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COISAS DA POLÍTICA

Bolsonaro fez o Brasil encolher

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Publicado em 11/04/2021 às 08:02

Alterado em 19/04/2021 às 01:49

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O presidente Jair Messias Bolsonaro acaba de corresponder esta semana, à sua fama de “mito”, como o chamam os mais fanáticos seguidores. Embora tenha desdenhado da Covid-19, recusando-se a usar máscara (até a posse do 4º ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga) e se posicionado sempre contra o isolamento social, que culpa como causa da recessão e do desemprego e não consequência da pandemia e das medidas precaucionais contra o novo coronavírus e as novas variantes mais letais, ele conseguiu fazer o Brasil parar de crescer. Não se trata do Produto Interno Bruto, vulgo PIB, que é a soma de tudo o que é produzido (na agropecuária, na indústria, no comércio, nas atividades de serviço, no setor financeiro e de seguros, nas atividades imobiliárias e de construção, além dos serviços públicos e de utilidades públicas).

Ele caiu 4,1% no ano passado, nos colocando abaixo do tombo do PIB mundial, que foi de 3,3%. Segundo as projeções do FMI vamos continuar crescendo a baixa da média mundial este ano (2,9%, sem recuperar o tombo de 2020) e em 2021 (4%). No período, o mundo cresceria 6% e 4,4%, respectivamente. Medida em dólar, a queda do PIB foi superior a 22%. O tombo, que já vinha desde o 2º governo Dilma, quando as recessões de 2015 (-3,6%) e de 2016 (-3,3%), aliadas à forte desvalorização do real, nos fizeram cair do 6º para o 8º lugar entre as maiores economias do mundo, se acentuou no ano passado. Descemos do 9º para o 12º lugar no ranking, sendo superados pelo Canadá, Coreia do Sul e Rússia. Em termos per capita e medido em dólar o tombo foi dramático em 10 anos: -47,9%.

Mas não foi só um encolhimento de quase 50% na renda real do brasileiro que os extremos à direita e à esquerda produziram no país. Refiro-me ao quadro geral do Brasil no mundo. Continuamos sendo o 5º país do mundo em área territorial (8,5 milhões de km2), ainda que a devastação de parte desta área, sobretudo na Amazônia e no Pantanal tenha avançado vertiginosamente nos últimos dois anos. Mas em população perdemos em 2019 o 5º lugar para o Paquistão, que em 2020 já tinha quase 1 milhão de habitantes a mais do que nós. Em estatura política encolhemos nos últimos dois anos e três meses, seguindo a cartilha para ser pária no mundo do ex-chanceler Ernesto Araújo, tardiamente defenestrado pelo Senado Federal, que o demitiu de fato.

Mas o recorde de contágios semanais e mortes pela Covid-19 se transformou em tragédia inédita esta semana, quando o teto das mortes diárias passou dois dias acima de 4 mil registros: 4.195 óbitos foram lançados no dia 6 de abril e 4.249 mil óbitos em 8 de abril, segundo o Ministério da Saúde. Até ontem o país tinha acumulado 348.718 mortes por Covid-19, segundo o Ministério. Mesmo com a queda de registros nos fins de semana (quando muitas secretarias municipais de saúde fecham, absurdamente, a parte burocrática – e o que dizer da parada da vacinação aos sábados e domingos?), vamos passar este fim de semana das 350 mil mortes. Até ontem, comparado com a população (212,3 milhões de habitantes) registrávamos 166 mortes por cada 100 mil habitantes. Estávamos atrás dos Estados Unidos (560,5 mil mortes e índice de 169 por 100 mil habitantes), do Reino Unido (117 mil mortes e índice de 191), da Itália (188), e do impressionante índice de 205 da pequena Bélgica, que com 11,5 milhões de habitantes tinha 23.390 óbitos, índice de 205 por 100 mil. E um pouco melhor que os 164 do México (207 mil mortes para 127,6 milhões de habitantes) ou os 146 da França (que acumulada 98 mil mortos para 67 milhões de habitantes). Entre os nossos vizinhos o Peru está pior: 170.

Achou alto, caro leitor, o número da Bélgica. Pois saiba que sua população é equivalente à do Grande Rio. E o RJ como um todo estava bem pior: acumulava 39 mil mortes, ou seja, um índice de mortalidade de 226 por 100 mil habitantes. E São Paulo? Com 46,5 milhões de habitantes, o estado registrava até ontem 81.750 mortes por Covid-19. Um índice de 178 por 100 mil habitantes. Era maior do que o índice de 163 da Espanha, com 76,3 mil mortos para 47 milhões de habitantes; que o índice de 146 da França e 94 da Alemanha (78,4 mil mortes para 83 milhões de habitantes). Todos esses países, com dificuldades de vacinação resolveram fazer “lockdown” total ou quase total. Vale lembrar que os países da Europa, como o governo Bolsonaro, deram prioridade à compra da vacina AztraZeneca, que seria envasada aqui pela Fiocruz. Lá, com registros de trombose, houve interrupção do processo; aqui, faltam Insumos Farmacêuticos Ativos, que tiveram de vir da China, por dificuldades de entrega da Índia, que resolver priorizar seus 1,380 bilhão de habitantes – eram 168,5 mil mortos até sábado.

Diante desta tragédia que fez a contagem populacional online do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística registrar, pela primeira vez esta semana, um número de nascimentos diários inferior ao total de mortos. Em outras palavras, pela primeira vez em 521 anos de história a população do Brasil encolheu! Sim, acredite conferindo o portal do instituto: www.ibge.gov.br

De acordo com o IBGE, nasce em média um brasileiro a cada 20 segundos, ou três brasileiros por minuto. Em uma hora, vêm à luz mais 180 brasileiros e 4.320 em 24 horas. Em um mês nascem 129.400 brasileiros. A conta aumenta quando nascem gêmeos como os do casal de jornalistas Andréia Sadi e André Rizek, mas a média não se altera: por ano nascem um milhão e meio de brasileiros. Nos três anos anteriores à peste da Covid-19 morreram, em média, 1,2 milhão de brasileiros por causas diversas. No ano passado, com as 195 mil mortes atribuídas à Covid-19, chegamos a 1,4 milhão de vidas perdidas. Esta semana, só de Covid-19, em dois dias o número de óbitos encostou no número de novos nascimentos. Entretanto, mesmo com a redução de mortes no trânsito (a maior causa de mortes entre os jovens, junto com a violência urbana por armas de fogo) há outras quase 100 mil mortes, a população brasileira vai encolher se, diante da falta de vacina, o ritmo da tragédia não for revertido.

As restrições dos prefeitos e governadores são a última barreira antes do colapso da rede hospitalar, onde faltam leitos adequados, oxigênio, kits de intubação e o corpo dos profissionais de atendimento está à beira do esgotamento. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, não tem essa visão de estadista e mal se abala com 200 ou 350 mil mortes. Só pensa que a redução da atividade econômica (pela retração do consumo e da produção) vai arruinar a economia e o seu governo, comprometendo as chances de reeleição em 2022. E ainda se insurgiu, em baixos termos, quando o ministro Luiz Roberto Barroso acolheu uma liminar de dois senadores do Cidadania para que a mesa do Senado acolhesse o pedido de uma CPI, assinada por 32 dos 81 senadores (o mínimo regimental é de 27 nomes, um terço da Casa) para investigar a responsabilidade do governo em um eventual mal gerenciamento da pandemia. Imediatamente, que poderiam resultar, ao fim e ao cabo, um processo de “impeachment” por crime de responsabilidade (ou “deixar de fazer”).

Bolsonaro estrilou dizendo que a responsabilidade devia ser compartilhada com governadores e prefeitos (isso é discussão interna na dita CPI) e partiu para ofender Barroso, além de pedir ao próprio STF para agir de igual maneira nos pedidos de “impeachment” contra ministros do próprio Supremos Tribunal Federal. Caro leitor, fui pesquisar. Existem 10 pedidos de “impeachment” contra os ministros do SFT. O alvo principal é Alexandre de Morais, ministro que conduz o inquérito contra “fake news” e eventuais financiamentos externos de atos antidemocráticos que pediam fechando do STF e do Congresso, além da volta do AI-5. Dois pedidos vieram do Senado, contra Morais, mas sem quórum mínimo de assinaturas. Outras quatro ações vieram de cidadãos, duas das quais lideradas pelo presidente do PTB, o deputado cassado Roberto Jefferson. Mais uma ação é voltada contra todos os ministros do Supremo e outras focam nos ministros Gilmar Mendes, Carmen Lúcia e Edson Fachin.

A falta do Censo
Todo esse retrato do Brasil em transição, que já não foi captado no Censo decenal de 2020 (adiado para 2021 e suspenso "sine die"), não será registrado pelas lentes de aumento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Erra feio quem pensa que um Censo é coisa menor e pode ser deixado para lá. Ele baliza as políticas públicas: em função da redução do número de idosos se agrava ou atenua a questão da Previdência; com mais nascimentos ("os filhos do boom da pandemia"), haverá necessidade de reforço na educação básica e nas creches?; qual o impacto da crise na explosão do desemprego, da miséria e da fome? Precisa mais verba para saneamento, para saúde ou para educação?

Há uma questão ainda mais imediata. Sem Censo para medir o tamanho da população nos estados e municípios, como atestar que as transferências das cotas-partes dos Impostos arrecadados pela União para os fundos de participação de Estados e Municípios estão sendo justas? O grau de transferência cresce em 0,2 (dois pontos percentuais) de acordo com o tamanho da população. Isso é irrelevante para os municípios que têm mais de 150 mil habitantes.Mas na faixa entre 19 mil e 25 mil habitantes chega a haver negociações quando os prefeitos de dois municípios são amigos ou pertencem ao mesmo partido. O prefeito da cidade que já tem população maior que o mínimo, muitas vezes "cede" munícipes, que se registram em cartórios da cidade vizinha para reforçar a população local a "fatia" no rateio do FPM.

A eficácia das CPIs

O histórico das CPIs do Congresso, salvo a dos “Anões do Orçamento” costumam terminar em pizza. Mesmo quando instaladas, há tanta mobilização, especialmente quando o governo tem maioria da base de apoio, que os postos –chaves caem em mãos de políticos aliados e tem início uma “operação abafa”. Vale lembrar, por isso, a CPI da Petrobras. Ela foi instalada em 2009, para tentar desvendar “a caixa preta” dos grandes negócios da Petrobrás, em 22 de maio de 2009, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, que já se lançara à sucessão de Lula em 2010, reagiu: “Essa história de falar que a Petrobras é uma caixa-preta. Ela pode ter sido uma caixa-preta em 97, em 98, em 99, em 2000. A Petrobras de hoje é uma empresa com um nível de contabilidade dos mais apurados do mundo. Porque, caso contrário, os investidores não a procurariam como sendo um dos grandes objetos de investimento. Investidor não investe em caixa-preta desse tipo”.

Todos hão de se lembrar de um famoso depoimento do ex-diretor de Refino da Petrobras, Paulo Roberto Costa. No mês de junho de 2014 (na largada da campanha da reeleição de Dilma) garantiu que a Petrobras era “uma empresa séria”. A CPI mista (Câmara e Senado) produziu seu relatório final em 10 de dezembro de 2014. Foram quase mil páginas, sem nenhum pedido de indiciamento. O relator, deputado Marco Maia, do PT (partido do governo), apenas recomendou o aprofundamento das investigações, apesar de apontar superfaturamento de US$ 4,2 bilhões nas obras da Refinaria Abreu e Lima em Pernambuco. Apertado no ano seguinte pela Lava Jato, que localizou lançamentos de propinas em conta dos filhos, Paulo Roberto Costa, que cumpre prisão domiciliar, com tornozeleira, abriu o bico e contou uma série de falcatruas praticadas por empreiteiras contra os cofres da Petrobras, com intermediação de propinas para políticos e partidos da base aliada.

Uma CPI, em si, pode incomodar muito, por manter o noticiário vivo. Mas tudo depende da capacidade de cada governo em coordenar a base aliada. A questão é que, mais cedo ou mais tarde, a verdade acaba vindo à tona.