
Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Se não é bom pros EUA, por que serve ao Brasil?
Publicado em 29/06/2025 às 07:35
Alterado em 29/06/2025 às 09:09

.
Imagina se fosse o presidente Lula que dissesse essa frase: "Estamos pagando 900 bilhões a mais por ano [de juros] por causa desse cara. Acho ele estúpido. Ele é uma pessoa mentalmente muito mediana", disparou o presidente. Lula esteve perto de dizer coisas desse tipo para o ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O setor público brasileiro pagou R$ 950,4 bilhões em juros no ano passado, o último da gestão Campos Neto. Lula recebia pedradas do mercado financeiro quando só criticava a demora do Banco Central em baixar os juros para animar o consumo e a economia. Jamais cogitou de abreviar o mandato do neto do ex-ministro do Planejamento Roberto de Oliveira Campos, nem mexer na independência do banco. Quando o mandato expirou em 31 de dezembro de 2024, o ex-diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, indicado por Lula, foi escolhido para suceder a Campos Neto, em 1º de janeiro, com seu nome aprovado pelo Senado Federal. [Dia 30 acaba a quarentena (bancada pelo Tesouro) e Campos Neto já pode assumir um alto cargo no Nubank, que não é banco e deve perder o nome fantasia e adotar só o "Nu", mas com um ex-presidente do BC na diretoria].
Mas quem disse essa frase, como afronta ao Federal Reserve Bank, e em ameaça ao cumprimento do mandato de seu presidente, Jerome Powell, foi o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Os EUA estão com uma dívida pública de US$ 36 bilhões e os juros da dívida (4,25% a 4,50% ao ano) custam US$ 900 bilhões anualmente. Mas se houve estranhamento em Wall Street contra a interferência de Trump nas decisões do Fed e em abreviar o mandato de Jerome Powell, que vence em maio de 2026, nada se ouviu na Faria Lima, sempre diligente em defender a ortodoxia dos bancos centrais, e que se insurgiu contra a cobrança de IOF para compensar os ônus ao Tesouro Nacional causado pela escalada de juros concentradora de renda.
Com a Selic em 15% ao ano, para uma dívida pública líquida em títulos de R$ 7,361 trilhões em abril (os dados de maio sairão dia 30), cada aumento de um ponto na Selic custa R$ 55,6 bilhões ao fim de 12 meses. Desde junho de 2024, a Selic subiu de 10,50% para 15%, com uma transferência de renda contratada de mais de R$ 230 bilhões para o sistema financeiro e os rentistas. Em maio, os bancos e instituições financeiras, incluindo “fintechs”, detinham 30,14% dos papéis da dívida, os fundos de pensão e de previdência privada controlavam 23,60% da dívida, os fundos de investimentos tinham 22,40%, atendendo aos rentistas, e os não residentes (estrangeiros e brasileiros com “off-shore” em paraísos fiscais) bancavam 9,88% da dívida. Por isso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer buscar uma parte do ganho extra com IOF e IR sobre papéis até aqui isentos (Letras de Crédito Agropecuário e Letras de Crédito Imobiliário). E o governo resolveu recorrer ao Supremo Tribunal Federal para manter a medida derrubada pelo Congresso.
Nos EUA, Trump, além do seu interesse particular em baixar os juros para reativar seu patrimônio imobiliário, a bazuca contra Jerome Powell visa tirar de suas costas, pelo impacto do tarifaço nas importações (tantas vezes recuado), a responsabilidade pela forte desaceleração da economia americana. Assim como despejou superbombas sobre as instalações nucleares do Irã, Trump mirou seu arsenal verborrágico contra Powell. O mandato de cada presidente do Fed é de quatro anos, mas essa função é exercida dentro de um cargo maior: o de membro do Conselho de governadores do Fed, cuja duração é de 14 anos. Jerome Powell foi nomeado membro do Conselho em 2012, por Barack Obama, e depois promovido a presidente do Fed por Trump em 2017. Em 2022, foi reconduzido ao cargo por Joe Biden. Seu mandato presidencial termina em maio de 2026, mas ele poderia continuar no Conselho até 2028, salvo renúncia ou remoção por justa causa.
O que é bom para os EUA...
Ficou famosa no primeiro governo militar (marechal Castelo Branco) a frase do então embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Juracy Magalhães, que viria a ser nomeado ministro das Relações Exteriores: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Foi largamente explorada pelos nacionalistas e opositores do regime militar como o máximo do servilismo entreguista. Mas a frase é uma cópia do que disse, em meados dos anos 50, o ex-presidente da General Motors (GM), Charles Wilson, ao ser nomeado pelo presidente Eisenhower como secretário da Defesa. Disse Wilson: "O que é bom para a América é bom para a General Motors e vice-versa". Na época, a GM era a maior empresa americana e a maior fabricante mundial de automóveis.
Na guerra de nervos contra Jerome Powell, que tem adotado um tom cauteloso à frente do Fed, justamente devido às incertezas causadas pelo tarifaço no aumento da inflação doméstica, Trump já teria nomes ventilados para o cargo, segundo o “Wall Street Journal”. O secretário do Tesouro, Scott Benset, encabeça a lista. Outro nome seria o do diretor do Fed, Christopher Waller, da ala mais moderada do banco central americano. Semana passada, Waller defendeu a possibilidade de o Fed já discutir a redução das taxas de juros na reunião de 30 de julho. Outra possível indicação seria de Kevin Hassett, diretor do Conselho Econômico Nacional. Corre por fora, segundo a agência Dow Jones, o ex-governador do Fed e membro da Hoover Institution, Kevin Warsh.
Os paradoxos da Câmara dos deputados
Tão diligentes e servis na defesa da austeridade fiscal, que veta qualquer aumento de impostos mesmo concentrado nos ganhadores da alta dos juros da dívida pública e dos papéis privados – os bancos e fundos de investimentos das instituições financeiras representam mais de 52,5% dos rentistas –, e insistentes em cortes de programas sociais do governo (o Orçamento Secreto e as verbas parlamentares são intocáveis), na mesma semana em que infligiram uma dura derrota ao governo - 383 votos a 98 contra os aumentos de impostos sobre operações financeiras -, os (as) senhores (as) parlamentares aprovaram o aumento do número de assentos na Câmara dos Deputados dos atuais 513 para 531, a partir de 2027. Na eleição de outubro de 2026, serão criados mais 18 cargos de deputados com todas as mordomias já conhecidas: casa, verbas para gasolina dos carros oficiais e passagens aéreas à vontade para ida aos estados, além de cotas para nomear mais de uma dúzia de assessores parlamentares. Alguns deles, a exemplo dos chefes, nem batem ponto.
Quando votaram a maior derrota do governo Lula, já de olho nas eleições de 2026, com a tática mais comum da política – a tocaia - mais da metade dos 398 deputados que aprovaram o Projeto de Lei do Legislativo para derrubar o IOF e outras propostas de taxação (IR de 5% para 2026 sobre LCAs e LCIs) nem estava no plenário ou até mesmo em Brasília. Desde que, na pandemia da Covid-19, o então presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL), reeleito em 2023 para mais dois anos até 1ºde fevereiro de 2025, quando foi sucedido por Hugo Motta (Republicanos-PB), adotou a aprovação de matérias pelo Sistema Remoto de Votação, passada a pandemia o hábito fez o monge. Em vez do voto declarado e assumido no plenário ou nas mesas e cabines de votação da Câmara (que impedia que terceiros votassem pelo parlamentar), agora é possível votar remotamente pelo telefone celular até de locais menos ortodoxos. Na semana de São João, a maioria dos parlamentares estava em campanha nas festas juninas em seus estados. Um assessor pode, perfeitamente, ter votado pelo chefe. Circula no plenário, em forma de piada, a informação de que alguns votos contrariaram a orientação da bancada porque o parlamentar (ou seu assessor) abusou do quentão durante o forró.
Mas a questão é que o mesmo Congresso Nacional que barra impostos sobre os rendimentos dos ricos ou reluta em cortar parte dos R$ 800 bilhões em subsídios e incentivos fiscais que causam um rombo no Tesouro Nacional, não mostra coerência quando aprova (na Câmara e no Senado) o aumento das bancadas federais dos estados, de acordo com o crescimento da população apontado pelo IBGE no Censo 2022. O aumento de 18 vagas vai implicar, de imediato, gastos anuais de mais R$ 64,6 milhões. A Câmara jura que ficará só nisso. Você acredita, caro leitor?
Desde a Constituição de 1988 as bancadas não aumentavam: o teto é dos 70 representantes de São Paulo (estado mais populoso). Minas Gerais vai aumentar de 53 para 54 deputados. Pará e Santa Catarina ganharão mais quatro cadeiras. Aumentam duas Amazonas, Mato Grosso e Rio Grande do Norte. Ganham uma cadeira, Ceará, Goiás e Paraná, cuja população supera a do Rio Grande do Sul e agora os dois estados terão 31 representantes. O RS estava, ao lado de Alagoas (9) e do Rio de Janeiro (46), entre os três estados que perderam população. Mas o Congresso só quer saber de salvar a própria pele (alguns estão sendo presos por falcatruas na distribuição de verbas do Orçamento Secreto) e de propor cortes nos programas sociais. Imagina fazer na própria carne? A bancada mínima é de 8 deputados. O Senado manterá as 81 vagas, mas o Congresso incha de 594 para 612 parlamentares com as suas mordomias. Aliás, 65 anos após a criação de Brasília, com a capital federal sendo a terceira metrópole do país, faz sentido sustentar as idas e vindas semanais dos parlamentares a seus estados e o expediente de três dias no Congresso (terça, quarta e quinta-feira)? Nos EUA e Europa não há isso.