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Os sinais de Washington

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Publicado em 09/01/2022 às 07:59

Alterado em 09/01/2022 às 07:59

Presidente Jair Bolsonaro durante evento no Palácio do Planalto REUTERS/Adriano Machado

Em meio aos riscos crescentes da Covid-19, agora transmutada na variante Ômicron, mais rápida no contágio e com grau de letalidade ainda não totalmente definido, dois acontecimentos a oeste e a leste do mundo reavivaram a importância da Democracia como a melhor forma de convivência responsável entre os seres humanos. Nos Estados Unidos, em Washington, o presidente Joe Biden, eleito pelo Partido Democrata com mais de 3 milhões de votos de vantagem e com maioria no Colégio Eleitoral sobre o oponente do Partido Republicano, o então presidente Donald Trump, que tentava uma reeleição que dava como certa, mas foi perdendo o apoio popular pelo descaso como tratou os norte-americanos durante a pandemia da Covid-19, lembrava no dia 6 de janeiro, o aniversário da infame invasão do Capitólio, a casa que abriga a Câmara dos Representantes e o Senado dos Estados Unidos) pela horda de desordeiros e inimigos da Democracia instigados por Trump, na última tentativa de impedir, na marra e por golpe de Estado, a diplomação do presidente e da vice eleita (a senadora Kamala Harris), após recusadas em todas as instâncias judiciais no país as suas alegadas e fantasiosas acusações de fraudes nas eleições de novembro, na cerimônia que era presidida por Mike Pence, o então vice-presidente, que tem a prerrogativa de presidir o Senado em ocasiões especiais.

Do outro lado do mundo, no distante Kazaquistão, 9º país mais extenso do mundo, com 18 milhões de habitantes (equivalente ao Chile) e a 12ª produção de petróleo e gás, além de grandes reservas de urânio, um presidente reage cruelmente às manifestações de protestos da população contra a alta brutal dos combustíveis, ordenando que as tropas de segurança “atirem para matar”. E, ato contínuo, pede auxílio às forças da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, da qual faz parte juntamente com Rússia (federação Russa), Belarus, Tadjiquistão, Quirguistão e Armênia. Ou seja, as nações independentes que ainda mantém um cordão umbilical com a poderosa Rússia do novo Czar Vladimir Putin, que reagrupou a Federação Russa após o débacle da União Soviética, em dezembro de 1991, dois anos após a queda do Muro de Berlim, e a emancipação política dos países do leste europeu, que ficaram sob o domínio russo após a derrota das tropas de Hitler. Putin, que não mede esforços para retomar a força política de Moscou, ofuscada pela irresistível ascensão econômica da China, tratou de deslocar tropas para ocupar mais uma casa no tabuleiro mundial do poder, como tenta fazer na Ucrânia.

Os dois fatos têm um denominador comum: a Democracia está à prova. Não que o regime do atual presidente, Kassym-Jomart Tokayev, substituto do veterano Nursultan Nazarbayev (81 anos), que governou o país com mão de ferro após o fim da URSS e ainda tem grande influência no governo, caminhasse em direção à democracia. Mas o Kazaquistão e demais repúblicas que ficaram independentes após o desmoronamento da União Soviética têm um longo caminho a percorrer e precisam ser incentivados no rumo democrático.

São temas que devem ser refletidos no Brasil, que este ano irá às urnas para escolher seus novos governantes (no Executivo Federal e nos estados) e nas representações da Câmara, Senado e nas assembleias legislativas estaduais. O presidente Jair Bolsonaro não se cansou de fazer ameaças à Democracia, à Constituição e ao funcionamento dos poderes Legislativo e Judiciário ao longo de 2020 e 2021. Aparentemente, refluiu no intento do golpe no 7 de setembro do ano passado (pela falta da adesão esperada da população, que ficou entre 25% e 30% de seus cálculos para obter o “autorizo”, em Brasília e em São Paulo), e pela enérgica reação do Supremo Tribunal Federal, liderado pelo ministro Luiz Fux, que solicitou imediata proteção do Exército ao prédio do Supremo, cuja invasão era pregada pela turba bolsonarista, e, no comício da Avenida Paulista, quando disse que não obedeceria mais ao ministro Alexandre de Moraes. O STF e o Tribunal Superior Eleitoral, presidido por Luís Roberto Barroso, também fez veemente defesa da Democracia e das urnas eleitorais. Dois dias depois, com ajuda do ex-presidente Temer, Bolsonaro escreveu carta pedindo perdão a Moraes e negando que pregasse o golpe.

Aparentemente, refreou os ímpetos golpistas. Mas é preciso ficar atento e forte. Bolsonaro segue firme em sua tentativa de aparelhamento do Judiciário. O fortalecimento dos benefícios para as forças militares e policiais, sua força auxiliar para o golpe que as Forças Armadas ignoraram no ano passado. A intimidação crescente de dissidentes e adversários, incluindo os ataques sórdidos aos integrantes da Anvisa. A desqualificação das instituições sociais se acentua, como na saúde, educação, economia, cultura, meio ambiente, relações exteriores, e demais instituições. As pesquisas eleitorais e de desaprovação de seu governo indicam que, se as eleições fossem hoje Bolsonaro sofreria acachapante derrota nas urnas. Talvez no 1º turno. Mas ainda restam quase 10 meses até 2 de outubro. Pode se recuperar, com o peso da ação administrativa do governo focada no mais deslavado populismo. E ainda pode tentar imitar Trump, com a tentativa de golpe após uma derrota fragorosa. A história está aí viva a nos dar sinais de alerta de Washington. É melhor nem falar dos ensaios de golpe de Adolf Hitler. Os novos golpes de Estado que têm ocorrido se baseiam em três alicerces. 1 - a falência dos partidos políticos em resolver os problemas dos cidadãos; 2 - o aumento da desigualdade econômica que ocorre no mundo; 3 -a obtenção de privilégios para o grupo no poder devido às dificuldades econômicas e a crise ecológica que se instala. Quais os predicados faltam ao Brasil?

 

O vírus e a volta do cipó de aroeira

Cirsten Weldon era uma influenciadora americana anti-vacina e teórica da conspiração adepta do QAnon. Mantinha milhares de seguidores em redes sociais de direita, onde divulgava vídeos e textos nos quais estimulava pessoas a não se vacinarem contra a Covid-19. Em um dos vídeos, de 2020, ela chegou a declarar que o então epidemiologista-chefe dos Estados Unidos no governo de Donald Trump, Anthony Fauci, deveria ser enforcado. Mais recentemente, em 2021, abriu uma cruzada antivacina. Em um dos vídeos foi enfática:

— As vacinas matam! Não tomem elas. Esses idiotas são tão ingênuos. Eles estão todos se vacinando — disse.

Por não acreditar na vacina, como 25,89% dos americanos que ainda não tomaram sequer uma dose (isso representa 82,8 milhões dos 320 milhões da população dos Estados Unidos, dos quais apenas 58,72% completaram o ciclo vacinal - vacina em dose única, ou duas doses e ainda a 3ª dose de reforço - e 74,11% receberam apenas uma dose), Cirsten Weldon, começou a apresentar sintomas da Covid-19 pouco depois do Natal. Em seu último vídeo, postado em 28 de dezembro, ela aparenta estar com sintomas da doença e reclama de sentir fraqueza, exaustão e de tossir. E em sua última foto no Instagram, aparece deitada em uma cama de hospital com uma máscara de oxigênio. "Quase morri de pneumonia bacteriana em um hospital da Califórnia", escreveu Cirsten na publicação, feita na semana passada. Em outra conta, do Telegram, ela afirma ter testado para Covid-19 e se recusado a receber o medicamento “remdesivir”, usado para casos graves e que a influenciadora chamou de "remédio do dr. Fauci". Pois bem, depois de tanto negacionismo, Cirsten Weldon morreu nesta 5ª feira, 6 de janeiro, por complicações causadas pela Covid-19. A QAnon, grupo de extrema direita que tem no filho 03, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) um dos seguidores no Brasil, acredita haver uma seita formada por adoradores de Satanás, pedófilos e canibais que conspiraram contra Donald Trump durante o seu mandato. Bizarro.

Os casos recentes da nova cepa Ômicron, que tem atingido com mais gravidade justamente os que mais se recusam a tomar vacinas, deveriam ter ligado os sinais de autopreservação dos negacionistas. Até Donald Trump, aquele que inicialmente disse a Covid-19 “era uma gripezinha”, um “vírus minúsculo que mão ameaçaria o poderio dos Estados Unidos”, que segue sustentando a versão da fraude eleitoral, para animar os fiéis seguidores republicanos, tomou esta semana a 3ª dose (de reforço) de vacina e reagiu com tranquilidade diante das críticas de seus seguidores, mais fanáticos e irrealistas que ele próprio: “questão de preservação”, resumiu. Pois nem assim, seu mais fiel discípulo brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro mudou o disco e segue atacando a vacina. O caso mais estapafúrdio foi ler, na sua “live” semanal, após quase morrer, com o intestino obstruído por uma casca de camarão mastigado insuficientemente em suas férias catarinenses, os efeitos colaterais apresentados numa bula de vacinas da Pfizer, a ser aplicada em crianças de cinco a 11 anos, para ampliar o cerco contra o vírus no Brasil.

Sou asmático desde os seis meses e o que mais fazia desde garoto era ler bula de remédios. De início era fácil. Letras grandes sobre dosagens e restrições a idades e poucas observações sobre efeitos colaterais, da coramina efedrina, do Franol (felizmente muitos saíram de uso, superados por remédios mais eficazes; hoje uso o Symbicort). Com o tempo (e fustigada por processos) a indústria farmacêutica foi ampliando os tamanhos das bulas. Os capítulos sobre eventuais efeitos colaterais cresceram e dominaram tudo o mais. E as letras foram encolhendo mais do que as de contratos de seguros (tornando tudo quase ilegível para as vistas cansadas). Remédios só entram em circulação depois de exaustivamente testados e aprovados por órgãos de vigilância sanitária (FDA, nos EUA, EMA, na União Europeia, Anvisa, no Brasil). Os médicos sabem dos efeitos colaterais e sempre perguntam sobre o histórico dos doentes. Infelizmente, no Brasil, quem “receita” remédio são os balconistas de farmácia, ou “formadores de opinião” tipo Cirsten Weldon.

Não se deve desejar mal a ninguém, mas, nesta hora, só resta lembrar a letra de “Aroeira”, lançada por Geraldo Vandré, em seu disco “Canto Geral”, de 1968. Vandré ficou mais conhecido (e amaldiçoado pela ditadura militar) pela canção “Para não dizer que não falei de flores”, que levantou o Maracanãzinho em 1968, no Festival Internacional da Canção promovido pela TV Globo, (virou hino de protesto dos movimentos daquele ano, que terminou com a edição do AI-5, em 13 de dezembro) mas perdeu a final para “Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buarque, interpretada por Chico e o Quarteto em Ci, debaixo de estrondosa vaia. Dizia Vandré, com sua voz nordestina rascante: “Noite e dia vêm de longe; Branco e preto a trabalhar; E o dono senhor de tudo; Sentado, mandando dar; E a gente fazendo conta; Pro dia que vai chegar (Bis); Marinheiro, marinheiro; Quero ver você no mar; Eu também sou marinheiro; Eu também sei governar; Madeira de dar em doido; Vai descer até quebrar; É a volta do cipó de aroeira; No lombo de quem mandou dar” (Bis).

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