
Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Trump e Bolsonaro fazem ataque 'hacker' ao Brasil
Publicado em 13/07/2025 às 08:35
Alterado em 13/07/2025 às 08:48

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Imagine, caro leitor, se ainda estivessem vivas a filósofa judia alemã, Hanna Arendt, e a escritora Barbara W. Tuchman, considerada a maior historiadora americana, o que diriam dos argumentos do presidente Donald Trump para ameaçar taxação de 50% sobre as exportações brasileiras aos Estados Unidos, a partir de 1º de agosto? Hanna Arendt assistiu ao Julgamento de Nuremberg, e cunhou a expressão “banalidade do mal” para definir a indiferença que sentiu por parte dos réus, altos oficiais nazistas, que diziam cumprir as ordens de Adolf Hitler que levaram à “solução final” e ao holocausto de seis milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial. Barbara Tuchman, ganhadora do Prêmio Pulitzer por antecipar a primeira guerra mundial, ficou famosa pela sua obra “A marcha da insensatez”, que aborda (desde Troia até o Vietnã) o paradoxo de governos que insistem em caminhos errados.
O saudoso deputado Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte, disse, em discurso, ao promulgar a Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, que “Traidor da Constituição é traidor da pátria”. O que diriam ele e as duas pensadoras ao saber que, derrotado na campanha da reeleição por Lula, para quem não reconheceu a derrota em 30 de outubro de 2022, Bolsonaro passou a conspirar um golpe contra o Estado Democrático de Direito, para impedir a posse de Lula e do vice, Geraldo Alckmin? Para não passar a faixa presidencial a Lula, Jair Bolsonaro fugiu para os Estados Unidos em 30 de dezembro de 2022. Antes, estimulou os radicais bolsonaristas a acampar diante dos quartéis e marchar sobre Brasília, em 8 de janeiro de 2023, com a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes da República. Entre os 33 asseclas acusados na tentativa de golpe para mudar o resultado eleitoral circulou o Plano “Punhal verde amarelo”, que previa o sequestro e morte de Lula, de Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, que, à época, presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Usando o argumento de que está havendo “uma caça às bruxas”, uma perseguição política ao ex-presidente Jair Bolsonaro, ideia “vendida” ao presidente dos Estados Unidos e aos subterrâneos do governo Trump, o filho 03 do ex-presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se licenciou do cargo em março para ficar nos EUA, tramou, junto com o economista e ex-comentarista da Jovem Pan, Paulo Figueiredo, neto do último presidente da ditadura militar, o general João Barista Figueiredo (que também não passou a faixa ao vice-presidente José Sarney), para convencer a ultradireita do Partido Republicano de que o Brasil vive sob ditadura, e assim impor sanções contra Alexandre de Moraes e o STF. A cruzada, que é contra Moraes e o STF, acabou convencendo Trump a agir contra o governo Lula, argumentando ainda (o que é uma mentira) que o Brasil acumulava superávits comerciais contra os Estados Unidos. Aparentemente, foi um erro do “copia e cola”, pois repetiu os termos das cartas justificando tarifas a países com saldo.
Se o caro leitor, assim como as duas brilhantes escritoras do primeiro parágrafo, já está achando o enredo rocambolesco e incompreensível, imagina como a alma do Dr. Ulysses estaria inconformada ao saber que a dupla que se intitula a vanguarda dos patriotas aproveitou que Trump está preocupado com a progressiva perda de importância do dólar como moeda de troca e de reserva (depois de seus agressivos tarifaços os maiores bancos centrais reduziram ainda mais a posição de suas reservas em dólar) e se irritou com um discurso do presidente Lula no encontro do Brics no Rio, no qual proclamou a maior aproximação comercial, com trocas bilaterais de moedas, entre os 11 integrantes, para envenenar o irado presidente americano, que dispara tarifas pelo mundo afora.
Na carta que enviou ao presidente Lula, quarta-feira, 9 de julho, divulgada antes em rede social, o que feriu regras diplomáticas, Trump invocou uma suposta perseguição política contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e exigiu, “IMEDIADIATAMENTE" [na internet, o uso de letras maiúsculas equivale a gritos], a suspensão dos processos contra o ex-presidente e a sua liberdade”, em clara intromissão na soberania brasileira e em assuntos internos do Poder Judiciário. Jair Bolsonaro responde no Supremo Tribunal Federal, em liberdade e assistido por advogados, a processo pela tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito. Em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2023, Bolsonaro foi condenado por abuso de poder e ficou inelegível até 2030.
Tiro pela culatra
O uso da chantagem política para ameaçar os altos interesses do comércio exterior do Brasil e pode infligir sérios prejuízos a negócios de empresas, com risco ao emprego de milhares de trabalhadores em vários estados do Brasil, caiu muito mal entre os empresários e deu munição ao governo Lula para liderar uma campanha nacionalista em defesa dos interesses brasileiros. O argumento econômico foi desmentido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pela Câmara do Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham).
A Amcham Brasil divulgou sexta-feira, 11 de julho, o “Monitor do Comércio Brasil-Estados Unidos”, referente ao primeiro semestre deste ano, que desmente radicalmente a afirmação de Donald Trump de que o Brasil impõe déficits comerciais históricos aos EUA para justificar a ameaça de taxar em 50% as exportações brasileiras a partir de 1º de agosto. Haddad já demonstrou que os EUA acumulam superávits de US$ 400 bilhões na balança comercial com o Brasil desde 2009. E a Amcham lembrou que “o superávit comercial dos Estados Unidos em relação ao Brasil no primeiro semestre deste ano alcançou US$ 1,7 bilhão”, o que representou “um aumento de aproximadamente 500% em comparação com o mesmo período de 2024”.
Amcham defende diálogo diplomático
Embora neste século tenha sido superado pelos Países Baixos e a Espanha no apetite por novos investimentos no Brasil, os Estados Unidos ainda são os maiores investidores estrangeiros no país. E o comércio no primeiro semestre registrou mais crescimento para o lado americano. De janeiro a junho de 2025, a corrente de comércio entre Brasil e EUA somou US$ 41,7 bilhões, o segundo maior valor da série histórica. As exportações brasileiras aumentaram 4,4%, somando US$ 20 bilhões, com destaque para carne bovina (+142%), sucos de frutas (+74%), café não torrado (+39%) e aeronaves (+12,1%). Já as importações brasileiras de produtos norte-americanos cresceram em ritmo mais acelerado, com alta de 11,5%, alcançando US$ 21,7 bilhões, com saldo favorável aos Estados Unidos de US$ 1,7 bilhão no período.
Diante dos prejuízos já causados às exportações de aço e alumínio, taxadas em 25%, e o risco ainda maior com a taxação de 50%, o presidente da Amcham Brasil, Abrão Neto, reforça o apelo por solução negociada para evitar novas tarifas. “Os resultados do primeiro semestre mostram a relevância do comércio bilateral para ambas as economias e reforçam a necessidade de buscar solução equilibrada e pragmática, com esforço diplomático coordenado entre os dois governos, diante da escalada tarifária prevista para o curto prazo”, afirma o presidente da Amcham Brasil. “Estamos ante um grave cenário que pode inviabilizar boa parte das exportações brasileiras aos Estados Unidos, sobretudo bens industriais, com prejuízos para ambas as economias. Há risco de impactos severos sobre empregos, investimentos e cadeias produtivas integradas. O caminho deve ser o entendimento, que sempre caracterizou as relações entre Brasil e Estados Unidos”, conclui Abrão Neto.
A Amcham chama a atenção para o fato de que “setores estratégicos já começam a apresentar retração nas vendas aos EUA como consequência direta das tarifas atualmente em vigor. Dentre os dez principais produtos que tiveram queda nas exportações, oito deles estão sujeitos a aumentos tarifários, como celulose (-14,9%), motores (-7,6%), máquinas e equipamentos (-23,6%), manufaturas de madeira (-14,0%) e autopeças (-5,6%).
Estados mais afetados são bolsonaristas
O paradoxo que configura o tiro pela culatra da ação do clã Bolsonaro é que, dos 10 estados mais afetados pelo "tarifaço" foram os colégios eleitorais onde Bolsonaro ganhou por larga margem, com a liderança de São Paulo, principal centro industrial do país, sede da Embraer, da indústria automobilística e de autopeças, além do café, do suco de laranja e do açúcar e do álcool, e mais Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Minas Gerais é o único dos estados a ser atingido (pelo café, que divide com o ES o mercado americano, e os produtos siderúrgicos) em que Lula venceu por pouco
Depois de uma primeira reação de aplauso às ameaças de Donald Trump pelos aliados de Bolsonaro, à frente as lideranças do PL, partido do ex-presidente, e que foi secundado pelos governadores que almejam angariar os apoios dos bolsonaristas em 2026, para herdar o eleitorado de Jair Bolsonaro, como Ronaldo Caiado (União-GO) e Romeu Zema (Novo-MG), houve reação da classe empresarial e da opinião pública, o que deixou a direita desorientada.
Herdeiro natural dos votos bolsonaristas, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), depois de manifestar apoio ao ex-presidente, fez algumas correções de rota em suas posições. Na sexta-feira, ele se reuniu em Brasília com o encarregado de negócios dos Estados Unidos, Gabriel Escobar, defendendo a abertura de um diálogo entre a diplomacia dos dois países. Mas o movimento de sensatez, para baixar a fervura causou revolta entre integrantes do núcleo bolsonarista, e também na família do ex-presidente - especialmente o deputado Eduardo Bolsonaro.
Em declaração nos Estados Unidos, o deputado licenciado disse que, ao se encontrar com o representante da gestão Donald Trump no Brasil e negociar o tarifaço, “o governador atrapalha o plano de pressionar as autoridades brasileiras por uma anistia ampla e irrestrita que favoreceria, em tese, a Jair Bolsonaro”. A promessa que Eduardo Bolsonaro e o economista Paulo Figueiredo vêm fazendo após o anúncio do presidente americano é de que, se a anistia nesse modelo avançar, Trump reveria a sobretaxa de 50% que impôs aos produtos brasileiros.
O caro leitor há de recordar que já mencionei aqui que a reação do PL ao aumento do IOF era, na verdade, parte do plano do círculo bolsonarista de condicionar a aprovação das demandas do governo à aprovação de anistia que alcançasse principalmente o ex-presidente Jair Bolsonaro. A desfaçatez, a cara de pau da família foi assumida pelo próprio ex-presidente e, ao vivo, na GloboNews, na sexta-feira, pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Ou seja, a família assumiu a trama para forçar Trump a pugnar pela anistia a Bolsonaro, nem que isto custe o sequestro de uma parcela expressiva do PIB brasileiro.
O escândalo dos “hackers” que usaram a senha (negociada em troca de R$ 15 mil) de um funcionário da provedora de serviços C&M teria produzido um prejuízo de R$ 1 bilhão a bancos e “fintechs” que tiveram seus arquivos invadidos, segundo investigações da Polícia Federal divulgada sexta-feira, 11 de julho. Mas, um estudo divulgado no mesmo dia, no site do jornal “Valor Econômico”, estima que o “sequestro” do Brasil por Trump e o clã Bolsonaro pode custar nada menos de R$ 14,4 bilhões em perda de negócios.
Bradesco vê danos de US$ 15 bilhões (0,6% do PIB)
Economistas do departamento macroeconômico do Bradesco estimam, preliminarmente, “se as tarifas entrarem em vigor” (...), uma redução de US$ 15 bilhões (0,6% do PIB) das exportações brasileiras (perda adicional de US$ 13,6 bilhões em relação à tarifa de 10% inicialmente anunciada)”. Para manter as contas externas estável, o câmbio poderia ter uma depreciação da ordem de 6%. Caso o real deprecie 6%, a inflação poderia subir 0,35 ponto percentual. Os impactos seriam percebidos ainda nesse ano, com IPCA pouco abaixo de 5,5% (o Bradesco tinha reduzido a projeção do IPCA de 5,4% para 5,1% no dia 7 de julho e o Ministério da Fazenda está prevendo 4,9%).
O governo brasileiro respondeu dizendo que “qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica”. A lei, sancionada em abril, permite ao governo brasileiro restringir importações, suspender concessões comerciais, de investimento e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual. As regras da Organização Mundial de Comércio compreendem trocas de bens e de serviços. Nos serviços (patentes, cartões de crédito, direitos autorais e transações financeiras) os ganhos dos EUA são ainda mais expressivos.
Na avaliação do Bradesco, “além dos impactos de balança comercial, uma tarifa tão alta traz impactos de elevação da incerteza para a economia brasileira. As exportações terão uma perda importante, com alguns setores sendo particularmente mais afetados. O impacto sobre crescimento pode ser da ordem de-0,3 p.p. neste ano. Todos esses impactos são estimativas preliminares, não incorporados em nosso cenário, uma vez que as tarifas só entram em vigor em agosto e há tempo para negociação”, acredita o banco.
As voltas que o mundo dá
“O mundo gira e a Lusitana roda”, já dizia a velha propaganda da firma de mudanças. Mas a ideia se aplica como uma luva à política. Conversando é possível aparar arestas. Vejam o caso do IOF, que se misturou ao caso da isenção do IR para quem ganha até cinco salários-mínimos e pode ter compensação com aumento da taxação sobre os mais ricos, ajustando as contas fiscais em 2026. A oposição travou os trabalhos na Câmara, na tentativa de aprovar a anistia para Bolsonaro e os demais golpistas, e derrubou o IOF.
Quem poderia imaginar que a solução para o acerto de contas poderia vir antes do dia 15, prazo dado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, para um entendimento entre o Executivo e o Legislativo, e que viria do deputado Arthur Lira (PP-AL)? Relator do Projeto de Lei para isenção do IR, o alagoano apresentou esta semana seu substitutivo ao projeto de isenção do IR. Lira manteve a criação de um imposto de renda mínimo de 10% sobre os chamados "super-ricos", e estendeu a isenção proporcional de IR para quem ganha até R$ 7.350 reais, o que, segundo a estimativa apresentada por ele, beneficiará adicionalmente mais 500 mil contribuintes. Do ponto de vista político, ficou bom para o governo e, mais uma vez, ruim para o PL.
Mas a convergência política do ex-presidente da Câmara dos Deputados aos interesses do governo Lula envolveu, de quebra, uma negociação paroquial. Esta semana, o presidente Lula indicou Marluce Caldas para uma vaga no Superior Tribunal de Justiça. Caldas é tia de João Henrique Caldas, o JHC, prefeito de Maceió, aliado de Lira. A indicação dela fez parte de um acordo para favorecer o plano de Arthur Lira para se candidatar a senador por Alagoas em 2026. Com a tia no STJ, o prefeito de Maceió teria se comprometido a não sair candidato ao Senado no próximo ano. A outra das duas vagas em disputa seria do outro cacique alagoano, o senador Renan Calheiros, do MDB.