
Por Coisas da Política
WILSON CID - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
A hora é esta
Publicado em 06/05/2025 às 13:08
Alterado em 06/05/2025 às 13:08

Ainda sob a comoção provocada pela morte do Papa, e na sequência as expectativas pela eleição de seu sucessor, indaga-se sobre o que seria possível fazer para que as homilias franciscanas influenciem, beneficamente, na política. Neste mesmo jornal levantou-se a questão, com opiniões as mais diversas, embora quase todos reconheçam que aquele pontificado de 12 anos marcou permanente preocupação em fazer com que o mundo empreenda sincera caminhada para o entendimento. O diálogo como meio, a paz por fim. A Igreja diz ter dado a saída. Não se pode dizer que o pontífice Francisco tenha prosperado nesse ideal, tanto quanto desejou a difícil esperança; esperança dele e dos homens de boa vontade, como reza um dos mais antigos clamores do cristianismo.
Bem ou mal, a esperança sobrevive. Já é alguma coisa. Mas é preciso robustecê-la junto às lideranças políticas, governantes, chefes de comunidades ou quem quer que seja, se tiver poder de influir. É preciso começar pelas lideranças.
(A hora em que vivemos, diria o jurista Afonso Arinos, é um Brasil confuso. Temerosa, descrente, é austera e grave, prenhe de angústias, incerteza e receios. É, sem dúvida, uma hora de desesperança, mas não, ainda, de desespero).
À vista disso, digamos ser uma pena que o governo, seus apoiadores e os que lhe fazem oposição não tenham dado conta de que, contrariamente ao que possa parecer, estamos vivendo, por obra do contraste, a hora propícia para o grande projeto de harmonia nacional, à sombra do que se herdou do sentimento do papa falecido. Fácil admitir. Por quê? Porque, no Brasil, este é um momento em que ninguém protesta, raramente se levantam os partidos, entidades de representação da sociedade recolhidas, caladas, desanimadas para contestar e cobrar, desinteressadas para grandes litígios. Todos acalmados, anestesiados. Sente-se em toda parte a preferência geral pela imperturbabilidade. É preciso tirar proveito da indiferença em que vivemos: se por um lado ela é muito ruim, também ajuda, porque não faz grandes ondas, e permite incursões mais amplas dos pacificadores. O conformismo que nos anestesia e cala é o clima para juntar as peças e reorganizar as coisas tão desarrumadas como andam neste país. Do limão costuma-se fazer a limonada.
O ambiente de braços cruzados está à vista. Tome-se apenas como exemplo (outros nem se fariam necessários), a ausência de greves de trabalhadores e funcionários, tão comuns em governos passados, mas não agora. O PT, que inspirou e liderou as maiores paralisações que o país já conheceu, tem revelado imensa habilidade para hibernar e silenciar os protestos de rua, não deixa desassossegados o governo e o presidente Lula. Fossem os tempos do PSDB e do MDB, as praças estariam animadas contra a corrupção, os assaltos ao INSS, os gastos exagerados das mordomias oficiais. Bandeiras, cartazes, barricadas, palavras de ordem denunciando os salários mínimos miseráveis, lojas e bancos quebrados. Morte aos ladrões de colarinho branco, gritavam as multidões. Hoje, espectadoras. OAB, sindicatos e suas federações, os milhões de evangélicos contentes com o Velho Testamento, entidades religiosas, a começar pela CNBB, todos absorvidos na letargia cômoda. A nação espectadora abstraída, vendo os tribunais de justiça fazendo injustiças, o parlamento imerso nas emendas e nos fundos eleitorais, o Executivo às cabeçadas.
Sente-se no brasileiro comum uma coisa curiosa, que talvez explique a indisposição para agir, muito menos reagir: ele sabe de onde quer sair, mas não tem noção sobre aonde ir.
Complacente. Então, se não há cobranças e protestos para desafiar o sono do governo e dos grandes chefes; se os poderes não são incomodados, fazem o que querem e o que não deviam fazer; e raras as reações sonolentas, eis o momento adequado para, colocando o Brasil nos trilhos, vencer a nefasta impunidade que premia os maus e sacudir os indiferentes, despertar a sociedade, como desejaria o Papa, que muito antes já havia lamentado um mal que também conhecemos aqui: a indiferença.
É preciso aproveitar o instante de conformismo da nação sonolenta, e arrumar a casa, começando com o amplo projeto nacional e patriótico de pacificação. Dirão muitos: como é difícil!. Mas é exatamente o mais difícil que merece ser sonhado.