Por Coisas da Política

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COISAS DA POLÍTICA

Reforma sob tensões?

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Publicado em 09/03/2021 às 09:26

Alterado em 09/03/2021 às 09:26

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Da mesma forma como se admite pertinente e necessária uma reforma política estruturalizante, pois sempre foi anseio da vida pública brasileira, há certos detalhes que podem condená-la, a priori, a novos impasses. No caso presente, é preciso considerar que são apenas algumas correntes parlamentares que tentam ressuscitar a matéria, longamente esquecida; e agora retomada, num momento em que outros temas afligem a sociedade; e, se nada mais, o fato de estamos vivendo e perdendo batalha de vida ou morte com a pandemia.

(Nesta hora, a Federação já foi para o espaço; o presidente é refém de si mesmo e da família; os poderes batem cabeça; volta-se à autonomia dos governadores, como na Velha República; o Planalto, na contramão de todos, prefere desdenhar da pandemia; o país, humilhado, sofre a condenação do mundo).

Seria esta a hora para qualquer reforma? Terão a sociedade e seus representantes suficiente tranquilidade para tratar de questão tão complexa? Ou, mesmo que a tivessem, estariam emocionalmente preparados para decidir sobre o que se pretende mudar? É, no mínimo, duvidoso.

Mas, vá lá. A se tomar por base o noticiário, a PEC 376-09 chega rica de propostas, quase todas polêmicas, algumas já fartamente discutidas, nem por isso viabilizadas, mas sempre dividindo opiniões. Tratemos, por hora, de apenas de três entre as mais importantes; dessas que, desde agora, vão dando garantia de nenhum compromisso com a unanimidade.

É o caso de se pretender coincidência no calendário eleitoral, de forma que todas as votações, sejam proporcionais ou majoritárias, se deem num mesmo dia de um mesmo ano. Nessa questão avulta um ponto dos mais controversos. Os que advogam a mesma data argumentam que a Justiça Eleitoral economizaria orçamentos, e o cidadão obrigado a votar uma única vez; como se despesas com eleição figurassem como desperdício, e o exercício da visita à urna fosse grande suplício. Os defensores de eleições periódicas de dois anos certamente têm argumentos mais consistentes.

Detalhe que parece digno de observação, é que nossa educação quanto às representações políticas, muitas vezes interrompida por acidentes institucionais, carece de exercitar-se um pouco mais. Bastante observar o nível dos agentes políticos ungidos, para se ter em conta que muito temos a aprender. Votar, pois, de dois em dois anos, um direito-dever cada vez menos dificultoso, com o acesso da população aos meios de informação e aos recursos eletrônicos. É quando se vota com frequência que se conquista a capacidade de apurar o que se está decidindo. Soma-se a isso, considerar que os regimes democráticos não temem eleição, inversamente às ditaduras, que a tratam com aversão.

Outro tema, que veio prosperando à sombra de experiências mal sucedidas, de novo aventado para a pretendida reforma, é o instituto da reeleição, essa liberalidade largamente concedida para carreiras legislativas, mas restrita aos executivos. Mesmo com a ressalva de que não vivemos os melhores momentos para mexer, tão fundo, na organização político-eleitoral, vale considerar, ao menos de passagem, que a reeleição tem deixado a desejar. Demonstra sua passagem por Fernando Henrique, Lula e Dilma, que não lograram atingir, no segundo mandato, o que haviam obtido no primeiro. Para ampliar as razões que mandam presidente, governadores e prefeitos se contentarem com os quatro anos já cumpridos, é suficiente lembrar que a conquista de novo e imediato mandato jamais escapa de composições abusivas e concessões pouco ortodoxas, nada republicanas. Não há quem ouse discordar disso.

Demais, a reeleição não tem parte com a tradição brasileira. Escapou dos militares, mas no passado serviu ao continuísmo de Vargas. Por fim, se, como frequentemente se argumenta, quatro anos inibem os executivos para realizar o que têm em mente e o que prometem ao eleitorado, então que sejam contemplados com cinco anos. Tempo bastante para honrar compromissos, se para tanto forem capazes.

O terceiro ponto da pensada reforma, aleatoriamente escolhido para breve comentário, é de comovente desarrazoado. Trata-se da intenção de estender para dez anos o mandato dos senadores, que atualmente tem a duração de oito. Em que objetivo se assenta essa ideia absurda? O que pode levar o pensamento reformista a presentear a senadoria? Se há uma razão plausível, encontra-se de tal forma escondida, que nem é impossível identificá-la de imediato.

O que se compreende e se aceita na Câmara Alta é que, estando ali os representantes das unidades da Federação, faz bem que sejam três para cada estado, independentemente de expressão política e social. A trina bancada é antiga, vem da Constituição de 1891, e só em 1934 a representação caiu, momentaneamente, para dois senadores; porém, mantido o mandato de oito anos, duração, aliás, raríssima na maioria dos países em que funcionam parlamentos.

Se nada justifica esse agente da Federação manter-se na função por oito anos, pior é a tentativa de ampliá-los para dez. Quase um retrocesso ao Império, quando o senador era vitalício; precisava morrer para perder o mandato... Na verdade, o que se deve fazer é desengavetar antigo projeto de Lúcio Alcântara (PSDB-CE), que mandava a permanência do senador no Congresso retroceder aos quatro anos, tal qual o que se concede a todos os ungidos pelo voto popular.

Contudo, longe de esgotarem os prós e contras, esses e outros itens da reforma que se pretende para a política exigem longas e ponderadas discussões, o que a impede de ocupar tempo e vagar neste momento de aguda dificuldade que está vivendo a nação. É importante, mas não agora.