CINEMA

Dia da Tailândia em Cannes; vencedores serão conhecidos na noite deste sábado

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Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 17/07/2021 às 13:53

Alterado em 17/07/2021 às 13:53

Tilda Swinton – protagonista de 'Memoria', de Apichatpong Weerasethakul Foto: Kick the Machine Films/divulgação

Os filmes do cineasta Apichatpong Weerasethakul são diferentes um do outro na sua natureza, mas o espírito místico é sempre presente, desde sua estreia com o intrigante primeiro longa-metragem, “Eternamente Sua”, de 2002, que o projetou internacionalmente.

Seguiram-se outros sucessos, como “Mal dos Trópicos” (2004), “Síndromes e um Século” (2006) e o impactante “Tio Boonmee, que Pode Recordar suas Vidas Passadas”, que lhe deu a Palma de Ouro em Cannes / 2010.

Weerasethakul está de volta à Croisette com “Memória”, que concorre à Palma de Ouro na mostra competitiva oficial desta 74ª edição do evento.

Tilda Swinton protagoniza o filme compondo um bom elenco que, entre outros, inclui Elkin Diáz e Jenne Balibar.

O filme é a história de Jéssica (Swinton), uma escocesa especialista em orquídeas que, em viagem pela Colômbia, começa a notar coisas e sons muito estranhos e, ao invés de pensar em algum tipo de ajuda, tenta ela mesma decifrar seus significados. As coisas ganham mais sentido se considerarmos Jéssica como uma substituta do próprio diretor, ou seja, um cineasta e seu questionamento sobre o poder e as limitações do meio no qual vive e atua. Em última análise, os sons perturbadores que Jéssica ouve podem ser um chamado para que ela “acorde”, forçando-a a se envolver com outras dimensões do mundo que, muitas vezes, os seres humanos não têm muita condição de explicar.

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Cineasta Apichatpong Weerasethakul (Foto: Foto: Kick the Machine Films/divulgação)

Então nos damos conta que estamos assistindo a um filme de Weerasethakul. As misteriosas letargias recorrentes em sua filmografia possibilitam sempre uma rica metáfora com o tema central. Astuto e afiado nos seus efeitos, o diretor costuma juntar fenômenos sobrenaturais com traumas e fantasias.

Na conferência de imprensa promovida pelo festival nessa sexta feira (16), Weerasethakul, acompanhado de Swinton, falou sobre o filme e o que o levou, pela primeira vez, a escolher a Colômbia como locação para um trabalho seu.

Expressando inicialmente sua satisfação com a ótima receptividade que “Memoria” teve na sua première mundial em Cannes, Weerasethakul lembrou que anos atrás já havia conversado com Swinton sobre fazerem alguma coisa juntos e, na ocasião, pensaram na Escócia e na Colômbia.

“Na verdade, eu queria realizar o filme em um país em que nós fôssemos estrangeiros, para que pudéssemos expandir nossos sentidos e desafiar nossos espíritos. Em 2017, visitei a Colômbia, conversei muito com as pessoas do país, tive a oportunidade de vivenciar os sentimentos intraduzíveis da existência e juntar todas essas experiências. Escrevi então, em um e-mail para Tilda, que tinha encontrado o lugar que estávamos procurando”, disse o diretor, explicando quais foram as diferenças que sentiu ao filmar na Colômbia.

“Inicialmente eu estava de fato com medo por não ser o meu ambiente e também o de minha equipe, mas logo descobri que eram receios infundados. Quando cheguei lá e comecei a trabalhar com meu produtor, tudo me fez sentir como se estivesse em casa. Eu me dei conta do quão universal é a linguagem fílmica e, surpreendentemente, foi uma operação bastante tranquila”, afirmou Weerasethakul, com a concordância de Swinton que, na sequência, expôs sua percepção sobre o significado da arte, e de que forma ela pode fazer as pessoas se sentirem mais livres.

“Tudo se conecta com a decisão que Apichatpong e eu tomamos no sentido de sermos alienígenas, onde quer que fossemos filmar. Até para nos separarmos de nossas próprias histórias, das preconcepções e dos nossos padrões. Esse filme é o elemento mais próximo que eu pude vivenciar ao nos colocarmos em um espaço sem fronteiras. E talvez isso se traduza também para os espectadores. É esse o resultado do trabalho que o Joey [apelido de Apichatpong] realiza e, me perdoem se estiver exagerando, mas é o que a grande arte também faz: proporcionar a oportunidade de desacelerar e apenas caminhar, dando um passo de cada vez”, detalhou a atriz.

Respondendo a uma pergunta sobre se a violência colombiana está presente no filme, Weerasethakul confirmou que ela está sempre presente, e acrescentou que não consegue evitar a comparação com a violência do seu próprio país.

“A violência me faz pensar em fronteiras e como, na verdade, elas não existem. Tivemos a possibilidade de criar imagens na Colômbia, como as da Tailândia, e que de forma muito similar carregam emoções como o sofrimento e a alegria. Eu compartilho da ansiedade e do sofrimento dos colombianos em relação à violência, mas a princípio, não sou um cineasta político. Para mim é mais importante canalizar esses sentimentos através do filme sem precisar explicar, apenas através do meu olhar”, concluiu
Weerasethakul que, como tem afirmado, reconhece o viés inusitado do seu cinema e que pode até parecer estranho para algumas pessoas, mas acredita que a resposta a ele também é muito individual, de cada espectador (a).

“Cada filme que faço tem uma recepção única, mas muitas pessoas assistem e compartilham de várias formas. As coisas devem seguir assim, não devo forçá-las a entender ou buscar interpretações”, ressalta o cultuado cineasta de 51 anos, nascido em Bangkok.

“Memória” é um possível candidato a ganhar prêmios nesta edição 2021 de Cannes, cujos vencedores serão conhecidos na noite deste sábado (17).

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