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Carta a Binden: Bolsonaro confessa 836 dias de erros

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Publicado em 18/04/2021 às 08:21

Alterado em 19/04/2021 às 07:59

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O Brasil é um país no mínimo surpreendente. O maestro Tom Jobim dizia que “não era para principiantes”. E os fatos mostram que o maestro não desafinava na música nem em sua visão política, social e ambiental sobre a “Terra Brasilis” que nessa 5ª feira, 22 de abril, completa 521 anos de sua descoberta pela esquadra do português Pedro Álvares Cabral. Demoramos algum tempo para sermos enfim colonizados pelos portugueses. Depois das ameaças de ocupação por franceses, ingleses e holandeses (a Espanha tinha o acordo do Tratado de Tordesilhas, de junho de 1494, depois da descoberta da América por Colombo, em 1492, que garantia o Brasil a Portugal, do Pará até Santa Catarina), a coroa portuguesa enviou Martim Afonso de Souza para uma expedição para fazer um levantamento da imensa costa e daí surgiu a criação das Capitanias Hereditárias. Consistia na distribuição de vastas sesmarias a fidalgos portugueses que aqui viessem a investir na exploração das riquezas.

Primeiro, a extração do pau-brasil, para a produção de tinta vermelha, a ser usada no tingimento de tecidos e outras matérias-primas em estado bruto. Depois, o ciclo do açúcar, que foi a primeira grande “commodity” mundial depois do ouro. Vale dizer que as Capitanias Hereditárias nunca tiveram o traçado retilíneo da costa até a linha imaginária estabelecida em Tordesilhas, como aprendemos errado na escola. Mapas franceses e portugueses da época mostram traçados irregulares, tendo por limítrofes rios e acidentes geográficos notáveis. A partir do Ceará, conforme muda a posição da plataforma terrestre em relação ao Oceano Atlântico, as divisões são de “frente para o mar” – Siará abarca terras do atual estado e do Piauí, em seguida vem a Capitania do Maragnan e, por último, a do Pará. Mas todas ficam restritas à franja da costa (talvez seja o motivo porque quase todo o litoral brasileiro perdeu mais de 90% da Mata Atlântica original, por exploração do pau-brasil e outras madeiras).

Mas isso é outra história. O que importa, voltando à partitura de Tom Jobim, é que mais de cinco séculos depois de sua descoberta, às vésperas do bicentenário de sua Independência (7 de setembro de 2022) e com pouco menos de 123 anos de República, o Brasil continua predando a sua natureza, como política de governo. Sim, não adianta o presidente Jair Bolsonaro, depois que o seu ministro das Relações Exteriores, o nefando Ernesto Araújo, ter sido defenestrado do cargo efetivamente pelo Senado Federal (sua demissão posterior era inevitável), e substituí-lo por um chanceler “normal”, mas sem currículo para o importante para o cargo, numa guinada de 180 graus, vestir uma pele de cordeiro e enviar uma carta ao presidente dos Estados Unidos. Joe Biden convocou para esta semana (dias 22 e 23 de abril), uma Conferência Mundial do Clima de forma virtual, com a participação de 40 países, em comemoração aos cinco anos do Acordo de Paris, e Bolsonaro, em carta do dia 15, se comprometeu que o Brasil vai cumprir os compromissos anti-desmatamento assinados pelo Brasil em 2015 em Paris.

A ex-presidente Dilma Roussef fez muita bobagem na economia e também tinha dificuldades para se expressar. Ficou famosa uma fala presidencial na qual Dilma se comprometia com uma “guinada de 360 graus”. Ela pensou em 180 graus (a guinada que aplicou na economia após sua reeleição em 2014, adiando reajustes de preços públicos e do câmbio, além dos juros; quando mexeu as peças no tabuleiro, após o fechamento das urnas em novembro de 2014, o país mergulhou em dois anos de recessão, num acumulado pior do que a queda de 4,1% do PIB em 2020), mas deu um giro e voltou ao mesmo lugar.

Pois a nova meta de compromisso do governo Bolsonaro foi o giro de 360 graus de Dilma. Depois de todas as barbaridades perpetradas por seu instrumentalizado ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que – seguindo as orientações do chefe - desestruturou os órgãos de meio ambiente e monitoramento da Amazônia e outros biomas, como o Pantanal e a Mata Atlântica (INPE, Ibama, ICMBio e Polícia Federal sofreram intervenção e foram desaconselhadas a reduzir as atividades de repressão e multas aos piratas e grileiros do meio ambiente), Bolsonaro se comprometeu a cumprir as metas do governo brasileiro assinados por Dilma em 2015, em Paris.

Ocorre que os atos e ações recentes do governo Bolsonaro desmentem todas as “boas intenções” do presidente vestido com “pele de cordeiro”. Na semana que passou foi removido o responsável pelas ações de repressão da Política Federal aos infratores do meio ambiente no Amazonas (o estado que ainda retém a maior parte da ameaçada floresta tropical). O motivo foi que a PF tinha feito uma das maiores apreensões de madeiras nobres (mogno à frente), extraídas irregularmente da floresta e multado as empresas que apresentaram documentação irregular, garantindo a extração (na Amazônia é permitido, com autorização, extração de 20% da floresta e mantidos 80%; na Mata Atlântica pelo menos 20% têm de ser mantidos de pé). E o policial ainda acusou o ministro de ser conivente com as irregularidades.

Salles cumpria as promessas de Bolsonaro na campanha, de “acabar com a indústria de multas ambientais na Amazônia”. E ainda determinou a abertura das reservas indígenas à exploração do garimpo. O garimpo ilegal trazia doenças que ameaçavam os povos indígenas, como o sarampo e a varíola. Com o “garimpo legal”, o leque inclui a mortal Covid-19 com suas variantes. Outra canetada presidencial, seguida à risca pelos ministros, franqueou finalmente o acesso ao mar da ferrovia Fiol, pela qual uma empresa do Cazaquistão vai escoar minério de ferro de Caetité (BA) ao novo terminal a ser construído na cidade de Ilhéus, atravessando área preservada de manguezais e de grande fluxo turístico.

Dá para Biden e os demais e chefes de Estado que vão participar desta Cúpula virtual acreditarem na promessa do Brasil feita por Bolsonaro, que ainda pediu pelo menos US$ 1 bilhão ao presidente americano para garantir ações que garantam o desmatamento zero até 2030? Embora Joe Biden queria marcar a Cúpula como uma grande guinada dos Estados Unidos em relação ao desprezo do antecessor Donald Trump para com o meio ambiente (um dos seus atos iniciais foi voltar ao Acordo do Clima, do qual Trump tinha pulado fora), e para isso quis envolver as nações com maior responsabilidade nas emissões de gases de efeito estufa ou com maior extensão territorial e florestas que possam neutralizar as emissões que podem mudar o clima da terra e elevar a altura dos oceanos (fatal para cidades e países litorâneos ou ilhéus), a primeira reação do governo americano foi de ceticismo diante do Brasil, 5º país em extensão, 6º em população e dono da maior cobertura florestal do mundo.

O mesmo devem estar pensando os mandatários europeus que foram afrontados em mais de dois anos e três meses por Bolsonaro, que preferiu abrir mão dos recursos aportados pela Noruega, Alemanha e Holanda para preservação da Amazônia. É que esses países davam preferência ao aporte de recursos para ONGs locais, cujos compromissos com o meio-ambiente não se limitam ao horizonte temporal das administrações públicas (sujeitas ao rodízio dos dirigentes escrutinado pelas urnas). Bolsonaro vestiu o figurino contrário ao meio ambiente escorado no exemplo de seu líder e mentor, Donald Trump. Quer agora vestir nova roupagem para agradar aos novos ditames do Tio Sam sob o comando de Biden? Ou se arrependeu tardiamente de ser “o pária do mundo”, como tanto defendia ardorosamente o ex-chanceler?

Internamente, além das preocupações com a CPI Mista do Congresso, onde terá de fazer concessões ao Centrão e ao relator, o melífluo senador Renan Calheiros (MDB-AL) para não ser responsabilizado pelo desastre cumulativo do negacionismo do governo no enfrentamento da pandemia desde fevereiro-março do ano passado, até o desleixo na compra de vacinas, cuja eficácia o presidente quis desmoralizar em prol do “tratamento precoce” com medicamentos condenados pela OMS e as mais responsáveis sociedades médicas (as 370 mil mortes ultrapassadas sábado falam por si), o presidente corre contra o tempo, para não ter pensamentos desviados durante os dias 22 e 23, na Cúpula do Clima. É que 22 de abril, no 521º aniversário da descoberta do Brasil, é a data limite para ele sancionar o Orçamento Geral da União para 2021. A peça aprovada em fevereiro está cheia de erros e tornou-se inexequível. Para fazer vetos, e assim não furar o teto de gastos, Bolsonaro terá de contrariar deputados e senadores. E o que ele menos deseja, é abrir uma CPI ampliando o leque de adversários com políticos contrariados.

Dá para conciliar o Bolsonaro de sempre, que afronta as instituições e ameaça a Constituição no limite, que segue na ideia fixa da reeleição em 2022, quando a rejeição ao presidente cresce na razão direta da recuperação da popularidade do ex-presidente Lula, com direitos políticos restituídos, com a nova roupagem de quem pretende se comprometer com o meio ambiente?