
Por Coisas da Política
WILSON CID - [email protected]
COISAS DA POLÍTICA
O excesso que faz mal
Publicado em 11/03/2025 às 10:42
Alterado em 11/03/2025 às 11:01

Os governos, principalmente a partir da dupla gestão de Fernando Henrique, padecem dos efeitos da confusão de partidos, nefasta à política nacional, porque, à cata de votos nas comissões e nos plenários, sempre escassos, os presidentes e seus ministros veem-se obrigados a celebrar concessões, muitas vezes distantes do zelo republicano. Hoje, as duas casas legislativas convivem com algumas dezenas deles, não raro hábeis em criar submissões. À primeira vista, estranhável que a Presidência da República nunca tenha se valido de seus poderes para forçar o enxugamento da organização partidária do país, descaso que talvez se explique pela via de uma experiência objetiva: como são numerosas as legendas no Congresso Nacional, sempre com reivindicações imediatas, fica mais fácil negociar os votos indispensáveis. Acaba custando caro esse balcão de negócios, mas, se o Executivo precisa, o remédio é ceder na hora em que as cólicas apertam. Lula é vítima desses conluios, mas nem por isso animou-se a um plano de enxugamento. Tornou-se exemplo para confirmar que poderosa carga das mazelas políticas nasce dessa danosa proliferação. Um excesso de siglas que faz mal.
O que se vê, com frequência, em paralelo, é a inconveniência de pressões intermináveis e da profusão de reivindicantes. Melhor seria conviver com poucos partidos, meia dúzia no máximo. Mesmo digladiando com os poderosos, porque estes são menos irresponsáveis, se chamados a explicar decisões, sejam elas contra ou a favor do governo. Ideal o enxugamento, pelo menos em tese, porque o governo escaparia dessa miuçalha de correntes que temos hoje, fracas e inexpressivas, mas exatamente por isso não se incomodam com o que a opinião pública pensa sobre elas. Estão sempre prontas a engolir desafetos para negociar. E o Executivo, na hora de pesar sacrifícios e benefícios, acaba partindo para decisões isoladas, nos momentos delicados.
O presidente Lula não rompeu com o hábito dos antecessores de deixa ficar como está. Com a experiência de três mandatos, agora já trabalhando para conseguir o quarto na eleição de 2026, certamente reuniu prestígio para comandar uma reforma substancial. Talvez se sentisse desestimulado, entre outros fatores, pelo fato de, sempre que chega a eleição, seu partido, o PT, ganha robustez para se tornar escoadouro único para outros segmentos da esquerda sem alternativa. Para os esquerdistas, como se tem visto em toda eleição, fora do PT não há salvação; e a contingência leva a prestar repetida continência.
Os pequenos dessa organização, que prima pela artificialidade, se têm fôlegos insuficientes, continuam vivendo à sombra protetora do governo e de alianças conjunturais com os mais fortes. E, se percebem que, ainda assim, fracassam no cumprimento das exigências mínimas, escapam da cláusula de desempenho, recorrendo ao agasalho das federações partidárias, que são uma espécie de unidade de tratamento intensivo, onde há oxigênio e transfusões para os indigentes. Mas é preciso reconhecer que tudo vai produzindo calos e manhas de um jogo cada vez mais grave para a representação parlamentar: as legendas não cumprem o que prometem ou fazem o que prometeram não fazer. Nesse clima de inseguranças, cada uma delas precisando de espaço, é que o governo compra oportunidades postas à venda. Um bazar de insólitos.
2 - Ao lado das migalhas ocasionais, facilmente atraídas e subornadas, surgiu um poderoso instrumento de manobra por parte dos mais fortes, que se convencionou chamar de Centrão, sócio do governo Lula, ocupante de ministérios estratégicos, capaz de impor regras políticas, dono de posições influentes no segundo escalão, pantagruélico consumidor de cargos e verbas. Diante de tal realidade, sem maioria fiel para se impor na Câmara dos Deputados, a Presidência da República concede demais a esse grupo parlamentar, costurado com retalhos diversos, até há pouco liderado por Artur Lira.
O presidente não deve alimentar esperança de ter boa parte desse grupo aliado nas eleições do ano que vem. Seria confiar no improvável, até porque desde a semana passada surgiram, pelas mãos do PP, os primeiros sinais de desembarque da nau capitânia. Sem surpresa, porque à medida em que avizinham-se as eleições, vão se extinguindo as solidariedades conjunturais, não suficientemente saciadas, que preferem o que está para chegar.
Com ou sem evasões, o governo tem desafios a enfrentar, em parte por causa do pluripartidarismo que não procurou desinflar. Os desafios não são poucos.
É preciso conversar muito com as bases parlamentares num ano em que vão soprando os ventos da eleição, e os interlocutores do Palácio obrigados a exercitar paciência semelhante à dos cuidadores de idosos... O que ainda não se sabe é se está preparando um diálogo suave e tolerante, ou inovar em termos duros, menos concessivos na hora de cuidar dos projetos que já tramitam no Congresso ou que estão para chegar. Parte dessa missão está sendo confiada, desde ontem, à comandante licenciada da presidência do PT, Gleisi Hoffmann, cujo temperamento conciliador nunca foi exatamente seu cartão de visitas. Ela joga pesado, e nesse perfil bate no próprio governo, condena publicamente o projeto econômico do ministro Haddad, além de ser crítica da política vacilante do Brasil frente ao governo ditatorial da Venezuela, que ela apoia em nome do partido. E tem conflitos não superados entre as correntes petistas. Justificam-se os temores quanto à capacidade de ela, como ministra na área das relações institucionais, consolidar os apoiamentos, impedir abandonos, abrir portas e caminhos para um acolhimento sereno dos planos do governo. E, com toda certeza, tentar conter o apetite do Centrão. Não se pode dizer que tem missões fáceis pela frente. A conferir.