CINEMA
‘A Cozinha’ investe contra o indigesto sabor da exclusão
Por RODRIGO FONSECA, Enviado Especial
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Publicado em 19/02/2025 às 11:19
Alterado em 19/02/2025 às 11:19

Embatucando espectadores na 75ª Berlinale com “Dreams”, de Michel Franco, e “Olmo”, de Fernando Eimbcke, o cinema mexicano emplacou espaço em circuito na capital da Alemanha – nas salas Filmrauschpalast e Passage – com um cult que, em terras brasileiras, só encontrou vez no streaming, na plataforma MAX (a antiga HBO): “A Cozinha” (“La Cocina”). Em 2024, Berlim salivou e lambeu os beiços com a exibição dessa iguaria, direção de Alonso Ruizpalacios, na disputa pelo Urso de Ouro. A. Em 2018, o cineasta saiu premiado do evento pelo roteiro de “Museu” e, em 2021, conquistou o Prêmio de Contribuição Artística, dada à montagem de seu “Um Filme de Policiais”, lançado pela Netflix. Nenhum dos dois chega aos pés de seu novo e exuberante longa-metragem, que é falado parcialmente em Inglês, é ambientado em Nova York, mas se concentra na vida de migrantes hispânicos num ambiente de xenofobia.
Neste momento em que a série “O Urso” (“The Bear”), com Jeremy Allen White, faz tanto sucesso (na Disney +) ao explorar as tensões de quem vive do verbo cozinhar, “A Cozinha” consegue dar uma abordagem inusitada (e sociopolítica) ao tema, apoiada numa engenharia de filmagem ousada. Numa aeróbica de câmera, que lembra o “Birdman”, de seu conterrâneo Alejandro González Iñárritu, o filme de Ruizpalacios aposta num preto e branco contínuo, temperado de chiaroscuros pela cinematografia de Juan Pablo Ramírez, à exceção de um ou dois efeitos (azulados) que se fazem notar na tradução das graves crises mentais de um de seus personagens centrais, o cozinheiro Pedro. O papel é vivido por Raúl Briones.
Poço de carisma, Pedro é uma das estrelas dos bastidores do sempre lotado The Grill, casa onde se come o melhor Frango Marsala de NY e o “podrão” mais gourmetizado dos EUA. No fogão e na grelha, o anti-herói de Ruizpalacios (destaque de uma narrativa coral, na qual todo personagem tem seu solo) está sofrendo. Ele vive uma convulsão afetiva, ao saber que sua namorada, Julia (papel de Rooney Mara, de “Carol”), atendente desse empório gastronômico, quer fazer um aborto.
Sempre tenso, o chef vivido por Lee R. Sellars lidera uma tropa de funcionários de diversos cantos do mundo (sobretudo de Guadalajara, Acapulco e Cidade do México). Apesar da boa voz de comando, ele carece de empatia. Contudo, Julia se sai bem com ele e com as colegas, fazendo um truque inusitado com os cigarros que não lhe saem da boca. O problema é que a panela de pressão emocional de Pedro não dá conta das turras em que vive com ela, com o patrão e com os vetores de exclusão que o cercam. Uma acusação de roubo só piora sua vida, mas faz “A Cozinha” entrar numa espiral sociológica naturalista que ferve, a temperaturas altas, todas as angústias latinas da atualidade. Teve gente que se incomodou com a crueza com que o filme expõe corpos e com a selvageria de sua edição, mas reside nela sua potência plástica.
A Berlinale termina no dia 23, mas anuncia seus prêmios neste sábado, com base nas deliberações do júri presidido pelo diretor americano Todd Haynes. O favoritismo na corrida ao Urso de Ouro está com o Brasil, graças ao trabalho requintado do realizador pernambucano Gabriel Mascaro na aventura fluvial “O Último Azul”. A atriz Denise Weinberg arrebatou plateias no papel de uma septuagenária que foge rio adentro, na Amazônia, a fim de evitar a detenção em um centro para idosos do governo.
Foto: divulgação