Por Coisas da Política

WILSON CID - [email protected]

COISAS DA POLÍTICA

Bem abaixo do iceberg

Publicado em 08/07/2025 às 11:01

Alterado em 08/07/2025 às 11:01

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Ideal seria que não se confirmasse a metáfora que o ministro Gilmar Mendes, do STF, usou para definir o momento político brasileiro. O que temos à vista é apenas a ponta do iceberg, diagnosticou. Porque na profundidade do gelo o que encontramos é uma sólida massa de divergências e antagonismos entre os poderes constituídos, o que tem levado a justificadas apreensões para um futuro próximo. Acredita o ministro que a verdadeira crise esconde o modelo do presidencialismo que nos rege. Exauriu-se. Precisa ser repensado, constatação igualmente acolhida por estudiosos e políticos, mas é encargo pesado demais para os ombros de lideranças e dos partidos, que preferem não mexer no que está dando errado... A bem da verdade, nossas dificuldades são mais profundas, e, portanto, mais desafiadoras. Não cessam no presidencialismo de coalizão.

O modelo, de fato, reclama recauchutagem, já que não tem sido possível a obra definitiva do parlamentarismo. Para contribuir na compreensão dessa realidade, bastaria observar que o Legislativo veio acolhendo atribuições que confiscou do Executivo, a começa por uma vigorosa intromissão no destino do orçamento da União, ao lado da ditadura das emendas parlamentares, para não se falar no leilão de votos em plenário, que o presidente da República frequenta, como arrematador, nos pregões que antecedem a chegada de suas mensagens. Eis um dos problemas consentidos pelo atual modelo, agravado quando se trata de governo minoritário no Congresso. O quadro é, portanto, bem complexo.

O iceberg que o ministro Mendes enxerga, isto é, a saliência que hoje está à vista, tem águas mais profundas, congelaram Executivo e Legislativo, entorpecidos, cada semana vez mais distantes, por causa do choque de interesses político-partidários, que se avultam com os sinais da próxima eleição. Talvez por isso resulte estranha, perigosa e frágil a decisão do Supremo Tribunal em arvorar-se patrono de conciliação em torno do discutido decreto do IOF, que é apenas um entre muitos problemas, como a baixa qualidade da política. Incursionando em briga de vizinhos, na melhor das hipóteses a corte pode remover apenas a ponta, não a geleira, que reina mais fundo.

(Nas profundezas, já ensinava no evangelista Lucas, há muito mais que se ver. Há casos deploráveis, como o nível dos pronunciamentos que sobem às tribunas. Desacorçoa. Na semana passada, ouviu-se o doloroso desencanto do deputado Paulo Abi-Ackel, no quarto mandato: “ficar no plenário, assistindo àquele espetáculo de horror que vive o debate de hoje a Câmara dos Deputados, é desestimulante, dá vontade de desistir”).

O performático ministro De Moraes assumiu a missão de conciliador, convocou os divergentes, numa tentativa de acordo sobre o IOF, manteve em suspenso ações e reações em torno de um imposto que vai ganhando foros de guerra entre pobres e ricos, tal como deseja o governo. O ministro se condenou ao papel de juiz de primeira instância, tentando reconstruir a casa de divorciados. Deputados e senadores, incompetentes para dialogar, aceitaram a intermediação, o que não deixa de ser humilhante.

2 - Há algum exagero na avaliação de lideranças políticas ao julgar estarem as eleições parlamentares do próximo ano credenciadas a um papel mais importante que a própria eleição do presidente da República. Avaliação igualmente atribuída ao ex Jair Bolsonaro, desde agora empenhado em garantir cadeira no Senado para três de seus filhos, o que, a se confirmar nas urnas, seria um passo seguro para cuidar da derrubada da inelegibilidade do pai, castigo determinado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Mas, para quem espera que a eleição de congressistas passe à frente, convém não esquecer que um presidente, por mais desgastado e enfraquecido que seja, ainda é quem governa, nomeia e demite. Não devemos nos esquecer que foram por terra as tentativas plebiscitárias de enfraquecê-lo.

No elenco das expectativas figura, num passo seguinte, a convicção de que a uma senatória fortalecida, a partir de 2027, seria possível confiar alguma resistência aos avanços políticos do Supremo Tribunal Federal, o que, na atual legislatura, não tem sido possível, embora muitos o desejassem. Também aí duvidoso, pois é difícil confiar aos senadores a responsabilidade para destituir ministros togados; ou negar aprovação aos novos, quando estes são submetidos a avaliação na Comissão de Constituição e Justiça.
Olhando para o futuro próximo, os sonhos de um Congresso poderoso, se fazem algum sentido, tomam por base que o Legislativo, entre nós, agora, como nunca antes, consegue dar as cartas para o desempenho de benesses orçamentárias. Por acréscimo, se algum dia vingar o semipresidencialismo, então, quem vai mandar é o primeiro-ministro, invariavelmente filho dileto do Congresso. Mas aí já é sonhar a longo prazo.

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