CINEMA

‘O Último Azul’ conquista o Grande Prêmio do Júri da Berlinale 2025

Por RODRIGO FONSECA, Enviado Especial

Publicado em 22/02/2025 às 18:38

Alterado em 22/02/2025 às 18:38

Rodrigo Santoro e Denise Weinberg em cena de 'O último azul' Foto: Guillermo Garza / Divulgação

Faltando uma semana para o Oscar, ao qual concorre com “Ainda Estou Aqui”, o Brasil faz festa em solo alemão, ao conquistar o Grande Prêmio do Júri da 75ª Berlinale com “O Último Azul”, uma originalíssima aventura fluvial do diretor pernambucano Gabriel Mascaro, ambientada na Amazônia. Coube ele ainda o ainda o Prêmio do Júri Ecumênico e a láurea do Público Leitor do jornal “Berliner Morgenpost”. A confraria de juradas e jurados, presidida pelo cineasta Todd Haynes, dos EUA, encantou-se pela imaginação sem limites do longa nacional, que combate o etarismo sob o apoio de uma atuação inspirada de Denise Weinberg. Na hora de escolher o longa-metragem a ser agraciado com o Urso de Ouro, Haynes & cia. escolheram “Dreams (Sex Love)”, de Dag Johan Haugerud, da Noruega. Invenção também não falta ao vencedor vindo da Escandinávia.

O frio que ele mostra, contrastado por uma pulsão romântica queer, contrasta com o calor e a umidade de “O Último Azul”. “Em meio às fantasias e às projeções que se fazem da vida na Amazônia, eu entrei naquele mundo contando com um elenco local de quase 20 atores, com uma equipe de lá. É um filme muito amazônico, mas muito universal, pois arte pode combinar ruídos de diferentes culturas”, disse Mascaro ao JB, em Berlim, onde esteve, em 2019, com “Divino Amor”.

Estruturado como um river movie, por se concentrar numa paisagem fluvial amazônica, “O Último Azul” fala de uma realidade azeda com os idosos. Nela, o governo brasileiro passa a transferir septuagenários para uma colônia habitacional para “desfrutarem” seus últimos anos de vida em isolamento. Antes de seu exílio compulsório, Tereza, uma mulher de 77 anos (vivida por Denise Weinberg, numa colossal atuação), embarca em uma jornada para realizar seu último desejo: ter dignidade... para com ela ser livre. Para isso, vai se enfiar numa jornada fluvial com direito a um barqueiro de coração partido (papel de Rodrigo Santoro) e uma vendedora de Bíblias digitais (a cubana Miriam Socorrás).

Numa mensagem à imprensa, Walter Salles, hoje na disputa das estatuetas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood com o já citado “Ainda Estou Aqui”, celebrou o sucesso do colega e compatriota no planisfério cinéfilo:

“Viva Gabriel Mascaro, viva o Cinema Brasileiro, viva a criatividade maravilhosa do cinema pernambucano! O Grande Prêmio outorgado pelo Festival de Berlim a “O Último Azul” é um reconhecimento do incrível talento de Gabriel e dos nossos atores e técnicos. A continuidade é fundamental para enraizar uma cinematografia, e é isso que Gabriel Mascaro nos ofereceu hoje.

Acompanhei a premiação ao vivo pelo canal da Berlinale, e foi muito emocionante ver um cineasta tão genial quanto Gabriel receber um prêmio tão importante. Berlim 2025 também atestou a vitalidade do cinema latino-americano, com o “A Mensagem”, do cineasta argentino Iván Fund, ganhando o Prêmio Especial do Juri, e outros dois filmes sul-americanos ganhando prêmios dados pela Fipresci: “La Memoria de las Mariposas” de Tatiana Fuentes Sadowski (Peru) e “Bajo las Banderas el Sol”, de Juanjo Pereira (Paraguai)”.

Na sexta, “Hora Do Recreio”, de Lucia Murat, já havia assegurado uma conquista para o Brasil em solo alemão. Seu documentário sobre educação ganhou a menção honrosa do júri da mostra Generation. É uma aula de estrutura dramatúrgica. Murat retrata a reação de uma série de estudantes a uma pesquisa com professores da rede pública. Os jovens documentados discutem temas como evasão escolar, racismo, tráfico de drogas, bala perdida, feminicídio e gravidez precoce, além de performarem uma peça de teatro baseada no livro “Clara dos Anjos”. Houve uma menção ainda para o curta “Atardecer en América”, de Matías Rojas Valencia, uma coprodução do Brasil com o Chile.

Quem presidiu as escolhas das produções vencedoras foi o realizador americano Todd Haynes (de “Carol”), ícone da produção indie e queer dos EUA. Seu colegiado de juradas e jurados foi composto por três cineastas (a alemã Maria Schrader, que também é atriz; o marroquino Nabil Ayouch; e o argentino Rodrigo Moreno); a figurinista Bina Daigeler, egressa de Munique; a crítica de cinema Amy Nicholson, do “Los Angeles Times”; e a estrela chinesa Fan Bingbing. Todos se encantaram pela torrente lírica, de vias norueguesas, trazida pelo dulcíssimo "Dreams (Sex Love)", de Dag Johan Haugerud, o vencedor do Urso dourado. O filme é parte de um projeto que o diretor escandinavo tem criado a fim de entender modo, que abocanhou o Urso dourado. A trama faz uma ode à literatura ao narrar o processo de escrita de uma adolescente no registro (em prosa) de suas fantasias sentimentais por uma mulher mais velha.

O coletivo encabeçado por Haynes atribuiu o prêmio de Melhor Roteiro a “Kontinental '25", produzido por Rodrigo Teixeira (que assina “Ainda Estou Aqui”) e dirigido pelo romeno Radu Jude. A irônica dramaturgia dele se passa na região de Cluj, na Transilvânia. Em seu enredo, um sem-teto comete suicídio depois de ser expulso de seu abrigo no porão de uma casa. Orsolya, a oficial de justiça que executou o despejo, é impelida a fazer várias tentativas para lidar com seus sentimentos de culpa pela morte do sujeito.

Julgado por um júri paralelo, que incluiu a diretora mineira Petra Costa, o prêmio de Melhor Documentário da Berlinale ficou com “Holding Liat”, de Brandon Kramer. É a saga de uma família afoita por notícias de uma parente desaparecida em meio a um atentado terrorista.

“Tentei observar o que se passava ali e entender o quanto a expectativa era tóxica para aquelas pessoas, apesar de todo o amor que os unia”, disse Kramer.

Terminada a Berlinale, o circuito dos grandes festivais segue com Cannes, que realiza sua 78ª edição de 13 a 24 de maio, com Juliette Binoche presidindo a escolha da Palma de Ouro.

PREMIAÇÃO DA BERLINALE 2025

URSO DE OURO: "Dreams (Sex Love)", de Dag Johan Haugerud (Noruega)

GRANDE PRÊMIO DO JÚRI: “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro (Brasil)

PRÊMIO DO JÚRI: “El Mensaje”, de Iván Fund (Argentina)

MELHOR DOCUMENTÁRIO: “Holding Liat”, de Brandon Kramer (EUA, Israel), com menções honrosas para “La Memoria de Las Mariposas” (Peru) e “Canone Effimero” (Itália)

PRÊMIO PERSPECTIVES: “El Diablo Fuma”, de Ernesto Martinez Bucio (México), com menção especial para “On Vous Croit” (França)

CURTA-METRAGEM: “Lloyd Wong, Unfinished”, de Lesley Loski Chan (Canadá)

PRÊMIO ESPECIAL DE CURTA: “Ordinary Life”, de Yoriko Mizushiri (Japão)

DIREÇÃO: Huo Mong (“Living The Land”)

MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL PRINCIPAL: Rose Byrne (“If I Had Legs I Would Kick You”)

MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL COADJUVANTE: Andrew Scott, em “Blue Moon”

ROTEIRO: Radu Jude por “Kontinental ‘25”

CONTRIBUIÇÃO ARTÍSTICA: “La Tour De Glace”, de Lucile Hadihalilovi

PRÊMIO DA ANISTIA INTERNACIONAL: “The Moelln Letters”, de Martina Priessner

PRÊMIO DA CRÍTICA: “Dreams (Sex Love)”

TEDDY: “Lesbian Space Princess”, de Emma Hough Hobbs e Leela Varghes

PRÊMIO DO JÚRI ECUMÊNICO: “O Último Azul”

 

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