Artes

Por Charles Cosac

CHARLES COSAC

Trinta anos sem Leonilson

Publicado em 13/06/2023 às 12:08

Alterado em 13/06/2023 às 21:14

A exposição Instalação sobre duas figuras – trinta anos depois, na Capelinha do Morumbi, em São Paulo, relembra, em grande estilo, e algo feérico, as obras do artista plástico José Leonilson Bezerra Dias (Fortaleza, Ceará, 1957 - São Paulo, São Paulo, 1993).

Há trinta anos, falecia o artista plástico Leonilson, um dos grandes expoentes da Geração 80 – movimento que consolidou nomes da vanguarda artística brasileira da década de 1980, como Leda Catunda, Daniel Senise, Luiz Zerbini, Beatriz Milhazes, Adriana Varejão e tantos outros.

Leonilson, nascido em Fortaleza, Ceará, em 1957, radicou-se com a família em São Paulo em 1961, e desde fins da década de 1970 revelou-se um pintor, gravador e desenhista notável, que expressava, subliminarmente à sua arte, sua presença no mundo. Destacou-se ao usar a tela como suporte para seus bordados figurativos e conceituais na década de 1980.

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Vista geral da exposição Instalação sobre duas figuras – trinta anos depois, de Leonilson, na Capelinha do Morumbi, São Paulo (Foto: Sergio Guerini)

Leonilson foi, definitivamente, um dos mais importantes desenhistas do Brasil. Em 1991 descobriu-se portador do vírus HIV, e, em 1993, veio a falecer, precocemente, em decorrência de complicações da aids. Um novo olhar sobre seu corpo vai redesenhar formalmente sua trajetória – os temas intimistas se mantêm mais presentes do que nunca. (Em sua última exposição em vida, na Galeria São Paulo, estampou uma gota de seu próprio sangue contaminado na obra O perigoso, sendo chamado de “sensacionalista” pela jornalista Ângela Pimenta na revista Veja, colocando em xeque a obra artística e dividindo o público.)

Sua obra, de evidente importância para sua geração, permanece em pleno diálogo com o quadro contemporâneo. Em verdade, nesses trinta anos, a obra de Leonilson não envelheceu. Muito porque sua história pessoal, gravada em todos os seus trabalhos, reacende discussões atuais e perenes: a fragilidade da vida, os sentimentos da alma, a sensualidade táctil, o simples e o belo, a comunicação e sua massificação, a opressão social e política, as ideologias, os mitos, as utopias e esperanças... A obra, de cunho essencialmente biográfico, sobrevive, e, com ela, todas as alegorias de sua história.

A dor de uma pessoa com o vírus da aids, àquela altura, trazia a estigmatização do sujeito, sua exclusão, sua solidão. Essa dor foi abissal, e refletiu a dor de muitas outras vítimas da epidemia, inclusive, das que sobreviveram.

O artista flertou com o jornalismo nesse período. De 1991 a 1993, ilustrou a coluna semanal Talk of the Town, de Barbara Gancia, na Folha de S.Paulo, a convite da própria jornalista. Mesmo sendo comissionado e condicionado ao fato da semana, seu trabalho tinha autonomia e imprimia sua própria narrativa artística à crônica de Barbara Gancia.

A obra do artista tem sido difundida pelo Projeto Leonilson, criado no ano de 1993, com participação de familiares, amigos e críticos como Ricardo Resende, Lizette Lagnado e Ivo Mesquita – todos, corresponsáveis pela pesquisa, preservação e catalogação da obra do artista, bem como pelo sucesso que ela veio a alcançar em seu período post-mortem, embora Leonilson já tenha desfrutado do reconhecimento em vida. O Projeto Leonilson é presidido pela irmã do artista, Ana Lenice Dias, e atualmente sua obra, que também está completamente digitalizada, encontra-se em grandes coleções públicas nacionais e internacionais, além de ser motivadora de diversas publicações e filmes. Em 2018, com o precioso apoio da Galeria AD, o catalogue raisonné do artista foi publicado: dois fartos volumes acomodados em uma luva.

A repetição da exposição de 1993 na Capelinha do Morumbi, trinta anos depois no mesmo local, é uma iniciativa solene, afetiva e silenciosa, como sugere o espírito da própria instalação. Nesta retrospectiva, Instalação sobre duas figuras – trinta anos depois, creio que a inclusão de aparatos deixados pelo artista sobre o projeto, nunca visto realizado, confere um aspecto museológico, que as exposições demandam, no entanto, furtam um pouco o clima melancólico que a própria exposição propõe.

 

Serviço: Capela do Morumbi. De 27/5 a 18/06. De terça-feira a domingo, das 9h às 17h. Entrada gratuita.

Sobre a Capelinha: Construída em 1949 pelo arquiteto Gregori Warchavchik sobre as ruínas de uma casa de taipa de pilão do século XIX, localizada ao lado da antiga Fazenda do Morumbi, a Capela, nestas últimas duas décadas, tem recebido trabalhos de representantes de destaque nas artes plásticas brasileiras, como Carlos Fajardo, José Resende, Nelson Leirner e Hudinilson Jr.

 

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