
Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Crise de prisão de ventre veio antes da ação do STF
Publicado em 13/04/2025 às 06:08
Alterado em 13/04/2025 às 09:10

Muita gente acredita na teoria de que o corpo humano tem manifestações premonitórias. O que aconteceu com o ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro, no Rio Grande do Norte, foi sintomático. Na madrugada de quinta para sexta-feira, após um dia de campanha pelo interior do Estado, ele passou mal com prisão intestinal e, após um primeiro atendimento em Santa Cruz, precisou da ajuda de um helicóptero do governo do RN, comandado pela petista Fátima Bezerra, que colocou todos os efetivos oficiais à disposição, conforme solicitação do senador Rogério Marinho (PL-RN), para levá-lo a um hospital mais aparelhado da capital. A situação piorou e o ex-presidente seria removido sábado à noite numa UTI aérea para ser operado neste domingo (13) à tarde, em Brasília.
Enquanto os apoiadores de Bolsonaro passaram a manhã de sexta-feira apreensivos, em Brasília, o Supremo Tribunal Federal abriu uma ação penal contra os réus do núcleo 1 da trama golpista para manter Bolsonaro no poder após as eleições de 2022. O processo que poderá levar Bolsonaro e mais sete figuras do alto escalão de seu governo à prisão será de relatoria do ministro Alexandre de Moraes e tramitará na Primeira Turma da Corte.
'Dura lex sed lex'
A lei é dura, mas é a lei. Além de ignorar a situação aflitiva de Bolsonaro, que poderia ser usada pelos apoiadores do requerimento de anistia para colher mais assinaturas de deputados federais na Câmara, o relator do processo no STF, ministro Alexandre de Moraes, aceitou na íntegra a denúncia da Procuradoria Geral da República, na tarde de sexta-feira. A Primeira Turma do STF acatou a denúncia em 26 de março, no segundo dia de exame do parecer da PGR, por 5 a 0. Moraes foi seguido pelos ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Formalizada a denúncia, foi instaurado o processo criminal, registrado sob o número 2.668.
Os crimes imputados contra Bolsonaro e mais sete réus são: Organização criminosa armada; Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; Golpe de Estado [no julgamento, as duas acusações podem ser fundidas numa só, para diminuir as penas, pressionam os advogados de defesa] e ainda dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, com considerável prejuízo para a vítima; e Deterioração de patrimônio tombado.
Bolsonaro será intimado tão logo deixe Natal (RN), com retorno a Brasília, onde reside. Mesmo que a Justiça não encontre Bolsonaro e os outros réus nos endereços após sucessivas tentativas, o processo não será interrompido. Neste caso, haverá a citação por edital, a ser publicada no Diário de Justiça. Quando for intimado e receber o documento para responder à acusação, Bolsonaro terá cinco dias de prazo para apresentar defesa prévia no processo. As defesas poderão arrolar testemunhas para depor a favor dos denunciados, sendo permitido até oito nomes por crime imputado. Ou seja, como Bolsonaro e os demais respondem por cinco crimes, eles poderão indicar até 40 testemunhas. Com o passaporte apreendido, Bolsonaro está impedido de deixar o país, mas pode mudar-se para outro estado ou região de Brasília, desde que informe à Justiça para evitar problemas com intimações.
Após toda essa fase, terá início, de fato, a etapa de instrução e julgamento. Nessa fase, Bolsonaro e os demais acusados terão contato direto com os ministros da Primeira Turma, quando serão apresentadas alegações de defesa, colhidas provas e ouvidas testemunhas e os próprios réus. Os réus, também, poderão apresentar embargos para questionar alguma dúvida que, porventura, possa aparecer no processo.
Além de Bolsonaro, são réus: Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal; general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
A paternidade do socorro a Bolsonaro
Desde que levou facadas no abdômen, em 6 de setembro de 2018, desferidas por Adélio Bispo quando fazia campanha eleitoral, em Juiz de Fora (MG), Jair Bolsonaro já passou por várias cirurgias. E os médicos que salvaram a sua vida e o deixaram com uma bolsa de colostomia (já retirada) o aconselharam a seguir uma dieta leve, sem abuso de comidas pesadas e gordurosas. Mas, Bolsonaro, um glutão, já sofreu muitas agruras por comer muito e rápido. Ele não resiste a uma picanha. Em janeiro de 2022, foi internado com uma obstrução intestinal por ter comido camarão sem mastigar o bastante.
Agora, no interior do Rio Grande do Norte, numa caravana pela anistia dos envolvidos no 8 de janeiro de 2023 e preparatória da campanha eleitoral de 2026, não se sabe do que abusou em Santa Cruz, onde começou a passar mal de madrugada. Transferido às pressas de helicóptero no começo da manhã para a capital Natal, o ex-presidente chegou ao Hospital Rio Grande a bordo de ambulância do Samu. No hospital, o uso de uma sonda nasogástrica deu um alívio imediato, adiando a viagem em UTI aérea para o Sírio e Libanês, em São Paulo, onde tudo já estava preparado para operação de emergência. Bolsonaro, que ainda não está fora de perigo, já foi transferido para Brasília para uma nova cirurgia. Não se sabe se explicou ao novo cirurgião, se provou uma indigesta buchada de bode ou se abusou de carne de sol, com baião de dois.
De qualquer forma, o simples fato de estar a bordo de ambulância do Samu levou o recém-empossado ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que é médico, a postar foto da ambulância com a porta traseira aberta e Bolsonaro deitado em uma maca, já com atendimento de emergência, para elogiar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), criado pelo presidente Lula em seu primeiro mandato, em 2003.
“Todo mundo sabe: na hora da emergência, chama o Samu 192! Atendimento de urgência para salvar vidas de norte a sul. Criado pelo presidente @LulaOficial, para todos os brasileiros, cada vez maior e mais rápido! Viva o SUS!", escreveu Padilha.
Na verdade, o SAMU é uma cópia do sistema introduzido na França, em 1986 – o “Service d'aide médicale urgente” — que faz uso da mesma sigla "Samu", considerado por especialistas como o melhor do mundo. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - Samu 192 é um dos componentes da Política Nacional de Atenção às Urgências do Ministério da Saúde, e faz parte da Rede Assistencial Pré-Hospitalar Móvel de atendimento às urgências. Mas, como dizia o grande químico francês Antoine-Laurent Lavoisier, que viveu no século XVIII, “na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Ou se copia.
Antes do Samu francês, o Brasil teve o pioneiro “Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência da Previdência Social”, mais conhecido como Samdu, que tinha ambulâncias para socorro de pacientes em casa. Criado no Distrito Federal, em 1949, no governo do marechal Eurico Dutra, o serviço funcionou até 1966, mesmo depois da transferência da capital para Brasília e o município do Rio de Janeiro virar o Estado da Guanabara. Lembro de que, certa vez, meu tio Carlos Horta da Costa foi socorrido por ambulância do Samdu em sua casa, na Tijuca. Tio Carlito, engenheiro da Light, tinha crises de asma mais terríveis que as minhas (me livrei delas ao banir o leite da minha vida, em 2005, quando vendi as vacas do sítio e deixei de trazer o leite puro e gorduroso para o Rio). Ele morreu aos 90 anos, em novembro de 1999, muito próximo do sonho de viver no ano 2000.
Noivado com dote do Tesouro Nacional
O deputado federal Covatti Filho (PP-RS) é um homem apaixonado. Para conquistar definitivamente a noiva, que também é presidente da Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul (RS), Nicole Weber (Podemos), destinou uma emenda parlamentar para garantir a reforma da rede elétrica do Hospital Santa Cruz, que atende a população local e moradores de cidades vizinhas. Para quem não sabe, Santa Cruz do Sul, uma bela e arborizada cidade de 140 mil habitantes (estive lá há 15 anos), é a capital brasileira da indústria do fumo, cujas lavouras se espalham por municípios da Serra Geral, situados abaixo da região vinícola de Bento Gonçalves, Flores da Cunha e Caxias do Sul.
Uma contribuição das grandes indústrias fumageiras seria suficiente para garantir o atendimento a boa parte dos colonos que contraem doenças causadas pelo contato diário nas lavouras e nas estufas de secagem das folhas de fumo. Mas Covatti Filho quis fazer bonito e, como adiantou o vídeo publicado pela loura Nicole Weber nas suas redes sociais, ela recebeu de “presente” do noivo uma emenda parlamentar de R$ 1,3 milhão do Orçamento Secreto. Só que o dinheiro é o seu, o meu, o nosso dinheirinho do Tesouro Nacional. A lua de mel está garantida e todo o enxoval do casamento.
Por isso, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, faz muito bem em exigir transparência nas verbas que cabem ao Congresso no Orçamento Secreto, com indicação de quem (deputado ou senador) destina os recursos, o município destinatário e a finalidade do repasse. O ex-ministro das Comunicações, deputado Juscelino Filho (União-MA), renunciou esta semana ao governo Lula, depois que a Procuradoria Geral da União o denunciou por desvio de verbas de mais de R$ 800 mil, quando não estava no governo. As verbas eram referentes ao quinhão da Codevasf (a Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio São Francisco, cuja abrangência territorial se estendeu para o vale do rio Parnaíba, na divisa dos estados do Piauí e Maranhão). Só que as verbas ficaram em família. Foram destinadas ao município maranhense de Vitorino Freire, então comandado pela prefeita Luana Rezende (União), que vem a ser irmã de Juscelino Filho. E parte das máquinas da Codevasf e dos recursos foram usados para asfaltar uma estrada que dava acesso a uma fazenda. Bingo para quem acertar: de propriedade de Juscelino Filho. Lula o aturou enquanto as suspeitas e denúncias não foram formalizadas. Quando a PGR formalizou o indiciamento, a posição do ministro ficou insustentável.
A saída de um quadro do União Brasil do Ministério do governo Lula abriu espaço para pressões por uma reforma ministerial maior que a simples entrada da ex-presidente do PT, Gleisi Hoffmann, na pasta de Relações Institucionais (a articulação política do governo com o Congresso), na vaga do médico e deputado (PT-SP) Alexandre Padilha, que assumiu o Ministério da Saúde após a demissão de Nísia Trindade. O próprio substituto de Juscelino, o também deputado federal maranhense Pedro Lucas, líder do União Brasil na Câmara, prefere acertar a substituição na liderança do União na Câmara (pleiteada por Juscelino) e preferiu adiar a posse para depois da Páscoa, esperando a poeira assentar na Câmara, agitada pelo lobby da anistia.
Em meio às marchas e contramarchas de assinaturas em torno da emenda para a anistia dos condenados no 8 de janeiro de 2023, dois nomes despontam para integrar o Ministério: os dos ex-presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado e do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Mas vejam como são delicadas as destinações de verbas do Orçamento Secreto: Lira e Pacheco estão sob suspeita de terem comandado um total de R$ 460 milhões em Emendas de Comissão nas duas casas sem muita transparência também.
Flávio Dino fez jogo duro com as emendas pix para as universidades e pelo menos as de três estados (Acre, Pernambuco e Piauí) tiveram os recursos liberados sexta-feira, após prestarem todos os esclarecimentos solicitados. As emendas pix caem diretamente no caixa dos beneficiários e precisam de rastreio especial. As universidades de Alagoas, Maranhão, Paraíba, Rondônia e Sergipe continuam com os repasses bloqueados. Universidades da Bahia, Espírito Santo, Goiás, Pará, Paraná, Rio de Janeiro e Tocantins, apresentaram informações consideradas incompletas ou insuficientes, e Dino deu mais 15 dias de prazo para envio dos dados. O levantamento do ministro encontrou mais de 6 mil repasses sem transparência.
A rápida frustração com Trump
Meus poucos leitores são testemunhas de que, desde a campanha eleitoral, pus em dúvida a proposta de Donald Trump de “Make America Great Again”, de tentar fazer a economia americana ser poderosa novamente, atraindo a produção industrial para o território americano, após impor pesadas tarifas às economias concorrentes, em especial à China. Em primeiro lugar porque foram as multinacionais americanas que decidiram, há mais de três décadas, transferir as linhas de produção para a China e países de baixo custo de mão de obra. Os EUA iriam liderar a economia de serviços (financeiros, royalties e patentes e rendas dos investimentos das filiais) em terceiros países. Nesta configuração, trocaram o antigo GATT (acordo geral de tarifas e comércio), criado em 1947, na reorganização do pós-guerra junto com a ONU e seus organismos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional, a Organização Internacional do Trabalho e a Organização Mundial de Saúde pela Organização Mundial do Comércio, em 1986, com supervisão de comércio e serviços. Como previ, são os próprios líderes empresariais americanos que perceberam que os planos de Trump estão fazendo água rápido.
Segundo o “Wall Street Journal”, executivos de Wall Street alertaram, na sexta-feira, que as tarifas do presidente Trump estavam levando a economia dos EUA para o desconhecido, e que a incerteza já estava prejudicando consumidores e empresas. O chefe executivo do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, disse à Fox Business que acredita que os mercados estão certos em precificar a incerteza causada pelas tarifas do presidente Trump.
O WSJ lembra que “os financistas entraram no ano animados com a posse do presidente Trump, esperando que cortes de impostos corporativos e regulamentação mais branda elevassem as ações, os negócios e a confiança corporativa. Passado um trimestre, o tom é completamente diferente e os executivos estão preocupados com as tarifas e seu impacto, especialmente após as oscilações do mercado neste mês. Alguns economistas preveem uma recessão no segundo semestre de 2025”. A menos que Washington e Pequim entrem em acordo de tarifas mútuas antes do fim da trégua de 90 dias aos demais.
Com a guerra comercial com a China (seria melhor que Trump e XI Jinping entrassem num ringue para uma luta de sumô para resolver as diferenças), o grande temor é de que os estilhaços levem os EUA a demorar a reconstruir suas fábricas (o modo de produção foi substituído pela robótica e a automação, no mercado das cadeias produtivas de valor, que não deixa espaço para o emprego no trabalho tradicional) e ainda ameacem os mercados dos países emergentes, como o Brasil, com a invasão de quinquilharias chinesas.
A vantagem da idade é a experiência de vida. Meus 53 anos de jornalismo econômico me ensinaram muita coisa. É possível tirar o gênio da garrafa. Mas devolver o gênio à garrafa, ninguém conseguiu. Trump está sendo forçado a perceber isso pelos desastres que já causou nos mercados. Além da pressão dos grandes magnatas do mercado financeiro e dos “tycons” da indústria e dos serviços, os abalos na confiança mundial em relação aos Estados Unidos e ao dólar como moeda de reserva começaram a doer no bolso de Tio Sam: o Tesouro americano percebeu descartes de investidores peso pesado – países soberanos – em “bonds” do Tesouro.
Por isso, na sexta-feira à noite, além de excluir da lista de bens “made in China” e de países da Ásia altamente taxados smartphones, eletrônicos, chips e computadores da Apple, Dell, Nvidia – que ficaram com apenas 20%, em vez do teto de 145% -, o presidente Trump insistiu em dizer, a bordo do Air Force One que o dólar "é uma moeda forte e continuaria sendo a moeda preferida por muitos anos”. Falta combinar com os Brics e os europeus. Estes, desde o calote de Nixon no acordo de paridade do dólar ao ouro, em 1971, ficaram ressabiados e acabaram criando moeda própria comum, o euro.