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Por falta de senso, ficamos sem Censo

Publicado em 28/03/2021 às 07:58

Alterado em 28/03/2021 às 07:58

IBGE na Avenida Beira Mar, 436 Jose Peres

Não espanta que a presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a economista Suzana Cordeiro Guerra, diante do brutal corte de verbas do instituto que faz levantamentos sobre a inflação, o mercado de trabalho, a produção agrícola, da indústria, do comércio e de outras atividades de serviços que formam as Contas Nacionais, traduzidas a cada trimestre pela marcha do Produto Interno Bruto (vulgo PIB), tenha pedido demissão, por absoluta falta de meios materiais para fazer o Censo Demográfico.

A mais completa radiografia socioeconômica e ambiental do país, para conhecer as condições de vida da população em todos os municípios do Brasil e em seus recortes territoriais internos, indo de casa em casa para colher os dados com o responsável pela residência, é feita decenalmente há mais de um século. O 1º censo populacional foi feito em 1808, quando a Corte Portuguesa se instalou aqui. Em 1872, houve o mais completo Censo Geral do Império.

Na República, salvo em anos de eventos extraordinários – como em 1910 (em meio à gripe espanhola) e em 1930 (em plena troca da política de café com leite pela ditadura Vargas – o censo “fotografava” o Brasil, sem retoques. A partir de 1940 tornou-se lei o Censo Decenal. Desde então só foi adiado em duas ocasiões: o de 1990 foi adiado para 1991, porque o país estava de cabeça para baixo com o Plano Collor que congelou a poupança e aplicações financeiras. Em 2020, a pandemia da Covid-19 recomendou o adiamento para 2021, mas o IBGE aperfeiçoou métodos para manter suas demais pesquisas.

Os políticos que cortaram verbas do Censo sentirão breve o efeito bumerangue em suas bases eleitorais. Cada Censo afere com precisão, mediante visitas às casas das famílias, a população de todos os 5.570 municípios do país, suas carências e evoluções. Com os dados, calcula-se a cota parte de cada município no Fundo de Participação dos Municípios (e dos Estados). Como os cidadãos moram nos municípios (rurais ou urbanos) - e não nos estados ou na União - é a partir de cada cidade ou vila que a roda da economia se movimenta. O presidente Jair Bolsonaro parece não entender isso, pois acredita que a União está fazendo um favor quando transfere recursos para estados e municípios. É a devolução da parte que lhes cabe no que foi arrecadado neste vasto e mal gerido latifúndio chamado Brasil.

Conhecer o que se passa nas famílias e nos municípios é fundamental para calibrar melhor as políticas públicas. Um bom e preciso diagnóstico, portanto, não é despesa supérflua, como entenderam os deputados que aprovaram o canhestro e irreal Orçamento Geral da União de 2021. Com uma base precisa de dados é possível reforçar esta ou aquela área com recursos que seriam gastos desnecessariamente em outras áreas que vão melhor. Um diagnóstico preciso permite a eficácia da medicação. Em política pública é a mesma coisa.

Mas dá para pedir senso em relação ao Censo num país em que falta um consenso básico sobre a necessidade de usar máscaras e evitar aglomerações em tempos de pandemia descontrolada? Há um ano, desde que a pandemia da Covid-19 se alastrou pelo mundo e aterrissou no Brasil pelas entradas de aviões vindos dos quatro cantos do mundo (sem qualquer medida profiláxica ou estabelecimento de quarentena para os que vinham de terras onde havia contágio), o que menos se observou no Brasil foi senso. Sobretudo do dirigente-mor, que chegou a mover guerra contra as vacinas!

Há um ano, o presidente Jair Bolsonaro, repetindo o ídolo Donald Trump, dizia que o novo coronavírus, “o vírus chinês” era “uma gripezinha” que iria, no máximo, causar 800 mortes. Aceitou, a contragosto, a determinação inicial de isolamento do seu 1º ministro da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta, mas, novamente emulando Trump, previu a reabertura do comércio “na Páscoa”. Era possível que a pressa na reabertura dos negócios tivesse relação com a franquia da Kopenhagen de seu filho 01, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), estocada de ovos e chocolate. Um ano depois, foi passada adiante. Parte do dinheiro, diz o senador acusado de “rachadinha” (apropriação de parte de vencimentos de lotados em seu gabinete na Alerj) foi usado na compra da mansão de R$ 5,7 milhões no Lago Sul, em Brasília, para a qual levantou crédito camarada de R$ 3,1 milhões no BRB, o banco do DF.

Não se sabe se foi a contundência das mais de 300 mil mortes, que serão arredondadas neste fim de semana para 310 mil vidas perdidas (e levaram à troca do general Pazuello pelo 4º ministro da Saúde, o cardiologista Marcelo Queiroga, que prescreveu o uso de máscaras - e o presidente acatou); se foi o desinteresse específico do 01 pela Páscoa; ou se foi o chega prá lá do Centrão, materializado no discurso do “cartão amarelo” do presidente da Câmara, Arthur Lira, mas o presidente Bolsonaro tentou mudar a atitude, após a cruel encenação de asfixia por Covid-19 em sua “live” da semana anterior.

Seus tiques e rompantes e as ações de sua trupe indicam que é tudo da boca para fora. Tentou fazer um “by pass” da responsabilidade das centenas de mortes para dividir as alças dos caixões com os governadores e prefeitos, aos quais recusou entendimento em março e abril de 2020 e em todo o suplício da população na pandemia, recorrendo à terceirização do Poder do Executivo para a cumplicidade dos líderes das duas casas do Congresso, o Poder Legislativo, e mais o Poder Judiciário, representado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, mediante a criação de um comitê de coordenação da crise.

Estava 12 meses e duas semanas atrasado. Com a exclusão dos governadores e prefeitos, como pode ter eficácia uma coordenação nacional, se é no município que a Covid-19 ataca o cidadão? Delegar a tarefa ao presidente do Congresso é covardia de reconhecer o erro monumental de gestão. Fux, como juiz, botou a bola no centro do campo. Disse que o STF não iria participar do Comitê, pois quaisquer dúvidas entre União, estados e municípios acabariam sendo dirimidas no STF. O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já disse que a política de saúde é traçada pelo presidente Bolsonaro. A responsabilidade pela vida salva ou por aquela que foi perdida cabe ao presidente. É ele, o “Jair do Caixão”, que deve deixar de “mimimi” e assumir a liderança do cortejo de caixões ou pela política de salvação nacional.

A falta de seriedade do governo Bolsonaro em assumir a maior crise sanitária e sistêmica jamais registrada em qualquer Censo do IBGE ou manchete de jornal, foi dada esta semana na participação vexaminosa do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo no Senado. O chanceler foi massacrado por 10 dos 81 senadores. Sua pasta, ignorando as regras elementares da boa diplomacia, comprou briga com os principais parceiros comerciais do Brasil – a começar pela China e a vizinha Argentina - para ficar de bem com os Estados Unidos de Donald Trump, que jamais deu tratamento preferencial ao Brasil. E também não se empenhou pela busca de vacinas mundo afora.

Ao contrário, se indispôs com os maiores fornecedores de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFAs): Índia, China e Rússia e ajudou a recusar a oferta da Pfizer, de setembro de 2020, em carta do CEO Albert Bourla ao presidente Bolsonaro, ao vice, Hamilton Mourão, aos ministros da Casa Civil, Saúde e Economia e ao embaixador do Brasil em Washington, Nestor Foster (subordinado a Araújo) para fornecer lote de 100 milhões de vacinas. Pior, cometeu um dos maiores e incompreensíveis deslizes: instruiu o representante brasileiro a votar na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a proposta da Índia e África do Sul para que os países e laboratórios abrissem mão de patentes de vacinas da Covid-19. A Índia não entendeu como o Brasil, que liderou a queda da patente para os antivirais que combatiam a AIDS, podia adotar atitude suicida ante a Covid-19. E retardou a entrega de IFAs.

A explicação pode ser encontrada na inaceitável molecagem do assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Felipe Martins, que enquanto que o presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco discursava pregando união nacional e atitudes sensatas, racionais e responsáveis, diante do avassalador avanço da pandemia, fazia, ao fundo da cena, acintosos gestos do “White Power”, usados pelos supramacistas brancos americanos da famigerada Klu-Klux-Klan. O deboche que ficou pior com a desculpa posterior do autor da molecagem (flagrada pelas câmeras do Senado) de que estava “apenas ajeitando a lapela e a gravata”. Demissão é pouco. O país é que pede o desagravo geral.

Outros quiseram aliviar dizendo que era um OK e não o gesto obsceno que o próprio presidente da República já insinuou ser o local para um repórter alojar uma pergunta incômoda (por sinal, o presidente Joe Biden deu uma aula do que é relacionamento com a imprensa – cujo papel é nada mais do que fazer a mediação entre a sociedade e os governantes).

Não à toa, numa eficiência que Trump jamais poderia alcançar com seu raivoso negacionismo, incapaz de mobilizar corações e mentes, o atual presidente americano deu sentido perfeito à frase que Dilma Roussef não conseguiu dar forma. Biden tinha uma meta: 100 milhões de doses em 100 dias; como o total foi alcançado em 58 dias, resolveu dobrar a meta quantitativa para 200 milhões de vacinas nos mesmos 100 dias, até fins de abril). Governar é isso: é traçar metas exequíveis e coordenar as ações para que virem realidade. Perfeito.

Mas o que se esperar de um governo, cujo chanceler ensinou aos ingressos no Instituto Rio Branco, a escola que forma os diplomatas brasileiros, que o Brasil deveria se orgulhar de ser “pária” no mundo, se for o “último defensor da liberdade”. Recordista mundial em contágios e mortes por Covid-19 em termos absolutos e próximo a superar os EUA, em termos relativos ao tamanho da população, o Brasil virou mesmo pária mundial.

Assim como o navio porta contêiner “Ever Given”, está encalhado qual uma baleia no Canal de Suez, atrofiando o comércio mundial que faz a rota da Europa e Brasil rumo ao Oriente Médio e à Ásia, o Brasil está sendo visto como um ponto fora da curva no mundo globalizado da interdependência das nações e das cadeias produtivas. O comércio exterior brasileiro já vinha sofrendo revezes com as atitudes estapafúrdias e estúpidas do Itamaraty. Agora, parece que a ficha caiu e só Jair Bolsonaro ainda não viu.