
Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Por que fazer uma 'escolha de Sofia'?
Publicado em 22/06/2025 às 08:08
Alterado em 22/06/2025 às 08:44

O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) surpreendeu o próprio mercado financeiro, que já considerava suficientemente elevada a taxa Selic em 14,75% ao ano, mas o Copom, visando atrair dólares com o diferencial de juros do Brasil, aumentou em mais 0,25 ponto percentual a taxa Selic para 15% ao ano. Descontando a inflação em 12 meses, de 5,32%, isso dá um juro real de 9,19% para os rentistas e o sistema financeiro. A diferença de 10,50 pontos percentuais entre os juros pagos pelo Tesouro Nacional e os 4,50% ao ano pagos pelo Tesouro americano é ainda suficiente para atrair investimentos estrangeiros e valorizar o real ante o dólar, ajudando a furar a bolha inflacionária da subida do dólar no segundo semestre do ano passado.
Mas política monetária restritiva tem custo altíssimo para o Tesouro Nacional, o setor produtivo e a imensa maioria das endividadas famílias brasileiras. Juros nas alturas, a rigor, só beneficiam o sistema financeiro e os rentistas e concentram ainda mais a renda da sociedade brasileira. O Banco Central estimava em abril que cada aumento de um ponto percentual na taxa Selic onera em R$ 55 bilhões, ao fim de 12 meses, os encargos da dívida pública líquida do setor público, que estava em R$ 7,4 trilhões em abril deste ano. O aumento de 0,25% na Selic, portanto, onera em R$ 13,875 bilhões (ou R$ 14 bilhões a valores presentes) o custo da rolagem da dívida em 12 meses.
Considerando que a Selic era de 10,50% em junho de 2024 e chegou a 15%, devendo continuar assim, segundo deu a entender o comunicado do Copom, até o começo do ano que vem, na avaliação do Banco Itaú, pode-se calcular, por baixo, que a escalada dos juros vai aumentar os gastos do Tesouro com o financiamento da dívida (títulos são emitidos para rolar a dívida que vence e para incorporar os juros) em bem maior que R$ 200 bilhões. É uma drenagem de recursos do Tesouro Nacional para concentrar a renda entre os rentistas, os extratos mais ricos da pirâmide social brasileira, e o mercado financeiro.
Você deve estar estranhando a estas alturas, caro (a) leitor(a), o título da coluna, baseado do incrível drama vivido na tela por uma mãe judia que tinha de optar entre a entrega do filho ou da filha para o sacrifício num campo de concentração nazista. Do ponto de vista racional, não há por que a sociedade brasileira sofrer mais sacrifícios para bancar os juros da dívida. O governo federal, arbitrando o conflito redistributivo do país, propôs o aumento compensatório da tributação sobre o rendimento dos papéis negociados no mercado financeiro para o Tesouro Nacional buscar de volta parte da renda que vai engordar as burras dos bancos e dos investidores em títulos de renda fixa. Era a solução racional. Os tributos só entram em vigor em 120 dias (se o Congresso não derrubar a Medida Provisória) ou em 2026, caso da pequena taxação de 5% do Imposto de Renda sobre Letras de Crédito Agropecuário (LCAs) e Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), até lá isentas.
Congresso defende privilégios
Mas, entrou em campo o poder Legislativo. Câmara e Senado têm de aprovar a proposta do governo de aumentar os tributos de aplicações financeiras cujos rendimentos reais inflados, descontada a inflação, pela escalada da Selic, que funciona como piso do mercado financeiro. Diga-se que a Câmara e o Senado também têm em mãos outra decisão de mérito semelhante: aprovar o projeto de Lei que dá isenção de IR a 10 milhões de assalariados que ganham até cinco salários-mínimos (hoje R$ 7.590). Como haveria renúncia fiscal de R$ 27 bilhões, o governo propôs compensar o refresco ao andar de baixo com taxação extra de 10% para quem ganha acima de R$ 50 mil mensais, o rico universo de 142 mil pessoas. Ou 0,7% dos brasileiros.
Tanto bastou para o Congresso, interpretando a visão elitista e egoísta do mercado financeiro, reagir quanto ao que chama “aumento da carga tributária”, embora a origem da distorção a ser corrigida na repartição da renda nacional seja o crescimento abusivo e extemporâneo dos ganhos dos rentistas. Em vez de reconhecer - como os bilionários que se reúnem anualmente em Davos, no Fórum Econômico Mundial na Suíça, a justiça fiscal de um imposto extra sobre os bilionários, para ajudar no combate à fome no mundo -, o coro que vem da Faria Lima e ecoa no Congresso defende cortes nos programas sociais e a derrubada dos ajustes nos impostos sobre as transações financeiras.
Esta semana legislativa, que abreviou com o feriado de Corpus Christi e vai emendar com a gazeta das festas de São João, poderia render com a apreciação do projeto de reforma do IR na comissão especial. O relator do projeto, deputado Arthur Lira (PP-AL), deve apresentar seu parecer em um momento ruim para o governo, de baixa popularidade, crescentes dificuldades na relação com o Congresso e de movimentação de parte expressiva do centrão para organizar a oposição eleitoral a Lula em 2026. Não será surpresa se, no contexto, Arthur Lira incluir algumas armadilhas para o governo no projeto de reforma do IR, o mais importante para a Fazenda e o governo em 2025. Em uma votação esta semana, ao derrubar vetos do presidente Lula aos subsídios que foram incluídos, como “jabutis”, no projeto de regulamentação da energia eólica, os deputados incluíram benefícios à energia solar e às termoelétricas a gás. Um rombo de R$ 197 bilhões nos próximos 20 anos!
Há mais riscos à vista. Com a extensão do chamado "Gilmarpalloza", evento anual organizado pelo IDP (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Pesquisa), criado há 27 anos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes em Portugal, para debater questões e temas relacionados ao Brasil e à nossa conjuntura política, econômica e jurídica. Como nos últimos anos, o evento contará com a presença de várias autoridades: ministros do STF e do governo federal, além de dezenas de parlamentares, inclusive de Hugo Motta e, provavelmente, David Alcolumbre. A agenda política pode se esvaziar.
Portanto, o recesso branco do Congresso deve se estender pela primeira semana de julho. Atividades normais somente a partir de 8 de julho, dez dias antes do início do recesso parlamentar de 17 de julho a 1º de agosto. Até lá daria tempo para as assessorias dos deputados e senadores alertarem para as medidas impopulares e injustas que o Congresso poderia adotar ao derrubar as medidas propostas pelo governo e insistir em cortes em programas sociais.
Antes do Congresso começar a esvaziar a potência do aumento do IOF, a estimativa era de que as novas alíquotas poderiam arrecadar o equivalente ao gasto anual do Bolsa Família. Mas os cortes do Congresso reduziram em o aumento da arrecadação à metade. E, por coincidência, o Copom, ao elevar a Selic a 15% ao ano, criou mais um “Bolsa Família” de R$ 13,75 bilhões para os rentistas. Cortar o rombo do Orçamento Geral da União seria fácil se o Congresso, em vez de afiar a faca contra os programas sociais, mirasse na redução dos incentivos fiscais às empresas (Simples, Zona Franca de Manaus) e crédito subsidiado à agricultura (a diferença com os juros pagos na Selic é bancada pelo Tesouro). O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propôs um corte linear de 10% nos subsídios e renúncias fiscais, estimado em R$ 800 bilhões este ano. Só as empresas tiveram quase R$ 100 bilhões de benefícios até agosto do ano passado. Há ainda as intocáveis emendas parlamentares (R$ 44,7 bilhões em 2024 e estimadas em R$ 60 bilhões este ano).
Corte nas Forças Armadas
Desde que conheci, em 1988, o projeto da União Europeia (de 1992), com a inclusão de Espanha, Grécia, Portugal e Irlanda, chamou minha atenção o fato de que ao entrarem para a OTAN, que tem Forças Armadas altamente treinadas e profissionalizadas, Portugal e Espanha aboliram o serviço militar obrigatório e criaram exército profissional. A sofisticação das guerras Israel x Irã e Rússia x Ucrânia reforça meu ponto de vista de troca do Serviço Militar obrigatório pelo Serviço Cívico obrigatório, cumprido ao longo de dois anos por estudantes universitários em suas férias, que poderiam travar contato com a realidade brasileira em vários cantos do país, descobrindo oportunidades de trabalho.
O encolhimento das Forças Armadas a regime profissional, concentrado na defesa nacional nas fronteiras e no vasto litoral, pouparia recursos e abriria espaço para a discussão da aposentadoria dos militares, fonte de rombos da Previdência, assim como os altos salários. Mas isso é tema para outra coluna. Veja onde você passaria o tesouro, caro (a) leitor (a):
Diante de um quadro desses, exigir cortes nos auxílios aos mais pobres chega a ser pornográfico - cortes na educação, na segurança e programas sociais.
Coaf afia garras com novo diretor
Atenção, sonegadores e contumazes lavadores de dinheiro via mercado financeiro, criptomoedas e apostas: a partir de 1º de julho terá novo diretor o Conselho de Controle de Atividades Financeiras. O Coaf é a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) do Brasil, voltado para a prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e do tráfico de armas de destruição em massa, administrativamente ligado ao Banco Central.
Será o delegado da Polícia Federal Ricardo Andrade Saadi. Com atuação destacada no combate ao crime organizado, à lavagem de dinheiro e à corrupção, ele substitui Ricardo Liáo, que esteve à frente do Coaf desde agosto de 2019 (desde o governo Bolsonaro). Saadi já foi conselheiro do Coaf e atualmente é diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção na Polícia Federal. Sua larga experiência contribuirá para a missão do Coaf de produzir inteligência financeira e de supervisionar os setores econômicos sob competência do órgão para proteção da sociedade contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa.
Embora o Banco Central tenha anunciado que Ricardo Liáo “deixa o órgão a pedido”, a troca no Coaf coincidiu com a divulgação, pela Polícia Federal, quinta-feira, 19 de junho, do escândalo da “Abin Paralela” no governo Bolsonaro, que tinha entre outras missões, além de espionar jornalistas e políticos da oposição, blindar as investigações da Receita Federal contra a prática de “rachadinhas” no gabinete do filho 01, o então deputado estadual do Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro, eleito senador pelo PSL-RJ, em 2018.
As atividades da Abin paralela focaram na investigação e identificação dos funcionários da Receita Federal que estavam rastreando a movimentação financeira do recém-eleito senador, incluindo a participação em uma franquia da Kopenhagen em um shopping da Zona Oeste do Rio de Janeiro, que realizava a maior parte das vendas em espécie.
Os funcionários da Receita foram afastados, bem como os promotores que investigavam o caso. E as investigações no Coaf, onde deveria transcorrer a apuração de possível evasão fiscal e lavagem de dinheiro, foram paralisadas após a indicação de Ricardo LIáo pelo então presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em agosto de 2019. Gabriel Galípolo, atual presidente do Banco Central, que indicou Saadi, agradeceu a Ricardo Liáo, servidor aposentado do BC, pelos serviços prestados, reconhecendo seu empenho, dedicação e profissionalismo “no longo do período em que se dedicou ao Coaf”. Mas o fato é que Saadi vem com sangue novo e as garras afiadas.