
Por Coisas da Política
WILSON CID - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
Falta-nos o projeto nacional
Publicado em 18/03/2025 às 06:05
Alterado em 18/03/2025 às 12:08

A Primeira Guerra Mundial (1914-18) ainda não havia sepultado todos os mortos da imensa tragédia humana, e nem por isso algumas lideranças europeias deixaram de perceber e se convencer que os programas dos governos tinham de abraçar novas ideias, e com elas avançar no tempo. Pouco depois, chegada a década de 20, a Checoslováquia foi a primeira a inovar, mostrando que qualquer sociedade nacional precisa ter o seu projeto estrutural, e nesse sentido deu o primeiro passo, instituindo a fidelidade partidária, porque sem esta tudo é desordem e caos.
Fato tão distante na História não impede que venha à lembrança o momento em que o presidente Lula ensaia alguns ajustes no primeiro escalão, visivelmente preocupado em promover acomodações na base parlamentar; e, a partir de então, esticar as rédeas para a corrida de 2026. Bom teria sido que, somadas as experiências de agora às que vem trazendo de dois mandatos anteriores, desse ele ao Brasil esse norte que falta, para que não continuemos em cabeçadas, sempre à vontade de ventos, de ciladas e improvisações políticas e sociais. Mas, quando se trata de proposta mais profunda, isto é, um projeto definitivo para o Brasil, os presidentes não perdem a oportunidade de perder oportunidade.
Trata-se de assunto que incomoda qualquer partido, nem para uma leve abordagem. Seja ressalvada, sob a ótica socialista do petismo, a insistência com que vem batendo neste ponto o ex-deputado José Dirceu. Mas também é voz que clama no deserto, certamente porque seu governo se contenta em buscar resultados imediatos, “de hoje pra amanhã”, como se diz vulgarmente. Mas já detectou, e disso não faz segredo: as lideranças de esquerda não estão acreditando na finitude de Lula, e, por isso mesmo, acomodam-se frente ao desafio de um vigoroso projeto nacional, que custaria maturação de 12 anos. Não há paciência para tanto.
Avancemos além do PT, porque não seria justo imputar-lhe todas as culpas pela carência e pelo vácuo. Pergunta-se a todos os partidos e suas lideranças, passadas e presentes, qual o projeto do Brasil? Não o temos, nunca tivemos. Rui preocupou-se com isso, quando redigiu o discurso da posse de Deodoro, o primeiro presidente, que foi também o primeiro golpista. Mas acabou convencido de que o momento era inadequado para proposta de tamanha envergadura, e naquela quadra estava sob pressão dos ingleses, que exigiam um discurso com compromisso tácito de pagamento das formidáveis dívidas de libras esterlinas que tínhamos com os bancos de Londres.
Cabe confessar. Não é de agora, mas desde as fraldas da recém-nascida República. O que os brasileiros querem? Com o que sonham? O que têm a dizer ao seu futuro e ao futuro do mundo? Em resumo, uma diretriz que pudesse tomar em conta a vivência civilizatória brasileira de meio milênio, nossa formação multirracial, os anseios e as metas a serem pautadas diante da História e nela interferir. Mas cadê esse grande projeto?
O jeitão de Trump
Com a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos temos caminhado, nós e alguns outros países, sob o risco de privilegiar interesses imediatos da economia de produção, acima da capacidade da diplomacia e da política para elaborar as relações. Reações frequentes demonstram que temos cedido a um modelo de pressões imposto pela Casa Branca, onde o Salão Oval aprecia um tipo de debate que faz agrado à maioria do eleitorado americano. Outra coisa não foi o que se viu no recente encontro com Zelensky, da Ucrânia. Parecia que discutiam algo como impedimento duvidoso num Fla x Flu... Afora isso, não se pode abandonar a percepção de que Trump quer o que entende ser melhor para o seu país; estranho seria se governasse para proteger o aço brasileiro… Pois nosso presidente preferiu levar a cena para o sentimento do patriotismo.”Se ele grita, eu também grito. Não tenho medo de cara feia”. Interessante a teoria das fraternais divergências que se hospedam entre os dois presidentes. Em Washington e Brasília as palavras têm sido produto de um descuido permanente.
Trump ainda navega por mares que sopram a brisa agradável de uma eleição consagradora. Mas já vai dando sinais de que as núpcias com a glória em breve despertarão do sonho. Terá de desembarcar dos voos rasantes sobre a Groenlândia, Canadá e Marte. E pôr os pés no chão da realidade. Por que? Porque a nação que governa, poderosa, de fato, não escapa de muitas dependências com o universo do entorno. É aguardar, então, que ele desça da imponência, e aí os diálogos podem prosperar, antes mesmo que pensemos em retaliações definitivas.
É preciso esperar que passem os arroubos. A política imita a carroça, como disse, certa vez, o ministro Ayres Brito: com o tempo, é no sacolejo que as abóboras se ajeitam.
(Costuma-se lembrar que nas artes orientais, como o aikidô, o adversário é derrotado pela própria força dos seus ataques. Parece que a presidente do México, Claudia Sheinbaun, entendeu isso, e vem cozinhando Trump e suas sobretaxas em fogo brando. Pode ser que tenha lido Allan Watts no “Tao, o Curso do Rio”, que fala das diferentes forças do pinheiro e do salgueiro).
2 - A palavra continua em crise. Agora, o mundo feminino desce de paus e mosquetes, capa e espada, sobre o presidente Lula, por causa de um raciocínio mal-interpretado, mal-enunciado, na posse da deputada Gleisi como ministra responsável pela articulação política. Quis ele dizer - pelo menos supõe-se a intenção - que estava nomeando uma mulher para dialogar suavemente com os presidentes do Senado e da Câmara. Estes é que tinham direito de se sentir ofendidos, porque dava-se a entender que sempre que o governo precisar do apoio de ambos bastaria uma mulher com dotes para convencê-los. Não passaram recibo pela desfeita incômoda. Misógino? Não, machismo descuidado.
Pesaram nas tintas, porque, quanto à beleza, a queixa feminina mostrou-se nada condescendente com esse novo tropeço no improviso infeliz. Deviam, tolerantes, levar em conta, que o presidente nunca foi exatamente um expert em Afrodite, mais inclinado à escola cubista quanto às formas. Diríamos, prefere Picasso, não Monet.
( Em nome da contrição, deviam lembrar que, de muito longe, vem a conhecida lição de Voltaire: “le beau pour le crapaud est la crapaude”. O belo para o sapo é a sapa).