COISAS DA POLÍTICA

O general que ‘fumou mas não tragou’ os assassinatos

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Publicado em 27/07/2025 às 08:21

Alterado em 27/07/2025 às 08:35

General Mario Fernandes, preso por planejar para matar Lula e Alckmin. Na foto com o então presidente Bolsonaro Foto: Isac Nóbrega PR / Exército

Em 1992, Bill Clinton era o candidato do partido Democrata contra o presidente George Bush (pai). Candidato à reeleição, saudado como herói da guerra na qual as forças aliadas expulsaram as tropas do ditador do Iraque Saddam Hussein do Kuwait, invadido um mês antes, Bush pai não tinha mandato para marchar até Bagdá. [Coube ao filho George W. Bush, que sucedeu a dois mandatos de Clinton, invadir o Iraque e capturar o ditador em 2003, sob a falsa alegação de que o Iraque tinha armas de destruição em massa]. Bush pai perdeu porque a economia não ia bem e ajudou à troca do Poder em Washington. Mas Clinton quase pôs tudo a perder na campanha quando lhe perguntaram se tinha fumado maconha. Titubeante, mas esperto, Bill Clinton disse que experimentara (uma ou duas vezes na Inglaterra, onde fazia intercâmbio): “Fumei e não inalei e não gostei”. Note-se que evitou mencionar ter experimentado maconha (e então cometer crime) em território americano.

Número dois da Secretaria Geral da Presidência no governo de Jair Bolsonaro, o general da reserva (duas estrelas) Mário Fernandes, apontado na denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) como um dos líderes mais radicais na articulação do plano para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que ia homologar, em 12 de dezembro de 2022, a eleição da chapa Lula-Alckmin, disse algo similar a Clinton quando foi interrogado, quinta-feira, no STF. O militar admitiu ser o autor do documento que ficou conhecido como “Plano Punhal Verde e Amarelo” - texto que, segundo a Polícia Federal, traçava cenários para o homicídio das três autoridades públicas.

Mas ele tentou minimizar o conteúdo encontrado em seus dispositivos eletrônicos, e disse que se tratava de uma análise individual, feita por hábito pessoal. ”Esse arquivo digital, que retrata um pensamento meu que foi digitalizado, é um estudo de situação. Uma análise de riscos que fiz e, por costume próprio, resolvi digitalizar. Esse pensamento digitalizado não foi compartilhado com ninguém” afirmou o general. No depoimento, Fernandes tentou afastar a ideia de que o plano tivesse objetivo prático. Disse que o material foi impresso só para leitura pessoal e que logo em seguida o rasgou. Imprimi por um costume pessoal de evitar ler documentos na tela. Imprimi para mim. Logo depois, rasguei”, disse, sem corar.

Punhal Verde e Amarelo

O plano do "Punhal Verde e Amarelo" foi impresso por Fernandes no Palácio do Planalto e previa, após os assassinatos, a instituição do "Gabinete Institucional de Gestão da Crise", que deveria ser ativado em 16 de dezembro de 2022. [a data, uma sexta-feira, pressupunha que Moraes seria impedido de dar posse a Lula e Alckmin na segunda-feira, 12 de dezembro, e, nos dias seguintes, as forças armadas "imporiam a ordem" no país]. Pelo plano, caberia ao próprio general da reserva ser o assessor estratégico neste gabinete que passaria a funcionar após a execução do plano.

Fernandes era secretário executivo da Secretaria Geral da Presidência quando imprimiu, no Palácio do Planalto, o planejamento operacional do golpe. Segundo a PF, era ele quem organizava a operação para monitorar (e sequestrar) Moraes. No Portal da Transparência, Fernandes tinha em 2022 cargo comissionado executivo “11.8”, o que corresponde hoje a um salário de R$ 18.887. Além disso, ele é militar da reserva desde 2020. A remuneração militar bruta dele em agosto de 2022 foi de R$ 33.223.

Antes das eleições de outubro de 2022, em reunião com a presença do então presidente Jair Bolsonaro e integrantes do primeiro escalão do governo, o general Fernandes defendeu a necessidade de tomar medidas antes das eleições, questionando se seria necessário um novo golpe, como o de 1964. A PF identificou também a presença dele em manifestações que pregavam a ruptura democrática depois da derrota de Bolsonaro para Lula.

"As informações obtidas indicam que Mário Fernandes atuou no planejamento, coordenação e execução de atos antidemocráticos, inclusive com registros de frequência ao acampamento montado nas adjacências do Quartel General do Exército e, ainda, de relação direta com manifestantes radicais que atuaram no período pós-eleições de 2022”, diz a Polícia Federal. O general teria ainda falado diretamente com Bolsonaro sobre sua preocupação de os atos golpistas estarem "perdendo a força".

"No dia 08 de dezembro de 2022, Fernandes indica ter conversado pessoalmente com o então presidente Jair Bolsonaro. Além disso, mostra grande preocupação com os movimentos antidemocráticos que estavam nas ruas, principalmente com a possibilidade de perder o controle sobre a massa de pessoas envolvidas nas manifestações”, acrescenta o relatório da a PF.

'Tudo eram só hipóteses'

Lula e Alckmin foram empossados no começo da tarde da segunda-feira, 12 de dezembro de 2022, pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Mas Brasília viveu, no início da noite, uma jornada de terror. Numa espécie de aviso do que viria, se consumado o golpe de Estado, uma tropa de choque vestida de preto promoveu as maiores arruaças já vistas na capital federal desde a redemocratização. Houve queima de carros e de um ônibus, atirado do viaduto junto à Rodoviária, tentativa de invasão e depredação da portaria da Polícia Federal e a depredação de delegacia do DF (a suspeita da PF é de que eram integrantes dos chamados “kids pretos”, a tropa de elite aquartelada em Goiás, que já foi comandada por Mário Fernandes. Eles seriam acionados para criar o pânico e justificar a adoção de uma das três medidas de exceção cogitadas por Jair Bolsonaro para adotar a intervenção militar: Estado de Sítio, Estado de Defesa ou Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Ainda houve a tentativa de explosão de um caminhão-tanque de querosene de aviação no aeroporto de Brasília, na véspera do Natal. O passo seguinte foi o 8 de janeiro de 2023.

Mas Jair Messias Bolsonaro, que nunca reconheceu a derrota e embarcou para os Estados Unidos em 30 de dezembro para não passar a faixa – como fez, em 15 de março de 1985, o último ditador, o general João Batista Figueiredo, com José Sarney, vice eleito com Tancredo Neves que foi operado às pressas e morreria em 21 de abril - também teve a cara de pau, como Clinton e o general Mário Fernandes, de dizer que examinou as hipóteses de Estado de exceção, mas “tudo eram só hipóteses”. Ou seja, o objetivo era não dar posse à chapa eleita, mas não levou o plano adiante [faltou dizer por que “faltou clima”, ou o essencial, a adesão do alto comando do Exército e da Aeronáutica].

Como advertiu o ministro-relator da ação penal 2.668, Alexandre de Moraes, no despacho em que esclarece circunstâncias em que Jair Bolsonaro deve evitar as redes sociais (com as edições eletrônicas “online” dos principais jornais e emissoras de rádio e TV do país, fica difícil evitar que entrevista, ação ou declaração de Bolsonaro vaze para as redes sociais), “A Justiça é cega, mas não é tola”. Os golpistas foram contar estórias da carochinha no STF...

No mesmo despacho, Moraes deixou claro que estará atento às ações do clã Bolsonaro, em especial do filho 03, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) que está trabalhando junto ao governo Trump para impor tarifas comerciais ao Brasil e sanções a ministros do STF para forçar a suspensão do julgamento no Poder Judiciário contra Jair Bolsonaro e demais golpistas.

Os novos alvos do filho 03, treinado como atirador de elite nos CACs, mas que, até agora, atirou nos pés da direita e no coração do Brasil, envolvem sanções contra os presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) e do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP). Tudo porque suspenderam os trabalhos das comissões no Congresso durante o recesso do Legislativo (18 de julho a 4 de agosto) e, assim, impediram manobras do PL e partidos aliados para propor, em comissões, anistia para o ex-presidente e demais acusados, antes mesmo de um veredito.

Diálogo de surdos
Enquanto empresários dos maiores grupos que atuam no comércio entre Brasil e Estados Unidos, políticos, diplomatas e os negociadores oficiais do governo Lula, designados para tentar contornar ou adiar a ameaça do tarifaço de 50% às exportações brasileiras (algumas já suspensas para não serem taxadas a caminho), imposto por Trump, a partir de 1º de agosto (a próxima sexta-feira), invocando a suspensão do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e seu grupo de golpistas, o filho 03, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e seu aliado na empreitada de tramar, nos subterrâneos do governo Trump, contra os interesses brasileiros, o economista Paulo Figueiredo, neto do último ditador brasileiro, continuam a fazer um trabalho de sapador para sabotar todas as tentativas de diálogo entre os dois países.

Senadores democratas e uma parte da imprensa americana já estão chamando a atenção para a situação “sui generis” da ameaça tarifária de Trump. A mídia americana foi instada a olhar a situação com lupa depois que a respeitada revista britânica “The Economist” classificou de “chocante agressão” a tentativa de Trump de interferir no Brasil com tarifaço. E acrescenta que a ação do presidente americano é uma das maiores manobras de intervenção dos EUA na América Latina desde o fim da Guerra Fria. Além dos impactos no agronegócio, base do apoio político do ex-presidente, e os setores que mais exportam para os EUA (que absorvem 12% das vendas brasileiras, contra 30% da China), a revista não deixou de abordar a ameaça ao Pix.

Os níveis tarifários que Trump quer aplicar ao Brasil são bem maiores do que os que estão sendo impostos ao Japão e União Europeia (15%) e à Coreia do Sul e países asiáticos que geravam déficits pesados aos Estados Unidos pela instalação de linhas de produção de grandes marcas americanas (caso da Nike e da Lululemon no Vietnã). O Brasil contribui com superávits comerciais de US$ 410 bilhões há 15 anos para os EUA. E o governo americano não pode interferir na soberania do Poder Judiciário brasileiro, que conduz o julgamento. É evidente que a dupla envenenou de tal sorte os oficiais do Departamento de Estado comparando o Brasil – onde o STF julga uma ameaça ao Estado Democrático de Direito – à Venezuela e a Cuba.

Para mostrar o “nonsense” da situação criada pelo filho 03 na “Missão Impossível” de barrar o Supremo Tribunal Federal – com sanções a oito dos 11 ministros da Suprema Corte -, a Venezuela do ditador Nicolás Maduro acaba de impor tarifas de até 77% às exportações brasileiras.

Outro capítulo do diálogo de surdos pode ser observado nos canais diplomáticos, que estão sem fluidez e reciprocidade. Os Estados Unidos estão sem embaixador no Brasil desde a posse de Trump. A representação é comandada pelo encarregado de negócios, Gabriel Escobar, sem autonomia para negociar. Isso também acontece com o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick. O vice-presidente Geraldo Alckmin, que acumula a pasta do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, trocou conversas com Lutnick. Mas nada anda em Washington porque Donald Trump centraliza o caso com o Departamento de Estado e só ele tem o poder de decisão.

Onde estão as terras raras
O desenrolar das demais negociações revela que, como bom negociador do mercado imobiliário, Donald Trump sempre pede alto, mas depois cede e barganha vantagens para os Estados Unidos ao longo da negociação. Esse comportamento (os parceiros comerciais mais importantes já estão regulando o passo, como se espera neste domingo com a União Europeia) criou uma fresta de esperança entre os empresários brasileiros. Esperança que aumentou com a visita de surdina do encarregado de negócios Gabriel Escobar ao presidente do Instituto Brasileiro de Mineração, o ex-ministro da Defesa Raul Jungman, para demonstrar a cobiça norte-americana nas reservas de terras raras do Brasil (nióbio, lítio, grafeno). Essa poderia ser uma moeda de troca para Trump.

Não se sabe se esse atalho pode ser bom para o Brasil. Como chamou a atenção o meu amigo, jornalista André Trigueiro, da TV Globo-GNews, as terras raras estão no Centro-Oeste, Minas Gerais e na Bahia, e, sobretudo na chamada Amazônia Legal. E muitas das jazidas aparecem em reservas indígenas ou áreas de reservas florestais. Por isso, ele chama a atenção para o fato de que a facilitação à exploração mineral para o governo Trump está ligada ao PL do Licenciamento Ambiental e do Marco Temporal (o direito à posse das terras indígenas), aprovados pelo “lobby” da oposição no Congresso, num casamento com interesses do agronegócio e das mineradoras. O governo Lula corre para definir uma política para garantir o controle nacional das terras raras.

A questão mais maquiavélica, que poderá ser revelada ao longo da semana, com a imposição ou não do tarifaço, é se o governo Trump está demarcando o ringue da disputa comercial apenas à isenção para Jair Bolsonaro, ou se quer usar o Brasil para ampliar a posição da direita internacional nas eleições de 2026.

Até aqui, as intervenções de Trump, instigadas por Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo, foram um tiro no pé. Fortaleceram Lula e desgastaram, junto à opinião pública e ao empresariado, quem apoiou Trump e o clã Bolsonaro. O mandato de Trump acaba em 20 de janeiro de 2028. Ou seja, se a direita apoiada por Trump ganhar as eleições em 2026, a cobrança de concessões viria em mais dois anos do governo Trump. Por isso, Lula centrou o discurso no nacionalismo e na defesa da soberania nacional.

Quem viver, verá.

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