Por Coisas da Política

[email protected]

COISAS DA POLÍTICA

Urros, gritos e sussurros

...

Publicado em 19/12/2021 às 08:07

Alterado em 19/12/2021 às 09:20

[Bolsonaro] Em função do pacote eleitoral, o governo antecipou o pagamento do 13º salário para aposentados e pensionistas para maio e junho Foto: Epa

Quando Tancredo Neves virou o jogo contra o ex-deputado Paulo Maluf, na eleição indireta, em 1984, pelo Colégio Eleitoral, para a escolha do sucessor do último presidente do regime militar, o general João Figueiredo, seu favoritismo chegou a tal ponto, com antigos aliados de Maluf bandeando-se rapidamente para a onde pendia o novo jogo do poder, que o mineiro e sábio Tancredo começou a ficar preocupado com uma possível desistência de Maluf, que poderia mudar um jogo praticamente decidido e começou a elogiar Maluf e estimular deputados, senadores (eleitos e biônicos) e prefeitos do PDS, que compunham o Colégio Eleitoral a manterem o voto no ex-governador de São Paulo.

Maluf se lançou candidato em 1982, acreditando que, no bi-paridarismo, com os votos majoritários dos “eleitores” do PDS, sobre as forças do PMDB e da Oposição, o governo cairia em suas mãos. Já tinha escolhido o economista Affonso Celso Pastore, que fora presidente do Banco Central, como futuro ministro da Fazenda. E Pastore sondara seu ex-assessor na Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), o jovem Paulo Guedes, a assumir o BC. Mas a arquitetura de montagem do Colégio Eleitoral pelo ministro Golbery do Couto e Silva, para fazer a transição do regime militar ao o poder civil, mas sob o controle da situação, de direita e conservadora, ruiu no meio do caminho.

Após a eleição direta para governador, em 1982, surgiram ou voltaram à cena, velhas e novas lideranças. Franco Montoro (PMDB) foi eleito em São Paulo e Tancredo em Minas Gerais, pelo PMDB. Leonel Brizola, no Rio de Janeiro, pelo PDT. No meio do caminho surgiu um racha no PMDB, com a criação do Partido Popular (sigla PP, mas nada a ver com o atual PP, do Centrão). Aquele PP tinha entre os seus fundadores o ex-prefeito de São Paulo e banqueiro (dono do Itaú), Olavo Setúbal, motivo pelo qual, com a filiação de mais dois homens da banca, foi chamado de “partido dos banqueiros”. Maluf também tinha seu banco, o Banespa. Quando foi governador biônico (1979-1982) acudia com gordos limites de cheque especial os distintos membros do Colégio. A Vasp, companhia aérea controlada pelo erário paulista, passou a voar para todas as capitais e a oferecer passagens aos acompanhantes. Para aliciar prefeitos, Maluf ainda os presenteava com ambulâncias. Resultado: Banespa e Vasp entraram no vermelho e quebraram em governos seguintes.

Essa cisão quase põe por terra a ideia de que as forças mais progressistas tomassem o poder pela sociedade civil. Os banqueiros, Setúbal à frente, perceberam que a divisão os enfraquecia perante Maluf. PP e o PMDB voltaram a se fundir. O comandante do PMDB, Ulysses Guimarães, candidato natural, abriu mão de sua candidatura e cerrou fileiras com Tancredo. Já então, a cisão se instalara nas hostes do PDS. Adeptos da candidatura Mário Andreazza, que era ministro do Interior, romperam com o PDS de Maluf e criaram o Partido da Frente Liberal, com Antonio Carlos Magalhães, Hugo Napoleão (MA) e José Sarney, que viria a compor a chapa de Tancredo, como vice. O resultado final de 480 votos (72,4%) contra 180 votos (27,3%) para Maluf só não foi mais humilhante pelo empenho de Tancredo em fortalecer o adversário e não melindrar os militares. Com a doença e operação de Tancredo, e a posse de Sarney, Figueiredo recusou-se a passar-lhe a faixa e saiu pela porta dos fundos do Palácio do Planalto.

Quase três décadas depois e quase um ano após a infame invasão do Capitólio pelos asseclas de Donald Trump, os brasileiros devem mirar nas eleições do Chile neste domingo. Num tira-teima entre a esquerda progressistas e saudosistas do regime de Pinochet e adeptos da filosofia nazista. É mais ou menos o que se desenha no Brasil para 2022. A grande diferença é que tanto o esquerdista Gabriel Boric, quanto o extremista de direita, José Antônio Kast, jamais assumiram cargos executivos de monta.

No Brasil, com a recente saída da disputa do Cabo Daciolo, e a morte este ano do eterno candidato Levy Fidelix, o quadro está mais restrito a políticos com um pouco mais de experiência ou já testados na vida executiva. E a escolha entre Jair Bolsonaro e Luís Inácio Lula da Silva lembra, vagamente, o clima de 1984 (as eleições no Colégio Eleitoral ocorreram poucos meses após a derrota, no Congresso, da emenda Dante de Oliveira para a eleição direta ainda em 1984).

Trata-se de uma revanche, ampliada, do jogo eleitoral que não houve em 2018, porque Lula, devido à intervenção do então juiz Sérgio Moro, que avocou para sua Vara Federal, em Curitiba, as delações premiadas de favores de empreiteiros ao ex-presidente Lula, considerando-as conexas à Lava Jato. Condenado em primeira e segunda instância, Lula foi impedido de concorrer. De lá para cá, os processos foram anulados e algumas acusações prescreveram e Lula, aos 79 anos, seria eleito em primeiro turno se as eleições fossem hoje. O eleitor que votou em Bolsonaro, em 2018, porque “não queria o PT” agora já sabe do que Bolsonaro é capaz, ou melhor, do quanto é incapaz para o cargo número um do país, e está inclinado a dar um terceiro mandato a Lula.

A desaprovação a Bolsonaro passa dos 65% e menos de 20% dos brasileiros pesquisados permanecem fieis ao presidente que foi eleito com 53,7% dos votos válidos em 2018. Depois da prematura “volta Olímpica” na Europa e nos Estados, na qual derrapou feio ao defender a permanência de Daniel Ortega, na Nicarágua, durante 16 anos no poder, com base em prisões arbitrárias de adversários e eleições fraudulentas e viciadas, comparando-a aos 16 anos cumpridas pela chanceler Ângela Merkel num regime parlamentarista, o corintiano Lula tem evitado o clima de “já ganhou”, lembrando os fracassos do amplo favorito Flamengo em 2021, depois que a bola rolou nas diversas competições importantes.

Os brasileiros precisam ficar atentos e fortes até outubro-novembro de 2022, quando for conhecido o presidente da República para 2023-2026. Pelas últimas demonstrações de Jair Bolsonaro, não parece haver disposição de reconhecer a derrota antes de o eleitor ir às urnas. O governo tem nas mãos muita munição no orçamento e muito jogo sujo a fazer contra os adversários. Já que não conseguiu controlar o ’seu Exército’, apesar de ser o Comandante em Chefe das Forças Armadas, Jair Bolsonaro quer blindar, perigosamente, uma aliança que costura desde que deixou a caserna (reformado compulsoriamente pelo Exército, por suas manifestações em apoio a atos terroristas): a de atuar como porta-voz de cabos e sargentos das forças armadas, bem como das forças militares estaduais e federais (PMs, Bombeiros militares, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Penitenciária).

A intenção de um super reajuste para essas categorias, que podem ajudá-lo numa rebelião contra uma provável (até aqui) derrota nas urnas (que vem sistematicamente tentando desacreditar), é muito preocupante. Se o Brasil, armado, que é uma de suas bandeiras, aliar-se às forças militares, ou então, estas não cumprirem o dever de reprimir a rebelião, corre-se o risco de o país entrar em uma guerra civil. O presidente riscou o chão de giz esta semana quando se pronunciou, na Fiesp, explicando a demissão da presidente do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), que retardou uma obra de uma filial da Havan, do empresário amigo, Luciano Hang, em Rio Grande (RS). Foi alvo de representação, por prevaricação, do senador Randolfe Rodrigues. Na mesma direção em que promove, seletivamente, o desmonte da estrutura de apoio às manifestações culturais país, interessado em recuperar votos no Nordeste (27% dos eleitores do país, região onde Lula tem 63% das intenções de votos) promoveu a sanfona e o forró como patrimônios culturais, cultivando o voto “sertanejo” pelos quatro cantos do país.

O “nós contra eles” do presidente Bolsonaro ficou mais claro quando festejou a duplicação de seu poder de voto no Supremo Tribunal Federal, com a posse de André Mendonça, o tremendamente evangélico. Embora tenha urrado no Palácio do Planalto (“aqui não se usa máscara”), teve de apresentar atentado de PCR e usar máscara para assistir, com a mulher, Michele, à posse de Mendonça. Na mesma quinta-feira, 16 de dezembro, mostrou do que é capaz com duas cartas na manga do STF: o ministro Kássio Nunes, seu primeiro nomeado para a corte, interrompeu julgamento contra a obrigatoriedade do atestado de vacinação para a entrada de viajantes (brasileiros e estrangeiros) ao país. Como o Supremo entra em recesso, a importante decisão (embora valendo na prática) é protelada até janeiro. Incrível como se brinca e se falseia sobre a segurança sanitária do país. Em boa hora, a Anvisa, na figura de seu presidente, o almirante Antônio Barra Torres, se insurgiu contra a intimidação do presidente da República de revelar o nome dos que votaram na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pela aprovação de vacinas contra a Covid-19 para crianças de cinco a 12 anos (como se a decisão de levar ou não os filhos aos postos de vacinação não continuasse com os pais ou responsáveis). Barra Torres, que tem mandato fixo, defendeu os 1.600 funcionários do órgão e repeliu a insinuação, tratada como “fascista” pela associação dos funcionários da agência reguladora. Trata-se, porém, de mais um jogo de cena de Bolsonaro, para atender particularmente o eleitorado evangélico (pouco menos de 30% da população, entre os quais ainda disputa em igualdade com Lula). Em outra benesse, ao mesmo tempo em que facilitou a aprovação do jogo no Brasil, para afagar o eleitorado evangélico e a diversas outras seitas religiosas, orientou a bancada de apoio ao governo a aprovar a isenção de pagamento de imposto de renda às igrejas. A isenção não exime a igreja católica, as protestantes, as sinagogas, os templos budistas e a miríade de igrejas evangélicas e pentecostais de passar pelo crivo da Receita Federal. Não é salvo conduto para que espertos pastores continuem lavando dinheiro com empresários amigos, enquanto seus redutos viram cortejados currais eleitorais.

Um conhecido pastor, tão cínico, quanto pragmático, acabou aprovando as duas medidas aparentemente contraditórias, acreditando que a força da fé vai prevalecer sobre aqueles que querem fazer fé no bingo ou na roleta. Assim, como no passado recente, quando os bingos fecharam, e muitas igrejas tomaram conta os antigos locais, e a sacolinha passou a tilintar como as máquinas de caca níqueis. ”Templo é dinheiro, aleluia”, disse o pastor – e dão voto, exclamou baixinho o deputado ao lado, que virou “crente de carteirinha”.

_______

[Publique as colunas do JB em seu site, jornal ou revista: [email protected]]

Tags: