CINEMA

Novo filme de Karim Aïnouz é ovacionado em Cannes

‘A democracia brasileira respira por aparelhos. Parece que falar do Brasil hoje é falar de um ente querido que está entre a vida e a morte’, discursou o diretor

Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
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Publicado em 10/07/2021 às 11:08

Alterado em 10/07/2021 às 11:45

Tapete vermelho do filme "Marinheiro das Montanhas", de Karim Aïnouz Foto: Sebastien Nogier

“O Marinheiro das Montanhas”, de Karim Aïnouz, teve première mundial nessa sexta feira (9), na prestigiada “Sessões Especiais” da 74ª edição do Festival de Cannes.

Acompanhando de sua equipe, Aïnouz abriu a sessão com um discurso em que chamava a atenção para o grave estado em que o Brasil se encontra por conta das ações do governo federal:

“Não posso deixar de lembrar que, enquanto estou aqui celebrando com vocês, milhares de brasileiros estão morrendo por absoluto descaso deste governo fascista na condução da pandemia. A democracia brasileira respira por aparelhos. Parece que falar do Brasil hoje é falar de um ente querido que está entre a vida e a morte. O mundo precisa agir urgentemente para frear este governo, cuja maior especialidade é destruir e matar deliberadamente. Além das mais de 500 mil mortes com a covid, muitas outras vidas foram perdidas por responsabilidade direta desta necropolítica. Como acontece em governos autoritários, os artistas, a ciência e as universidades públicas foram os primeiros a ser atingidos. A produção cultural em todo o país está quase totalmente paralisada, em um ato calculado de destruição imposto pelo governo federal. Hoje o cinema brasileiro e toda a sua imensa cadeia produtiva enfrentam o desafio de sobreviver neste cenário” , discursou o diretor.

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Cena do filme 'O Marinheiro das Montanhas', de Karim Aïnouz (Foto: Divulgação)

“O Marinheiro das Montanhas” revisita as origens do cineasta a partir da relação entre seus pais, uma brasileira e um argelino. É um diário de viagem filmado na sua primeira ida à Argélia.

O filme é narrado por Karim, que lê uma carta para sua mãe, Iracema, já falecida, transformada em uma companheira imaginária de viagem. Enquanto relata e comenta episódios da jornada, ele reativa memórias familiares e revela os muitos sentimentos contraditórios que marcam o seu percurso. O longa faz uma costura fina entre a história de amor dos pais do diretor, a Guerra da Independência Argelina, memórias de infância e os contrates entre Cabília (região montanhosa no norte da Argélia) e Fortaleza, cidade natal de Karim e de sua mãe. Passado, presente e futuro se entrelaçam em uma singular travessia.

Em junho último, quando a seleção do filme foi anunciada, na entrevista exclusiva ao JORNAL DO BRASIL Aïnouz havia dito que, de alguma forma, “O Marinheiro das Montanhas” é seu primeiro filme.

“O filme que sempre sonhei em fazer e que só consegui realizar muitos anos depois. Essa história de amor entre os meus pais habitou meu imaginário desde que eu me entendo por gente e, de alguma forma, transformá-la em filme foi o que me levou para o cinema”, revelou o cineasta na ocasião, complementando agora com a memorável sessão de première do filme.

“Uma emoção gigante ter tido essa recepção e esses encontros que tivemos aqui hoje. O que eu poderia esperar mais de um filme do que isso? A recepção foi de um calor maior do que o calor de Fortaleza”, ressaltou o diretor após a emocionada reação da plateia que ovacionou o filme.

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