COISAS DA POLÍTICA

Em 100 dias, só 30 com o Congresso

...

Publicado em 07/04/2024 às 07:32

Alterado em 07/04/2024 às 08:26

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e Arthur Lira, presidente da Câmara: pouco trabalho para muita verba Reprodução

Neste domingo, 7 de abril, vamos completar praticamente 100 dias desde o recesso do Congresso (e também do Judiciário) em 23 de dezembro, para as festividades de Natal e Ano Novo. Mas Câmara e Senado não operaram nem 30 dias. Se não, vejamos: em dezembro foram oito dias de ócio; em janeiro eram as férias regulamentares (31 dias) dos dois poderes - o Judiciário operava por plantão, o Congresso, não. Os trabalhos só foram retomados em 1 de fevereiro. Como era uma quinta-feira, e o Congresso não tem normalmente atividades plenas nas sextas-feiras, nem nas segundas (o expediente e votações nas comissões e no Plenário ocorrem de terça a quinta-feira), os trabalhos só foram retomados na terça, dia 6 de fevereiro.

Na quinta, 08.02.2024, veio a prisão dos gatos gordos envolvidos na trama do golpe de 08.01.2023, à frente o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus generais, militares e assessores envolvidos no fracassado golpe, porque Lula não mordeu a isca da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que daria a tutela do poder ao militares, e decretou intervenção federal na Secretaria de Segurança do DF. Fevereiro transcorreu com escaramuças no Congresso entre os aliados de Bolsonaro e os defensores do Estado Democrático de Direito.

Mas, antes, veio o recesso da semana do Carnaval (9 a 14, na quarta-feira de cinzas). Só viemos saber, há uma semana, pelo “The New York Times”, que nos dias 12 e 13 de fevereiro, o ex-presidente, que temia ser preso, andou costeando o alambrado do asilo político abrigado na embaixada da Hungria, do aliado da ultradireita Victor Urbán, uma vez que seu passaporte já havia sido retido pelo inquérito do Supremo Tribunal Federal conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes. Sobraram 10 dias de trabalho em fevereiro.

Em março, que tem 31 dias, os trabalhos só começaram na terça, 5. Com a Semana Santa, não houve expediente na quinta (28) e na sexta (29). Mas havia grande agitação de segunda, 25, a quarta, 27, com a prisão pela Polícia Federal, no domingo, dia 24, do deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ) e de seu irmão, Domingos Brazão (conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do RJ) e do ex-secretário de Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa. Todos apontados como mandantes e planejadores dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSol-RJ) e do motorista Anderson Gomes. Houve grande reação do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), pelo fato do delegado não ter descido do avião da PF que levou o trio do Rio para Brasília, algemado como os dois políticos (confesso que vi o delegado entrando no camburão algemado).

Por conta desta pinimba, a Comissão de Constituição e Justiça, presidida pela bolsonarista Caroline De Toni (PL-SC), que tinha 48 horas para julgar o pedido de prisão do deputado Brazão, adiou os trabalhos com pedido de vista de um deputado da oposição. Como a Câmara não trabalhou de quinta, 28 de março, até hoje (o presidente Arthur Lira concedeu uma semana para as senhoras e senhores deputados tratarem de processos eleitorais para acerto de filiações em suas bases eleitorais, visando às eleições municipais, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, fez o mesmo com suas excelências os senadores), o Legislativo chega ao dia 7 de abril com menos de 30 dias de expediente. O país está cheio de problemas e o Legislativo não está nem aí. Ou melhor, está cuidando de seu próprio umbigo, fazendo alianças em suas bases eleitorais para depois irrigar os candidatos aliados com as verbas bilionárias que mordem do Orçamento Geral da União (OGU). Tome cuidado, ministro Fernando Haddad, o apetite de gastos pelo Congresso voltará mais voraz esta semana.

A questão da segurança pública
Sem as costumeiras fofocas que surgem nos corredores da Câmara e do Senado e especialmente nas salas de cafezinho, e que ganham mais espaço nas mídias que os pronunciamentos no Plenário (ainda há abnegados que ficam nas segundas e sextas-feiras apenas para terem seus breves discursos noticiados nas rádios em “A Voz do Brasil”), o noticiário foi alimentado com duas ondas de boatos histéricos. Um sobre a suposta crise na segurança pública, causada pela impotência da Polícia Federal e da Força Nacional na captura dos dois fugitivos do presídio de segurança máxima de Mossoró (RN) em 14 de fevereiro. Mas os dois foram recapturados dia 4 de abril em Marabá (PA), após cruzarem a ponte rodoferroviária sobre o rio Tocantins, na divisa com o Maranhão, depois de 50 dias de buscas.

Creio que se separarmos o joio do trigo, a fuga dos dois presos – que pôs em xeque as normas de segurança das cadeias federais, tidas de segurança máxima – serviu para identificar falhas e corrigir peças e parafusos dos sistemas de vigilância dos presídios. Mas também deixou claro que temos (apesar de todas as manipulações feitas no governo Bolsonaro para interferir na PF para “proteger familiares e amigos”, como ele disse na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, ou do uso antieleitoral da Polícia Rodoviária Federal, no Nordeste, para coibir o acessos dos eleitores de Lula às urnas eletrônicas), uma PF e uma PRF aptas e competentes. São duas células importantes do aparato de segurança pública não corrompidas pelo conluio com o crime organizado. As sucessivas operações exitosas da PF em desbaratar quadrilhas no Rio de Janeiro e nas rotas do narcotráfico com os estados fronteiriços do Brasil, sem o estardalhaço dos tiroteios que matam tanto inocentes quanto os cabeças, cujas confissões perante o Ministério Público poderiam ajudar a puxar o fio da meada do conluio das polícias civil e militar, tanto com as milícias quanto o narcotráfico.

Este é o problema central da segurança pública no país, e o caso Marielle trouxe alguns nervos à mostra: a banda podre das polícias (civil e militar e ainda a Judiciária) mancomunadas nos estados com o crime organizado, deixa a ação da PF e da PRF como se fosse um enxugamento de gelo. Era preciso a instalação de várias forças-tarefas (sem os erros da Lava-Jato, por exemplo), para identificar as peças lenientes no aparato policial. Na verdade, o trabalho de inteligência da PF na captura dos dois fugitivos e nas investigações da execução de Marielle e Anderson é a prova de que não é a truculência da máxima “bandido bom é bandido morto”, posta em prática aqui, em São Paulo e vários estados, que vai trazer a paz à sociedade. Enquanto bandidos forem silenciados pela bala, não só os inocentes que morrem vítimas de bala perdida são os atingidos. Mantido o “status quo” entre o crime e a banda podre da polícia, a próxima bala perdida pode nos fazer de vítima.

O 'core business' da Petrobras
Outra grande celeuma da semana foi sobre o comando e o direcionamento das ações da Petrobras. Há um abismo no país sobre o papel estratégico da Petrobras, nossa maior companhia. Os ultraliberais, que sempre foram contra a campanha ”O Petróleo é nosso”, que levou ä criação da estatal em outubro de 1953, no governo Vargas, com o início de operações em 10 de maio de 1954, acham que a função da Petrobras, que se tornou autossuficiente depois da descoberta do pré-sal, em 2007 (a autossuficiência em petróleo, mas não em combustíveis, veio sete anos depois), é produzir e exportar petróleo. Uma vaca leiteira de produção de petróleo e dividendos. Isso é o que fazem as pequenas nacionais do ramo, sem parque de refino e estrutura de distribuição.

Por isso, defendiam a venda de 50% do parque de refino, dos gasodutos e a abertura total do mercado, como passo inicial da privatização (hoje a União tem 50,2% do controle). A defesa que fazem da Petrobras é para ela gerar muitos lucros e distribuir dividendos (ainda que os tais lucros tenham vindo da venda de patrimônio criado há mais de meio século pelo esforço da sociedade brasileira). Vejam o caso da pioneira refinaria Landulpho Alves (BA). Vendida no governo Bolsonaro ao fundo Mubadala dos Emirados Árabes Unidos por US$ 1,6 bilhão, a Acelem procurou a Petrobras para estabelecer uma parceria para ter acesso ao petróleo do pré-sal extraído a menos de US$ 30 por barril da estatal, mais acessível que o óleo do EAU (devido à distância de frete). Como a Petrobras, desde a gestão Graça Foster, não fez ressalvas quanto ao uso de recursos de venda de ativos, casos comuns em grandes petrolíferas que operam no “downstream” - exploração e produção de óleo e gás – como no “upstream” refino, petroquímica e venda de derivados (a empresa ficou altamente endividada quando os preços do petróleo caíram após a crise financeira mundial de agosto-setembro de 2008 e precisava fazer caixa para abater dívidas), quando o governo Bolsonaro (já com foco no pré-sal, que já respondia por mais de 50% da produção e hoje passa dos 78%), fez muito caixa, distribuiu a rodo os dividendos. É que metade engordaria o Tesouro Nacional, para garantir gastos eleitorais à reeleição. Os acionistas provaram do mel e não querem a redução dos dividendos. Os estatutos da companhia precisam de nova definição, se prevalecer a corrente de maior uso estratégico.

Vale recordar os antecedentes históricos. Quando estourou a segunda guerra e o país se viu ameaçado de abastecimento de combustíveis (tudo era importado), foi criado o Conselho Nacional do Petróleo. O CNP, no qual tinham assento vários generais ao lado de estudiosos e empresários. Na guerra, o Brasil (que ainda não conquistara o interior) e se espalhava pela costa, ficou vulnerável. Soluções como carros movidos a gasogênio eram comuns. Assim, a campanha do “Petróleo é nosso” veio com força e empolgou o país. A primeira preocupação da Petrobras foi garantir o abastecimento nas cidades costeiras e no interior da Amazônia. Mesmo sem petróleo, era preciso ter um parque de refino. A refinaria de Mataripe (BA) foi a pioneira, a segunda foi a Duque de Caxias (RJ). Antes, surgiram pequenas refinarias (a Riograndense, no RS, que foi do grupo Ipiranga e vendida à Petrobras no governo FHC, a Capuava-Cubatão, do grupo Soares Sampaio, encampada pelo Petrobras nos anos 70, e a carioca Manguinhos (às margens da avenida Brasil, em local hoje impróprio).

O veredito de Mr Link, o geólogo americano que ficou estigmatizado por dizer que o Brasil não tinha petróleo [em terra], tornou-o demonizado pelo nacionalismo. Mas Link convocou um grupo selecionado de engenheiros para fazer cursos de geologia do petróleo em Tucson, no Texas. Esse grupo, do qual fazia parte Carlos Marinho Walter (patrono da base da Petrobras em Macaé), foi quem levou a Petrobras para explorações na plataforma marítima. Primeiro em Carmópolis (SE), onde surgiram indícios no fim dos anos 60. E na Bacia de Campos, já nos anos 70, depois que a primeira crise do petróleo, em 1973, pegou o Brasil, já com um bom parque de refino, mas com apenas 15% de produção própria de petróleo, de calças curtas e o deixou vulnerável, depois do “milagre brasileiro”. Sem petróleo, era impossível fazer milagre.

Por insistência de Carlos Marinho Walter, um segundo poço perfurado na Bacia de Campos produziu óleo em agosto de 1974. Mas a produção para valer (que salvou o balanço de pagamentos, só ocorreria nos anos 80, quando o país, que se endividara em projetos de substituição de importações (petróleo, combustíveis, petroquímicos, celulose, alumínio e não ferrosos, além de fertilizantes), foi abatido pela crise da dívida externa, quando os Estados Unidos elevaram os juros a 20% ao ano na virada de 1979 para 1980. Em julho de 1982, o México decretou moratória e o Brasil ficou quebrado em setembro de 1982, respirou por aparelhos até anunciar a ida ao FMI para renegociar a dívida em novembro de 1982, depois de conhecidos os resultados da eleição que formaria o Colégio Eleitoral para a escolha, em eleição indireta, do sucessor do general Figueiredo.

Já escrevi algumas vezes aqui que o peso da corrupção nos projetos em que a Petrobras embarcou na gestão Sérgio Gabrielli – antes da crise mundial de 2008 – foi muito pequeno frente à frustração dos parâmetros que levaram a estatal a abraçar vários investimentos quando descobriu o pré-sal. A baixa do barril (que jamais chegou aos US$ 240 previstos por consultorias internacionais para esta década – o auge foi US$ 149 em julho de 2008) e a alta do dólar derrubaram todos os planos. A tentativa de segurar os preços dos combustíveis, após as manifestações de 2013, para assegurar a reeleição de Dilma em 2014, aprofundou a crise financeira da Petrobras. Vale dizer que, na ocasião, o Estado Maior dos governos Lula e Dilma integrava o Conselho de Administração da Petrobras. Dilma presidiu o Conselho enquanto era ministra das Minas e Energia. Manteve por pouco tempo a posição como chefe da Casa Civil. Foi sucedida pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, e este por Luciano Coutinho, então presidente do BNDES (que fica em frente à sede da Petrobras – em obras até 2027, ela se mudou há quatro anos para a Avenida Henrique Valadares, distante 500 metros). Coutinho chegou a integrar o CA ao lado da ministra da Casa Civil, Miriam Belchior, com Mantega na presidência

Na gestão do governo Lula III, a presidência executiva coube a Jean Paul Prates, experiente especialista em petróleo e transição energética, mas o comando do CA (esvaziado no governo Bolsonaro) era do indicado pelo ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira. Eleito senador pelo PSD-MG, o ex-delegado, que é correligionário do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, entrou em muitos atritos com o presidente da Petrobras. Tudo por falta de algodão entre cristais, como havia nos governos Lula e Dilma, onde outros poderosos ministros integravam o Conselho de Administração.

Prates tentou e conseguiu a indicação de representante da Fazenda, que é “sócia” nos dividendos, para buscar o apoio de Haddad. Mas o clima azedou e pode levar à troca de Prates, que tentava reciclar os investimentos da Petrobras em várias áreas para gerar emprego e renda, sem perder o foco na transição energética, pelo presidente do BNDES, Aloysio Mercadante, muito ligado ao presidente Lula. Uma composição poria Mercadante na presidência do Conselho para arbitrar os conflitos, o que diminuiria o ímpeto de Silveira. Com Mercadante no CA, Prates se salva e reduz o poder de Silveira. Com Mercadante presidente, Prates sai e Silveira também será esvaziado.