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COISAS DA POLÍTICA

De quem é a culpa, afinal?

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Publicado em 17/10/2021 às 07:50

Alterado em 17/10/2021 às 07:54

Bolsonaro Reuters/Ueslei Marcelino

Acuado pelo fracasso de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro - que pode receber dezenas de indicações de punições pesadas da CPI da Covid, como incurso em 11 crimes de responsabilidade e omissões, na companhia de dois de seus ministros, o da Saúde, Marcelo Queiroga, no cargo desde abril (e o antecessor, general Eduardo Pazuello&equipe) e Onyx Lorenzoni, deputado licenciado, um dos primeiros apoiadores da candidatura de Jair Bolsonaro, em cujo governo começou como poderoso ministro-chefe da Casa Civil, que iria cuidar da articulação política do governo, mas durou só um ano, desceu para a posição de ministro da Cidadania, que deixou de ser em fevereiro deste ano, quando assumiu a Secretaria Geral da Presidência da República e, desde agosto, está ministro do Trabalho e Previdência - resolveu fazer ato de contrição junto ao eleitorado evangélico na 5ª feira.

Transcrevo um trecho da sua fala para ajudar (ou não) o caro leitor: “Eu não sou mais um deputado. Com todo respeito aos deputados, mas se ele errar um voto pode não influenciar em nada. Mas uma decisão minha, mal tomada, muita gente sofre, mexe na Bolsa, no dólar, no preço do combustível. Preço do combustível. Eu não mando na Petrobras. Agora, toda vez que aumenta o combustível, a culpa cai para mim. Agora, será que devemos privatizar a Petrobras ou não?” - afirmou o presidente. Poderia listar muitas coisas que fez ou deixou de fazer que poderiam ter evitado tantos problemas. Mas há um velho ditado nordestino: “Jabuti não sobe em árvore; se está lá, foi enchente ou mão de gente”.

Realmente, o passado de deputado de Jair Messias Bolsonaro não o recomendava. Foram sete legislaturas na Câmara dos Deputados, eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, a bordo de vários partidos, sem nenhum projeto de lei aprovado. Na Câmara, se notabilizou por agressões a colegas deputados, como a ex-deputada Maria do Rosário, elogios a torturadores do Exército (Doi-Codi) e moções de apoio a milicianos e policiais que se destacaram por serem matadores. Entretanto, se o jabuti chegou ao Palácio do Planalto, foi mão de gente. Dos eleitores brasileiros que lhe deram 57.796.986 de votos. Não há o que reclamar. É parte do jogo democrático.

Mas a partir do momento em que ele mudou de patamar, exige-se do ex-capitão, expulso do Exército por indisciplina, e do ex-deputado, uma postura à altura do principal cargo da República Federativa do Brasil. Se Jair Bolsonaro reconhece que não tem competência em várias áreas, como na economia, onde dizia na campanha que o assunto era melhor perguntar a seu Posto Ipiranga”, o economista Paulo Roberto Nunes Guedes, que viria a ser ministro da Economia, enfeixando as pastas da Fazenda, do Planejamento, da Indústria, Comércio, Serviços e Comércio Exterior, Trabalho e Previdência (esses dois recriados e fundidos em uma única pasta para dar emprego a Onyx Lorenzoni) um mínimo de compostura e disposição para conhecer melhor os problemas brasileiros. Bolsonaro já se declarou um “zero à esquerda” em economia (poderia estender a auto apreciação à administração, às questões de meio-ambiente e saúde pública).

Diante de uma situação gravíssima e inusitada, como a pandemia da Covid-19, poderia ter criado, como nos Estados Unidos de Trump, um grupo especial, recorrendo a consultores de várias áreas, mas preferiu os aduladores e as pessoas indicadas por seus três filhos (os três zeros à direita). Já se disse, várias vezes, aqui nesta coluna e em outros espaços da mídia, que Bolsonaro chega a atravessar a rua para pisar em cascas de banana na calçada do outro lado. Pois na pandemia e em situações extremas, ele toma sempre uma direção perigosa e escorrega na casca de banana. Vejam o caso da Petrobras e dos combustíveis, um dos focos de suas declarações aos evangélicos.

Os evangélicos, como, aliás, os fervorosos adeptos de seitas religiosas, têm o apelido pejorativo de “crentes” porque acreditam piamente nas declarações e pregações dos pastores e líderes religiosos, que transformaram seus templos em currais eleitorais. Sou católico de formação e batismo, frequentei a igreja católica por muitos anos. Casei-me no Outeiro da Glória (1º casamento), mas jamais acreditei que o Papa, o chefe supremo da Igreja Católica Apostólica Romana, há alguns séculos cumprindo o celibato, fosse infalível. Quem conhece a História sabe que na Idade Média papas e cardeais se casavam e se envolviam em orgias (os Bórgias foram a expressão máxima da esbórnia). Até hoje, padres e cardeais são apanhados em escândalos sexuais e pedofilia. O quadro não é diferente em outros credos. Já transitei por vários. Quantos guardiões da moral protestante nos EUA e aqui mesmo não foram pegos em pecados da Luxúria? A Soberba, a Avareza (ou melhor, a ganância), a Ira, a Inveja, a Gula e a Preguiça são fraquezas essenciais ao ser humano, das quais ninguém está livre. Até o Dalai Lama já confessou ter fraquezas.

Pois após falar da Petrobras, onde ameaçou mudar tudo em fevereiro, quando anunciou a troca do presidente Roberto Castello Branco, que o desagradara ao mexer constantemente (para baixo e para cima) nos preços dos combustíveis, conforme as oscilações – para cima ou para baixo nos preços do barril de petróleo de referência e na taxa de câmbio, efetivada em 19 de abril, quando o general Joaquim Silva e Luna, que deixou a presidência da Itaipu Binacional, passou a comandar a estatal. A manobra poderia ser uma guinada de intervenção para controlar preços, que foi infrutífera, Bolsonaro deixou escapar aos evangélicos a intenção de privatizar a estatal para baratear os combustíveis. Se com o controle da estatal, o governo não consegue frear os impactos dos preços externos (Dilma e Lula congelaram os preços para se reeleger e deram prejuízo de mais de US$ 40 bilhões à Petrobras), em mercado aberto seria mais difícil cercar o frango em campo largo. Definitivamente, não entende nada. Por que ele não critica a escalada ainda maior do etanol, que sobe mais que a gasolina? Para não mexer com a família de usineiros do presidente da Câmara, Arthur Lira, ou os de São Paulo?

No mesmo discurso, aproveitou a trégua das chuvas, que atribuiu à providência divina, para dizer que irá ordenar ao ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, a reversão da bandeira energética de emergência para uma tarifa mais suave em novembro. Pura demagogia. É cedo para comemorar. O pior pode ter passado. Mas é preciso uma temporada mais prolongada e forte de chuvas para que a vazão dos rios volte a aumentar com a infiltração das águas terra adentro até as nascentes do Sudeste e Centro-Oeste e permitir que sejam desligadas as termoelétricas que geram a energia que falta a custos bem mais caros que os das hidroelétricas. Baixar as tarifas traria prejuízos e necessidade de subsídios, agravando o déficit fiscal.

Além de prematuro, cabe lembrar que não cabe só ao ministro Bento Albuquerque dar uma ordem. É preciso que os diversos técnicos que integram a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), criada em 29 de junho, cheguem à conclusão de que não há risco energético para 2022. E a autorização final é da agência reguladora, a Aneel, que oficialmente decide a bandeira de novembro em 29 de outubro. Do contrário será uma decisão de “orelhada”, como foi a extinção do Horário de Verão em 2019. A economia anual era pouca. Mas em três anos, uma poupança acumulada de energia de 0,7% a 0,8% seria relevante nos dias de hoje. Acontece que o presidente quis agradar ao seu eleitorado cativo – oficiais das forças armadas e policiais militares, civis e bombeiros que se incomodavam de acordar com o dia ainda escuro para pegar no batente. Parecia uma decisão banal. Não foi. O voluntarismo agora pode dar com os burros n’água (não nos reservatórios das usinas hidroelétricas, que ainda estão muito baixos e em níveis críticos), mas na transformação da teoria em prática.

Vejam o que aconteceu na Petrobras, após a troca do civil Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna. O país voltou a assistir a nova escalada nos preços dos combustíveis. As alterações são mais demoradas (a última da gasolina esperou 58 dias, a do GLP, gás de botijão, teve intervalo de 95 entre os reajustes), mas, infelizmente, os movimentos foram de alta: +7,19% para a gasolina e +7,22% para o GLP, utilizado em 85% dos lares brasileiros). Tudo isto por que? Porque o barril do petróleo tipo Brent segue subindo: aumentou 3% esta semana, chegando a US$ 85. Os compromissos dos países desenvolvidos com a redução das emissões de gás carbônico estão levando à troca de carvão por gás e derivados de petróleo. Como a exploração do “shale gas” nos Estados Unidos deu ré no governo Biden, as empresas do Tio Sam também passaram a importar mais. O processo de ajuste da matriz energética mundial, que inclui China, Índia, Japão, Canadá e Europa, vai demorar.

Se o presidente Jair Bolsonaro tivesse escolhido um ministro antenado com os desafios climáticos para comandar a pasta de Meio Ambiente, o governo teria noções dos desafios que virão pela frente (o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem demonstrado em suas apresentações recentes a preocupação com os impactos dos ajustes na inflação, com a mudança de demanda sobre os insumos energéticos e os novos metais utilizados no carro elétrico, por exemplo). Mas o ocupante mais longevo da pasta, Ricardo Salles mostrou o seu cartel na famosa reunião ministerial (?) de 22 de abril de 2020, quando sugeriu que todos “aproveitassem que a mídia estava focada na Covid-19 para passar a boiada”, com liberalidades nos controles ambientais e em outras atividades. O atual ocupante, Joaquim Leite, no cargo desde fins de junho, ainda não disse ao que veio. Naquela reunião, já com o 2º ministro da Saúde no cargo, o médico Nelson Teich, assistia, perplexo, às falas de Salles e Abraham Weintraub, o 2º dos quatro ministros da Educação deste governo, não se discutiu o impacto da pandemia e a necessidade de mobilização do país. O presidente queria intervir na Polícia Federal para “não foder (sic) meus filhos, familiares e amigos”, recado entendido pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que se demitiu no dia seguinte.

A falta de competência do presidente para escolher auxiliares se reflete nas mudanças constantes nos ministérios. Na Casa Civil, estamos no 3º ministro, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos líderes do Centrão, que impede o “impeachment” (junto com o PT, que prefere Bolsonaro como o adversário). Já passaram por lá Onyx Lorenzoni e o general Walter Braga Neto, que comanda o Ministério da Defesa desde fins de março, quando o presidente demitiu o general Fernando de Azevedo e Silva. O gesto resultou na troca dos comandantes das três forças, para que assumissem oficiais mais jovens, hierarquicamente subordinados a Braga Neto, formado antes deles na Aman.

O presidente Jair Bolsonaro segue iludindo incautos e a si próprio. Na reunião com os evangélicos, pomposamente batizada de Conferência Global 2021 – Millenium, confessou que, por causa da pressão sofrida por ocupar a Presidência, chora sozinho no banheiro, nem a mulher, Michele, sabe (estranho casal que não troca suas angústias; ela não diz que ia pedir ajuda da CEF para financiar negócios de seus fornecedores...). Em seu discurso, repisou as dificuldades do cargo e reclamou que é criticado quando o preço dos combustíveis aumenta. Bolsonaro também disse que lamenta as mortes, mas que teve coragem de defender uma alternativa ao tratamento para Covid-19 (confissão que a Prevent Senior ainda não fez). Voltou a criticar as medidas restritivas adotadas por prefeitos e governadores e disse que aqueles que deveriam "zelar pela Constituição" estariam atacando seus princípios. Segundo ele, as políticas adotadas para conter a Covid-19 foram um exemplo de como seria viver em um regime de exceção (imagina, comparar os anos 70, quando a meningite em São Paulo não podia ser noticiada, assim como a tortura, com os dias atuais). Ainda assim, Bolsonaro disse que acredita ter tomado as decisões corretas na crise. Então, tem de arcar com as consequências de seus atos.

Milhares de familiares dos mais de 600 mil mortos pela Covid-19 choram diariamente, no banheiro ou na solidão da ausência, com saudade dos entes queridos. Alguns deles foram eleitores do presidente e não receberam mensagens de solidariedade e compaixão. Se hoje Bolsonaro diz que lamenta as mortes, no passado reagiu com um “e daí?, não sou coveiro”. Reagiu à vacina, retardando providências por parte da pasta comandada por Eduardo Pazuello para fechar a compra de vacinas, enquanto insistiam na prescrição do “tratamento precoce” com cloroquina (produzida no laboratório do Exército) &cia. As vacinas chegaram com atraso. E o país demorou a sentir os benefícios da redução dos contágios e mortes. Se em vez dos quase 50% da população vacinada com duas doses (que efetivamente imunizam, assim como a dose única, da Janssen), estivéssemos há três meses com 70%, quem sabe, em vez de chorar 600 mil mortos, teríamos salvo 200 mil vidas? Ou mais...

Não dá para tentar fugir à responsabilidade. A do presidente da República, autoridade maior do país, é inalienável. Pela hierarquia inerente à carreira das Forças Armadas, das quais é o Comandante-em-Chefe, ele bem sabe que responsabilidade não se transfere. Ele tem de assumir pelos acertos e erros. Se quiser fugir das responsabilidades, há uma saída: se declarar incapaz ou incompetente. No mesmo evento, na confissão aos evangélicos, Bolsonaro deixou escapar (quase um ato falho) o erro do negacionismo, no enfrentamento da pandemia da Covid-19. "Deus nos ajudou agora com chuva, estávamos na iminência de um colapso. Não podíamos transmitir pânico à sociedade", disse o presidente. Deus não tem culpa, nem cabe absolver as falhas dos homens.

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