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Roupa nova para o sistema?

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Publicado em 18/02/2025 às 08:02

Alterado em 18/02/2025 às 08:17

Deputado Lafayette Andrada, relator da proposta do 'semipresidencialismo' Foto: Douglas Gomes/Câmara

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Uma discussão que avança, ainda em passos lentos, vai levar ao Congresso a ideia de se introduzir o semipresidencialismo na organização política do país, supondo-se que não faltará aos proponentes o cuidado de, sem precipitações, submeter o projeto a uma ampla discussão com lideranças e com a sociedade em geral. Porque há, como sempre houve, temores ante as grandes transformações, como sabe o deputado Lafayette Andrada, tido como relator. Uma década atrás, seu pai, Bonifácio, também deputado, pretendeu percorrer o mesmo caminho, e soube que as dificuldades não são poucas. Tome-se em conta, por exemplo, que a limitação dos poderes do presidente da República não é do agrado de Lula e de Bolsonaro, que divergem em tudo, menos nisso. Não gostariam de ter um primeiro-ministro colado nos seus calcanhares, mesmo tendo de reconhecer que se trata de uma evolução para aperfeiçoar a democracia e para instituir a verdadeira harmonia entre os poderes. No Gabinete as crises são vencidas com a voto de confiança do parlamento e com mudanças pontuais no ministério, como nos dá o testemunho de alguns dos melhores países do mundo. Neles o chefe de estado é um, chefe de governo é outro. No quadro de hoje, levanta-se a suspeita do casuísmo, dúvida que nunca deixou de existir, quando o tema aflorou.

Não menos oportuno será mostrar aos brasileiros o real sentido do prefixo semi na desejada transformação. Explicar isso adequadamente, removendo-se o temor de que o objetivo é criar apenas um presidencialismo mais ou menos, ou um parlamentarismo pela metade. Algo que precisa ficar bem esclarecido, antes mesmo que o projeto avance. Por que semi?

Em 1993, um plebiscito mal intencionado, sujeito a interesses palacianos, convocou o eleitor comum, sem que ele soubesse exatamente a diferença entre regime e sistema. Afogou o parlamentarismo nas urnas, como pode voltar a derrotá-lo, se o tal semi prosperar e chegar ao referendo.

Bem avaliada, a tentativa de mexer na base do sistema assusta. A começar entre muitos bacharéis militantes no Congresso Nacional, que nesse ponto preferem esquecer seu mestre Rui, muito citado e pouco lido. Disse ele que “o presidencialismo brasileiro é a ditadura do estado crônico, a irresponsabilidade geral, a irresponsabilidade sistemática do poder Executivo”. O Águia deixam para futuras citações.

Outro ponto de resistência ao novo é a lembrança da ferida que ficou do golpe contra o governo João Goulart, tolerado pelos comandos militares por estar sob os grilhões de um parlamentarismo circunstancial, o que explica o fato de o presidente manietado ter trabalhado, todo o tempo, para ver restaurados seus antigos poderes. É o que parece desautorizar alguns comentaristas ao afirmar que o então primeiro-ministro Tancredo Neves estava em véspera de convencer Goulart a render-se à realidade e esquecer os pretendidos poderes. Não obstante, é preciso lembrar que divergência doméstica na bancada do Ceará, entre Martins Rodrigues e Virgílio Távora, impediu que Tancredo disputasse uma cadeira de deputado por Minas sem deixar de ser primeiro-ministro. Querem que, não fosse isso, talvez a História do sistema fosse outra. Mas não há indícios palpáveis para assegurar.

Para que se tenha dimensão objetiva do manancial das resistências a serem reeditadas bastaria dizer que o tiroteio vai sair das trincheiras do próprio presidencialismo, com apoio das bancadas fiéis de deputados e senadores. Tomemos, de novo, a experiência com João Goulart, que, como se disse, outra coisa não arquitetava que não a derrocada do Gabinete. Sabia como fazer. Quando indicou San Thiago Dantas, do PTB, para primeiro-ministro, só o fez porque tinha certeza da rejeição. Mais claro ainda, ao submeter ao Congresso o nome de Auro de Moura Andrade. Sabendo que ele alimentava simpatias parlamentaristas exigiu uma carta de renúncia antecipada…

A luta pelo parlamentarismo é antiga, viesse ele puro ou com a roupagem do semi, como agora se pretende. Memórias de meio século da Câmara dos Deputados guardam a figura retilínea do pioneiro gaúcho Raul Pila. Passou a vida lutando por essa ideia, sonhando o impossível.

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