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A troca de seis por meia dúzia

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Publicado em 04/04/2021 às 07:52

Alterado em 04/04/2021 às 07:53

O comandante da Marinha, almirante de esquadra Almir Garnier Santos; o ministro da Defesa, general Braga Netto; o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira; e o comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Jr. Foto: Reuters / Adriano Machado

O título da coluna podia também ser “Muito barulho por nada”. Cheguei a batucar nas teclas. Porém, recorrer a uma obra menor do genial William Shakespeare, levada ao cinema em 1993, com os atores britânicos Kenneth Branagh e Emma Thompson nos papéis principais (se é que em Shakespeare se possa aplicar gradação de maior ou menor), seria dar muita pompa à troca ministerial desta semana - uma manobra rasteira do fracassado governo de Jair Bolsonaro. No futebol, em tempos de Covid-19 – em que sábado o Brasil superou a macabra cifra de 330 mil mortos e o presidente da República, insinuou, enfim, se render à vacinação -, a Fifa aumentou de três para cinco o número de substituições de jogadores numa partida.

No futebol de várzea em que se transformou o governo Bolsonaro, o presidente aproveitou as vésperas do dia 31 de março, para “celebrar” o golpe militar de 1964 e trocar seis ministros, incluindo o da Defesa e os três comandantes militares. A imprensa destacou como “inédita” a troca dos três comandos militares. Não dou essa importância. Foi mais um ajuste para fortalecer a autoridade do novo ministro da Defesa, general Walter Braga Neto, remanejado da Casa Civil para o lugar do general Fernando Azevedo e Silva, este sim, demitido por Bolsonaro. Nas Forças Armadas há uma hierarquia de patentes e de turma de formandos. Para tal valem, sempre, os almanaques do Exército, Marinha e Aeronáutica para ajustar promoções por antiguidade ou mérito. Quando não há promoção, diz-se que o “militar tal foi caroneado”. Coronel bate continência para general e não vice-versa. E o número de estrelas de general ou da turma de formação na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) gera critério de antiguidade e de reconhecimento.

Fernando de Azevedo e Silva era da turma de 1976 da Aman. O comandante do Exército, general Edson Pujol [cometi um erro esta semana ao chamá-lo de Eduardo Pujol] era da turma da Aman de 1977. Foi “tríplice coroado”: formou-se como 1º da turma da Aman e ficou em 1º na EsAO e na Eceme. Pujol era muito capaz intelectual e fisicamente. Da mesma turma de formandos de 1977, Jair Bolsonaro não era dos primeiros da turma pelos dotes intelectuais. Fisicamente era um grande desportista e tinha em Pujol um dos rivais nas disputas internas da turma. Como o próprio presidente já destacou seu “histórico de atleta”, era um verdadeiro “cavalo”, de saúde e disposição, daí o apelido de “cavalão” entre os colegas. Podem estar aí – e agora recorro a Shakespeare, quem sabe “Hamlet”, para certa mágoa do presidente contra atitudes de Pujol. A mais famosa foi a recusa do cumprimento ao presidente “Comandante em Chefe das Forças Armadas”, em 30 de maio de 2020, quando da posse do novo comandante do 3º Exército, em Porto Alegre. O general Pujol, corretamente, seguindo o protocolo da Covid-19 adotado pelo Exército, em vez do aperto de mão e do abraço praticado descuidada ou estudadamente por Bolsonaro (que já sabotava as medidas de isolamento e o uso de máscaras) estendeu o cotovelo, sendo seguido por outros generais.

Os dois voltaram a bater de frente quando o presidente convidou o general (três estrelas) Eduardo Pazuello para secretário-executivo do Ministério da Saúde, em abril de 2020, quando o médico Nélson Teich substituiu o também médico Luiz Henrique Mandetta. Quando Pazuello foi efetivado em setembro do ano passado, os militares queriam que ele passasse à reserva (promovido a quatro estrelas), assim como fez o general Luiz Eduardo Ramos, quando assumiu a Secretaria de Governo. E a resistência à reintegração de Pazuello na tropa, na lista de promoção ou na tentativa de blindagem das responsabilizações por mais de 250 mil mortes por Covid-19 enquanto esteve à frente do Ministério da Saúde, com a frustrada criação do esdrúxulo Ministério da Amazônia (conveniente para Pazuello, cuja família tem negócios há anos em Manaus), acabou sendo vista por Bolsonaro como insubordinação ao “Comandante em Chefe das Forças Armadas”.

Bolsonaro estava com uma derrota política de peso. Após o fracasso sanitário, social e político da gestão Pazuello, que seguiu fielmente as orientações do presidente que sempre minou o uso de máscaras e o isolamento social e valorizava o “tratamento precoce” com remédios comprovadamente sem eficácia, em vez do empenho na compra de vacinas, para justificar seu empenho de abrir tudo, teve de engolir a demissão sumária e ruidosa pelo Senado de um de seus mais fiéis e estapafúrdios ministros: o das Relações Exteriores. Ernesto Araújo, que se aliava aos “terraplanistas”, chegou a pregar, em outubro de 2020, quando apoiava abertamente a reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos, numa palestra aos novos ingressos do Instituto Rio Branco (que está para a diplomacia e a formação de quadros do Itamaraty como a Aman e a Escola Naval estão para o Exército e a Marinha) que era preferível o Brasil ficar na condição de “pária no mundo” se fosse o “último a defender a liberdade”. Era um discurso contra as medidas de isolamento social. Araújo e o presidente Bolsonaro conseguiram: líder em novos contágios e mortes pela Covid-19 no mundo e ainda bem atrasado na aplicação de vacinas, o Brasil virou pária mundial. Os vizinhos fecham as fronteiras. Voos internacionais com destino ou provenientes do Brasil são cortados. E os brasileiros perderam o salvo conduto para viajar sem estarem vacinados (duas doses) ou testados por PCR contra a Covid-19. Quase ninguém entra nem sai.

Para não engolir duas derrotas em 10 dias, o presidente resolveu, no domingo passado, trocar o Ministério da Defesa e, em consequência, os comandos das forças e promover uma dança das cadeiras no Ministério (21 até agora). É verdade, a troca tripla de comando militar foi inédita desde 1977. Mas perfeitamente natural. Depois que Exército, Marinha e Aeronáutica perderam o “status” de ministério, com a criação do Ministério da Defesa, em junho de 1999, no 2º governo FHC, as trocas no comando de uma das armas, ou eram individuais, às vezes por motivo de saúde, ou coletivas, acompanhando a troca do Ministro da Defesa. Como Braga Neto se formou na Aman, em 1978, Pujol ficaria desconfortável em bater continência para “calouro”. Trocando-se os três comandantes haveria ajuste de hierarquia e turma. E Bolsonaro poderia ter um Exército para chamar de “seu”. Mas o novo comandante do Exército, general (4 estrelas) Paulo Sérgio de Oliveira, formado em 1980 na Aman, que comandava o Departamento Geral de Pessoal do Exército, seguiu os rígidos preceitos de higiene, uso de máscaras e distanciamento e conseguiu que o índice de contágios e mortes na tropa fosse menor do que a média nacional e até mesmo dentro do Palácio do Planalto. Uma entrevista do general, ao “Correio Braziliense” de 28 de março, destacando os baixos índices do Exército, teria irritado o presidente da República, que cobrou providências a Fernando de Azevedo e Silva e a Pujol no mesmo dia. De tarde, resolveu trocar o comando do Ministério, deslocando Braga Neto para o posto, promovendo demissões para que o novo ministro da Defesa tivesse como comandados nas três armas oficiais formados em turmas mais recentes.

Das seis trocas, além do peso das duas pastas (Defesa e Relações Exteriores), a saída de Braga Neto, da Casa Civil, abriu a vaga para o general Luiz Eduardo Ramos, que ocupava a Secretaria de Governo, responsável pela articulação com o Congresso. Aí houve uma novidade, com um nome emplacado pelo “Centrão” e apadrinhado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que há uma semana dera “cartão amarelo” para o presidente e o advertira que o Congresso tem “remédios amargos, às vezes fatais”. A pasta de coordenação foi assumida pela deputada federal Flávia Arruda (PL-DF). Embora em primeiro mandato, por ser casada com o ex-governador (cassado) do DF, José Roberto Arruda, tem influência na Câmara e no partido do notório réu do mensalão e outros inquéritos, Waldemar Costa Netto. E o PL é importante na base aliada.

No Ministério das Relações Exteriores não houve ascensão de um embaixador experiente. O sucessor do igualmente pouco experiente Ernesto Araújo (jamais exerceu cargo de embaixador, e tão cedo não o fará) é o diplomata Carlos Alberto França. Como chefe do cerimonial do Itamaraty, cuidou da recepção aos chefes de Estado estrangeiros (só 10 compareceram, um dos inconvenientes da posse em 1º de janeiro, em 31 de janeiro, antes do golpe militar de 1964 acabar com as eleições e mudar a data, era mais concorrido). Os destaques foram o premier de Israel Benjamin Netanyahu e o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo. O presidente da Argentina, Mauricio Macri, não veio. Vieram os vizinhos da Bolívia, Paraguai e Uruguai. Impressionado, Bolsonaro o requisitou como assessor especial no Palácio do Planalto, como Felipe Martins, aquele que fez molecagens fascistas no Senado. Mas França deu sinais de compreender o que é diplomacia no mundo da globalização. Convocou para secretário-geral do Itamaraty um diplomata mais experiente – o embaixador Fernando Simas Magalhães. Além de já ter atuado como assistente em embaixadas importantes (Moscou, Washington e Madri), Simas representava o Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA).

Na Advocacia-Geral da União (AGU), o governo anunciou o retorno de André Mendonça, no lugar de José Levi (que não assinou a petição do presidente Jair Bolsonaro contra atos restritivos de governadores e prefeitos, que queria equiparar a Estado de Sítio, recusada por inépcia pelo ministro Marco Aurélio Mello, vaga que Mendonça almeja no STF, quando Mello se aposentar, em julho). Mendonça deixa o comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que passará às mãos do delegado da Polícia Federal, Anderson Gustavo Torres, ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, ligado à bancada da bala e amigo de Bolsonaro e de seus filhos. O homem certo no lugar certo, para Bolsonaro, que quer controlar PF, Abin e as forças armadas.

Agora vai

Numa das últimas colunas defendi uso mais nobre para as Forças Armadas: o emprego de seus efetivos na vacinação contra a Covid-19. O assunto foi tratado ontem entre os ministros Braga Netto (Defesa) e Marcelo Queiroga (Saúde). Todo reforço ajuda, mas o gargalo não parece ser de pessoal. O que falta mesmo é vacina. O que está salvando o país é a “vachina” do Dória, a CoronaVac chinesa envasada pelo Butantan. A outra vacina, a de Osford/AztraZeneca, que seria envasada pela Fiocruz, está com as entregas muito abaixo do esperado. Os Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) que viriam da Índia estão dando xabu (em uma das trapalhadas de Ernesto Araújo) e dependem da boa vontade e conexões de voos da China. E a vacina russa Sputink V, apesar do violento “lobby” de deputados no Congresso a favor do laboratório União Química, que a produziria aqui, não foi aprovada pela Anvisa (o Ministério da Saúde, em outra trapalhada de Pazuello, comprou antecipadamente 38 milhões de doses).

Vale dizer que o presidente da Argentina, Alberto Fernandéz, mesmo vacinado com a 2ª dose da Sputinik V, há dois meses, testou positivo para Covid-19. No entanto, os dados da pasta da Saúde e os mapas da Covid são incontestes: onde a vacinação avança (o ciclo de proteção só se completa duas semanas após a 2ª dose) caem os novos contágios, as internações e as mortes.

O novo “bonde” dos mineiros

Virou piada nos anos 60, quando Carlos Lacerda, 1º governador da Guanabara, resolveu trocar os bondes da Light pelos ônibus elétricos (foram desativados no governo seguinte). Estado sem praia (salvo Mar de Espanha, terra de meus avós paternos), os mineiros sempre invejosos da orla carioca, miraram da compra dos bondes desativados da Light a oportunidade de ter o “espírito carioca” em suas vidas. Muitos fazendeiros colocaram bondes nos quintais das fazendas. Pois o “bonde” moderno parece ter apanhado empresários “ispertos”, que quiseram furar a fila da vacinação da Covid-19.

Donos da Saritur, do ramo de Transportes (olha o bonde com rodas pneumáticas) reuniram parentes e amigos que se dispuseram a pagar R$ 600 por dose a uma cuidadora de idosos que se passava por experiente enfermeira. A malandra foi flagrada na garagem da empresa de ônibus em Belo Horizonte no que parecia uma furada de fila em reportagem da Revista Piauí. Grande furo. Mas a descoberta veio depois nas investigações da Polícia. Cláudia Monica Pinheiro Torres de Freitas aplicara apenas nas micro-seringas (a parte mais cara da “operação”) doses de soro fisiológico (uma garrafinha custa menos de R$ 15 nas farmácias). Agora, os “ispertos” estão envergonhados e correndo atrás das filas do SUS.

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