COISAS DA POLÍTICA

Moraes convoca para a negociação política

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Publicado em 06/07/2025 às 06:09

Alterado em 06/07/2025 às 09:14

O ministro Gilmar Mendes: promotor de encontros políticos em Lisboa Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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Há muitas definições para a Política, que é a arte da negociação, por excelência. O filósofo grego Platão, o primeiro a tratar do tema no chamado mundo Ocidental, acreditava que os interesses conflitantes de diferentes partes da sociedade podem ser harmonizados. A melhor ordem política, racional e justa que ele propõe conduz a uma unidade harmoniosa da sociedade e permite que cada uma de suas partes floresça, mas não à custa das outras. Já Aristóteles, mais jovem, um de seus discípulos, considerava que a política é “a ciência que tem por objetivo a felicidade humana e divide-se em ética (que se preocupa com a felicidade individual do homem na Cidade-Estado, ou pólis), e na política propriamente dita” (que se preocupa com a felicidade coletiva).

Filósofo da Renascença que se dedicou à política, Niccolò di Bernardo dei Machiavelli, mais conhecido entre nós como Maquiavel, que viveu na rica Florença dos séculos 15 e 16, era mais pragmático e destacou a importância de se manter o poder, ou seja, do governante manter-se no governo para que o Estado e a ordem social sejam preservados. Entre um de seus conselhos ao Príncipe, que geraram o adjetivo “maquiavélico”, estava o de que “o bem deve ser feito sempre que possível” (e aos poucos); o mal deve ser feito sempre que necessário” (e de uma vez, para gerar menos reações).

No Brasil, um dos berços da negociação política foi Minas Gerais, embora os velhos políticos mineiros conversassem sem dizer palavras. Ou, como aconselhava Tancredo Neves, um dos mais matreiros e sagazes políticos mineiros, que evitava dar murro em ponta de faca: “meu filho, carta a gente só escreve depois de receber a resposta”. Eu prefiro a singela receita de convivência humana do saudoso poeta Vinícius de Moraes, que está nos fazendo falta nestes tempos tão raivosos de ódio destilado pelas redes sociais. Dizia Vinícius no “Samba da Bênção”, que compôs com o genial violonista Baden Powell: (...) “A vida não é brincadeira, amigo; A vida é arte do encontro; Embora haja tanto desencontro pela vida”.

Lembro de Vinícius por dois motivos. Primeiro, porque na próxima quarta-feira, 9 de julho, completam-se 45 anos de sua partida. Segundo, porque um outro Moraes, o ministro do Supremo Tribunal Federal, acaba de fazer uma grande jogada política. Coube a ele arbitrar o conflito entre o Executivo, que, através do Ministério da Fazenda, alterou as alíquotas do IOF para algumas operações financeiras, e o Congresso, que, atendendo aos reclamos do setor financeiro e do agronegócio e da área imobiliária, aprovou por 383 votos, na Câmara dos Deputados, um Projeto de Decreto Legislativo que cassou o IOF do governo. Isso motivou uma arguição de Constitucionalidade pelo Advogado Geral da União, Jorge Messias. Alexandre de Moraes apitou alto e parou o jogo. E deu cartão amarelo para todos os “jogadores”. O ministro marcou uma audiência de conciliação entre as partes, dia 15 de julho no Supremo, em Brasília, entre os representantes do governo (AGU e Ministério da Fazenda) e do Poder Legislativo (os presidentes do Senado e do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-RJ), para um acordo sobre o assunto. Os ecos da reunião dos Brics, no Rio, podem ajudar na conciliação.

'Gilmarpalooza' foi palco da trégua
O curioso é que esta trégua de duas semanas para a costura de um entendimento entre os poderes foi tecida fora do Brasil, em Lisboa, onde é realizado anualmente o Fórum Jurídico de Lisboa, que o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, realiza anualmente em Portugal, por meio de seu Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, que manteve a sigla IDB, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Fundado em 1998, o IDP tem ainda como sócios fundadores o atual PGR, Paulo Gonet, e o ex-PGR, Inocêncio Mártires Coelho. Estava presente em Lisboa a maior parte dos ministros do STF, juristas, empresários e advogados e os presidentes da Câmara e do Senado, além de políticos dos mais diversos partidos. O Fórum é chamado jocosamente de “Gilmarpalooza”, mas este ano deu liga.

Sem os vícios e os maus fluidos da atual politicagem que se instalou nas duas casas do Congresso e se irradia pelas redes sociais, deu-se em Lisboa a “arte do encontro” pregada por Vinícius para o primeiro passo de um grande acordo institucional entre os três Poderes da República, tendo como pano de fundo a solução do impasse do IOF. Foi na noite de quinta-feira, em Lisboa, que Alexandre de Moraes deu o voto para resolver o impasse pela negociação política – suspendeu o aumento do IOF, bem como sua revogação, marcando uma audiência geral de conciliação entre os representantes dos Três Poderes para o dia 15 de junho. Em duas semanas, é perfeitamente possível uma solução harmônica e duradoura antes do recesso Legislativo e do Judiciário, em 18 de julho.

Um elemento inesperado que deixou clara a inexperiência do atual presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (eleito em 1º de fevereiro), para exercer a liderança e se apresentar como o número 3 na linha de sucessão do Poder Executivo - na ausência do presidente lula, assume o vice, Geraldo Alkmim e, na ausência de ambos, o presidente da Câmara, sendo o 4º na linha de sucessão o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Roberto Barroso - foi a presença simultânea, em Lisboa, do ex-presidente da Câmara, o conservador deputado Arthur Lira (PP-AL). Experiente, Lira, que conduziu dois mandatos à frente da presidência da Mesa da Câmara, nos dois últimos anos do governo Bolsonaro e nos dois primeiros anos do terceiro governo Lula, tem sensibilidade para atuar na negociação política entre os dois espectros.

Ricos contra a justiça fiscal
Lira é o relator do Projeto de Lei do governo Lula que prevê isenção do IR em 2026 para os assalariados que ganham até cinco salários-mínimos (R$ 7.590). Para compensar a isenção, inicialmente estimada em R$ 27 bilhões, para 10 milhões de contribuintes, o governo elevaria a contribuição dos que ganham acima de R$ 50 mil mensais, incluindo rendimentos de lucros e dividendos na renda total tributável. Isso atingiria cerca de 141 mil pessoas. O balanço das duas medidas seria neutro para a carga tributária do país. Mas seria um enorme avanço na redistribuição da justiça fiscal no país.

Entretanto, a reação do Congresso, taxando a medida de justiça tributária do IOF como “aumento da carga tributária” (quando, na verdade, a elevação das alíquotas do IOF não busca nem 10% dos ganhos que a elevação de 10,50% da taxa Selic desde maio de 2024 para os 15% ao ano atuais - o último aumento de 0,25% na Selic implica a transferência de R$ 14,2 bilhões do Tesouro Nacional para o sistema financeiro e o conjunto dos rentistas) acirrou o clima de confronto entre o governo e a oposição. O governo busca ampliar no IR a justiça tributária já aprovada na Reforma Tributária sobre o consumo (que vai valer a partir de 2027). A maioria do Congresso, que fez a defesa dos postulados da Faria Lima, o centro financeiro do país, em São Paulo, abraçou a proteção dos ricos. Como aconteceu nos Estados Unidos com o projeto fiscal de Trump, que deu mais isenções aos ricos e cortou benefícios sociais.

Simplificando, virou uma batalha da manutenção dos privilégios dos ricos para não pagar mais impostos, em benefício do alívio do IR para os de menor renda. E deu o mote antecipado da campanha eleitoral de 2026, que ganhou as redes sociais como rastilho de pólvora, com forte adesão popular. Moraes chamou todos à razão e à discussão sem paixões. A oposição na Câmara, liderada pelo PL, nitidamente forçou a barra para uma negociação entre o IOF e a anistia aos condenados dos atos de 8 de janeiro de 2023 e seus antecedentes, cujo sujeito oculto é o ex-presidente Jair Bolsonaro.

A mediação de Moraes tira o “bode” Bolsonaro da sala (depois de mais um fiasco da manifestação pró-anistia na Paulista, que “flopou” em 29 de junho; o ex-presidente deu um tempo nas campanhas pelo país para se tratar da aerofagia). Arthur Lira pode encontrar o caminho do meio para o acordo entre os Três Poderes. O acordo político é sempre melhor que a briga. Mas o governo precisa apontar como recuperar a arrecadação prevista para 2025.

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