COISAS DA POLÍTICA

Anistia para o golpe que Bolsonaro já confessou?

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Publicado em 30/03/2025 às 06:05

Alterado em 30/03/2025 às 08:35

Bolsonaro: o 'pronunciamento' que aterrorizou seus advogados Foto: Agência Brasil

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Jair Messias Bolsonaro jamais primou pela sagacidade, pela rapidez de raciocínio. Do mesmo modo que defendia, nos microfones da Câmara dos Deputados, torturadores e milicianos, expunha seu comportamento agressivo nos corredores. Seu comportamento ficou explícito para todo o país, em abril de 2016, ao louvar o coronel-torturador do DOI-CODI, Brilhante D’Ustra, quando declarou seu voto pelo “impeachment” da então presidente Dilma Roussef.

Ao longo de quatro anos de governo, por negacionismo, ignorou o sofrimento da sociedade brasileira na Covid, debochando das crises respiratórias e sequelas que mataram mais de 700 mil brasileiros. Com a popularidade em baixa, cansou de conspirar para desacreditar as urnas eletrônicas, porque sabia que Lula levava vantagem nas urnas em outubro de 2022.

Para tentar virar o voto, pôs-se a aliciar os eleitores da classe média baixa. Abriu as torneiras do Tesouro e as portas do Auxílio Emergencial, colocando mais de quatro milhões de eleitores na gorda mesada. Criou mesadas de R$ 1 mil para caminhoneiros e taxistas. Para agradar ao andar de cima, isentou impostos para a importação de jet-skis. Reduziu, eleitoralmente, de julho a 31 de dezembro de 2022, impostos federais e o ICMS (dos estados, transferido parte aos municípios) dos combustíveis (gasolina à frente), energia elétrica e comunicações. Até o mês de fevereiro e março de 2025, os impostos cortados estão sendo recompostos, com forte impacto na inflação e no déficit público.

Ainda assim, perdeu a reeleição. No 1º e 2º turnos, mesmo com o cerco da Polícia Rodoviária Federal aos eleitores em redutos onde Lula ganhou com folga no 1º turno. Derrotado, não cumprimentou o vencedor nem reconheceu o resultado das urnas. Apenas solicitou aos eleitores bolsonaristas que desbloqueassem as BRs, não que desmanchassem os acampamentos diante dos quarteis. Era parte da estratégia do golpe que continuou a tramar, recluso, com erisipela, no Palácio da Alvorada.

Tentou pressionar os comandantes militares a aderir ao golpe para se perpetuar no Poder, investindo contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, que proclamou o resultado e diplomou o presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva, e o vice, Geraldo Alkimin. No dia da diplomação, em 12 de dezembro de 2022, na sede do TSE, em Brasília, num ensaio de caos para o golpe, via convocação de Estado de Sítio ou das Forças Armadas para a Garantia da Lei e de Ordem, a tropa de choque dos bolsonaristas, os “kids pretos”, promoveu um quebra-quebra junto à Rodoviária de Brasília, onde incendiaram carros e ônibus, em seguida depredaram delegacia civil no DF e tentaram invadir a sede da Polícia Federal.

Foi a senha para a escalada de violência que culminou no 8 de janeiro de 2023, com Lula já no poder, e Bolsonaro, autoexilado nos Estados Unidos, para onde viajou dia 30 de dezembro para evitar o gesto democrático de passar a faixa a Lula. Antes, seguindo instruções que aprenderam nos acampamentos defronte aos quarteis (como o QG do Exército), tramaram explosão de um carro-tanque de querosene de aviação na véspera do Natal, no aeroporto de Brasília (Uma explosão esta semana no aeroporto de Heathrow, em Londres, trouxe o caos para a aviação no Reino Unido, com reflexos na Europa e nos Estados Unidos). Houve sabotagem nas torres de energia de alta tensão no entorno da capital federal e os executantes do 8 de janeiro estavam prontos para tomar conta das refinarias da Petrobras.

Tudo isso foi investigado pela Polícia Federal e o longo inquérito virou denúncia da Procuradoria Geral da República contra a turba que liderou e fomentou os atos golpistas, com Bolsonaro à frente dos generais Walter Braga Neto, Augusto Heleno, do contra-almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, do ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, o ex-diretor geral da Abin, deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o ex-ajudante de ordens da Presidência da República, tenente-coronel Mauro Cid.

Jair Messias Bolsonaro assistiu, impassível, na primeira fila da sala da Primeira Turma do STF, ao lado de seus advogados, a leitura das acusações pelo procurador geral da República, Paulo Gonet, bem como as duas sessões de considerações dos advogados dos acusados (um ou outro apenas procurando se eximir da presença em 8 de janeiro, como o próprio ex-presidente), mas sem negar os fatos, além das considerações dos cinco ministros do STF que integram a Primeira Turma, Cristiano Zanin, Carmem Lúcia, Luiz Fux, Flávio Dino e Alexandre de Moraes, relator do caso.

A burrice de Bolsonaro confessa os atos

No 2º dia e último dia do exame da denúncia, quarta-feira, 26 de março, como não podia se manifestar no STF, foi assistir no gabinete, no Senado, do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Após o acolhimento, por 5 a 0 da denúncia que tornou réus os oito denunciados, Bolsonaro fez um longo pronunciamento.

Como é tosco de raciocínio, depois de dizer que estava sendo réu sem provas e reiterar que não podia ser acusado pelos atos de 8 de janeiro de 2023 porque estava em Orlando (EUA), desfiou num discurso alucinado (que deve ter causado arrepios em seus advogados de defesa) todas as atitudes que tomou a partir das acusações de Alexandre de Moraes, em 2021. Nunca vi um réu se incriminar tanto. Certamente os ministros da Primeira Turma vão guardar a cópia para uso futuro. Suspeito que, se tivesse confessado tudo aquilo diante do ministro Flávio Dino, poderia levar um “teje preso”.

E ainda repetiu, em entrevista à “Folha de S. Paulo”, a confissão de que estudou Estado de Sítio, Estado de Defesa e a interpretação enviesada do artigo 142 da Constituição, que, segundo sua leitura e assessoria de juristas heterodoxos, autoriza o chefe do Executivo a convocar as Forças Armadas em uma intervenção militar. A troco de quê? Porque não aceitava a derrota, nas urnas eletrônicas que tentou desacreditar por dois anos (já dizia Goebbels - para os fanáticos seguidores de Adolf Hitler - que “uma mentira repetida indefinidamente vira verdade”). Até porque acreditava que os bilhões que despejou na campanha eleitoral teriam sido suficientes para comprar o eleitor. SQN.

A chantagem da cabeleireira

Mas ainda assim, bolsonaristas, à frente o ex-líder da bancada evangélica, atual líder do PL na Câmara dos Deputados, deputado Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ), trataram de retomar o golpe da anistia, usando como “mártir” a cabeleireira de Paulínia (SP) Débora Rodrigues dos Santos, responsável por pichar a estátua "A Justiça", que fica em frente à Corte, e participar de outros atos antidemocráticos. Mãe de dois filhos menores de 12 anos, Débora, condenada a 14 anos de prisão, é a imagem palpável e palatável da anistia, cujo objetivo é livrar Bolsonaro e sua turma da cadeia, bem como anular a sentença que o tornou inelegível por oito anos. Sóstenes alega ter 200 adesões.

Mas o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi rápido no gatilho e esvaziou, sexta-feira, uma das munições dos bolsonaristas para reforçar a trincheira da proposta da anistia aos golpistas do 8 de janeiro. O ministro determinou que a mulher cumpra prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica. Moraes sublinhou que Débora já cumpriu quase 25% exigidos de uma possível pena. Durante os atos golpistas do 8 de janeiro, Débora Santos foi fotografada escrevendo com batom a frase "Perdeu, mané", expressão do ministro Luís Roberto Barroso (hoje presidente do STF) a um manifestante bolsonarista que o abordou em Nova York, em novembro de 2022. Ela não foi condenada pelo batom, mas por integrar o grupo de assalto à democracia. Seria ingenuidade demais supor que alguém deixaria os filhos em São Paulo e seguiria, de ônibus, para passear em Brasília e, só por impulso, escreveria na estátua da Justiça...

Os defensores dos mais ricos

Escrevi recentemente que a Câmara dos Deputados ensaia estranha reação ao complemento do espírito da Reforma Tributária, já aprovada no Congresso, que simplificou e aliviou a carga tributária sobre o consumo que atingia a classe média baixa, mas critica o complemento da Reforma na estrutura do Imposto de Renda na fonte. Surgem ressalvas ao Projeto de Lei que isentaria 10 milhões de contribuintes que ganham até R$ 5 mil, em 2026, buscando a compensação com o aumento da tributação sobre 141 mil brasileiros acima de R$ 50 mil mensais, incluindo a tributação sobre dividendos. Um dos porta-vozes da reação, o líder do PL na Câmara, o deputado evangélico Sóstenes Cavalcanti (PL-RJ), conhecido por pedir isenção fiscal às igrejas evangélicas e a pastores e bispos, chegou ao cúmulo de inverter as intenções da Reforma, ao dizer que o governo Lula está “querendo tributar o rico e os pobres”.

Argumento semelhante usam os representantes do Agronegócio que recebem centenas de bilhões com juros subsidiados (bancados pelo Tesouro Nacional e que oneram a dívida pública), mas pagam poucos impostos, alegando serem os motores do PIB. O que não é verdade. A agropecuária representa menos de 7% do PIB, mas com todas as atividades envolvidas da porteira para fora, do transporte ao beneficiamento e à transformação na agroindústria, a participação mal chega a 20% do PIB. O motor é o setor de Serviços (68%).

Pois na sexta-feira, em palestra junto a representantes da Faria Lima, na abertura do evento Arko Conference 2025, promovido pela Galápagos Capital, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), tido como candidato preferido da direita e da Faria Lima contra Lula na eleição de 2026, não poupou a defesa dos mais ricos. Depois de dizer que tem buscado “fazer o dever de casa” na gestão do governo de São Paulo, com agenda de corte de gastos e enxugamento da máquina pública, numa clara alfinetada ao governo Lula (que retomou os gastos sociais recorrendo à tributação sobre os mais ricos), Tarcísio de Freitas disse que “o país tem procurado punir o estoque de capital em detrimento do consumo”. [Ora, a primeira forma da Reforma Tributária, que entra em vigor em 2027, alivia a carga tributária sobre o consumo, mas a máquina do Estado (governos federais, estados e municípios) não pode prescindir de receita, e esta tem de ser buscada na minoria milionária do país].

Tarcísio de Freitas complementa o discurso com declarações que soam como música clássica aos ouvidos dos representantes do mercado financeiro:

“Isso é ruim porque no final das contas você vai matando poupança, vai matando eficiência, vai matando produtividade, isso vai ter um impacto, um reflexo muito grande lá na frente. A gente não vai sentir agora, vai sentir daqui a alguns anos. Então, algumas coisas que estão sendo feitas terão que ser desfeitas, invariavelmente, sob pena de o Brasil pagar preço muito alto”, disse. De fato, as bondades de Bolsonaro para se reeleger custam até hoje ao país.

A defesa de Tarcísio lembra a clássica reação de Delfim Netto, já no auge do “milagre brasileiro”, à cobrança dos críticos do milagre contra a má distribuição de renda. Disse Delfim: “Primeiro é preciso fazer o bolo crescer para depois distribuir”. A primeira crise do petróleo, em setembro de 1973, atalhou o milagre e o bolo da economia “solou” antes de haver cenário para distribuí-lo. Pelo menos, Tarcísio foi sincero ao avaliar que “há uma antecipação de campanha”, e que o governo federal, ao tomar suas decisões, se baseia em pesquisas eleitorais. Como se as críticas também não fossem parte da campanha...

Trump, o novo Francis Drake

Os que estão escandalizados com as atitudes agressivas, antidemocráticase autoritárias do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deviam se lembrar das práticas de pirataria do corsário inglês Francis Drake, nomeado cavaleiro do Império Britânico no século XVI pela Rainha Elisabete I, em 1581. Por fim, ainda o nomeou como vice-almirante do Reino da Inglaterra. Seus feitos: os saques, em atos de pirataria em pleno Oceano Atlântico, de galeões espanhóis e portugueses que traziam prata e ouro do Novo Mundo para seus reinos na Europa. Graças a essa fortuna, a Inglaterra se cacifou para fazer a revolução industrial e liderar o mundo por mais de três séculos.

É bastante semelhante à pirataria que Trump quer fazer sobre as terras raras da Ucrânia, como reparação dos US$ 500 bilhões (?) em gastos militares dos Estados Unidos para apoiar o governo de Volodymyr Zelensky contra a invasão da Rússia de Vladimir Putin, desde fevereiro de 2022. E que sonha estender a pirataria às terras raras da Groelândia e ao Panamá, para tentar barrar o tráfego de navios com contêineres “Made In China”.

O uso múltiplo dos minerais das terras raras – da Inteligência Artificial à corrida interplanetária e os carros elétricos (lítio) - faz dos antânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, escândio, túlio, itérbio, lutécio e ítrio – tesouros minerais modernos.

A grande diferença é que Trump não tem o pudor de anunciar previamente as suas intenções ao vivo pela TV e a internet.

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