpridor de acordo. Todo o Congresso Nacional sabe disso.

O recuo dos evangélicos
O deputado Sóstenes sentiu a barra pesar com suas falsas promessas e tratou de dizer, em entrevista à GloboNews, sexta-feira, que não fora bem assim a conversa com Hugo Motta. Pálido, pediu desculpas ao vivo e em cores. Outro evangélico radical, o senador Magno Malta (PL-ES), que chegou a se acorrentar à mesa do Senado na noite de quarta-feira, se desculpou depois pelo ocorrido. A verdade é que a bancada evangélica age como se estivesse numa sessão de descarrego comandada por um pastor ou bispo exorcista.

A influência do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, da qual Sóstenes é pastor e contou com os votos dos fiéis, cria problemas que estão isolando o PL à extrema direita radical entre os partidos de oposição. Ao esculhambar o presidente do PP, senador Ciro Nogueira, em rede social, Malafaia arrumou confusão doméstica. Muitos parlamentares evangélicos devem algumas pedras a Ciro Nogueira. O senador acomodou no PP de muitos estados parlamentares evangélicos com problemas na reeleição. Fez do PP um guarda-chuva para que se elegessem e reelegessem. Comprar briga com Ciro desgasta e dá problema.

Silas Malafaia, guru do clã, esqueceu que Ciro foi ministro chefe da Casa Civil de Bolsonaro de agosto de 2021 a dezembro de 2022. Lá, abriu muitas portas aos evangélicos. Ciro Nogueira é queridíssimo por todos os parlamentares de Câmara e Senado Federal. Não é um barnabé na política, como muitos que estão no Congresso. Preside um partido gigante. Tem vários mandatos nas costas. Foi ministro de Estado – junto com o ex-ministro das Comunicações Fábio Faria (PP-RN), hoje dirigindo o SBT, tentou que Bolsonaro reconhecesse a derrota no pronunciamento de 1º de novembro de 2022. Em vão. Bolsonaro só leu a parte que pedia a desobstrução das rodovias federais. Os acampamentos continuaram gestando o golpe.

E ainda é do altíssimo clero da política. Herdou o DNA do pai, Ciro Nogueira de Lima, de uma família de políticos, que iniciou a vida legislativa como deputado federal do PTB-PI. Muito respeitado na Câmara dos Deputados, depois do golpe militar de 1964 e da dissolução dos partidos, se filiou ao MBD, depois PMDB. Quando surgiu o PFL, como dissidência do antigo PDS, se filou ao partido de ACM, Sarney e Marco Maciel, até ingressar no Partido Progressista Brasileiro (atual PP). O filho sabe exercer a oposição com moderação e conversas serenas. Tem controle da bancada. Situação que os evangélicos não têm. E desfila com bom trânsito junto ao Supremo Tribunal Federal, como, aliás, Valdemar Costa Neto, do PL.

É preciso ficar claro: Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) está líder da oposição na Câmara porque o PL tinha mais deputados à época da escolha. Eram 91, encolheram para 85 e é ameaçado pelas perdas de mandato de Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro, o que pode levar à perda de cinco mandados no total, pois suas votações em São Paulo, que garantiram dois ou três votos, dariam vagas a outros partidos.

Sonho e a realidade
Não se sabe ainda quais serão os conteúdos dos textos da PEC do fim do foro privilegiado e do projeto de anistia. Num Congresso cada vez mais capenga com o avanço dos capangas, os bolsonaristas sonham que a abrangência seja a mais ampla possível. Que beneficie Jair Bolsonaro e até restaure sua condição de disputar a eleição de 2026. Isso não ocorrerá. Mesmo se os textos aprovados forem bastante abrangentes, o que hoje é improvável, o STF irá barrar a sua aplicação ao ex-presidente. O STF não remeterá o processo de Bolsonaro para a segunda instância, porque já está avançado, na fase de alegações finais, e não sancionará a anistia a Bolsonaro, com o argumento de que não é a aplicável a crimes contra a democracia.

Bolsonaro, visitado sexta-feira pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, continuará inelegível e, provavelmente, preso. Mas o acordo deixaria os parlamentares mais protegidos contra processos penais, inclusive os que apuram desvio de recursos de emendas parlamentares no STF. Instado por Eduardo Bolsonaro e o parceiro na empreitada lesa-pátria, o economista Paulo Figueiredo, neto do último ditador do regime militar, o general João Batista de Figueiredo, Trump, segundo o “The New York Times”, quer usar as forças armadas, contra países que não combatem o terrorismo do narcotráfico. A presidente do México, Cláudia Sheinbaum, repeliu a suposta invasão. O país cuida-se sozinho; apenas admite cooperação entre as forças militares.

O tiro pela culatra da Taurus

Há muitos empresários bolsonaristas do agronegócio que ajudaram a financiar os acampamentos postados às portas dos quartéis pedindo intervenção militar, após a derrota de Bolsonaro para Lula em outubro de 2022, arrependidos pelo efeito bumerangue do tarifaço contra o Brasil, cavado nos Estados Unidos pelo filho 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que pode perder o mandato por excesso de faltas.

Mas, nada teve gosto amargo das pressões de Trump sobre o Brasil do que o tarifaço ter explodido, como se fosse um tiro pela culatra, sobre a Taurus. O presidente executivo da fabricante brasileira de armas (revólveres, pistolas e espingardas), amplamente beneficiada no governo Bolsonaro pela liberação de portes de armas, sobretudo para os CACs, que eram a menina dos olhos do filho 03 (e uma milícia de "segurança" a ser acionada no golpe), celebrou a vitória de Trump. Agora, Salesio Nuhs cata os estilhaços que as balas perdidas do tarifaço de Trump e Eduardo Bolsonaro causaram às ações em queda livre da Taurus.

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