CAIO BUCKER

Não olhe para cima

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Por CAIO BUCKER

Publicado em 06/01/2022 às 10:17

Alterado em 06/01/2022 às 10:17

Caio Bucker JB

Fiquei pensando qual seria a primeira coluna do ano. Qual tema posso desenvolver para começar 2022 com a boa e velha escrita? Ainda não havia decidido, quando logo após a virada, li o primeiro texto de Joaquim Ferreira dos Santos, que começava dizendo: “Não olhe para cima, olhe para frente.” Bom demais, por sinal, e na hora relacionei com o filme mais falado do momento: “Não olhe para cima”. Toda hora aparece um meme no instagram ou alguém fala sobre, e eu ficava boiando. Resolvi assistir. A produção da Netflix dirigida por Adam McKay conta a história de Randall Mindy (Leonardo DiCaprio), um professor universitário, e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), uma estudante que vai prestar concurso ao doutorado de astronomia que descobre um cometa prestes a atingir o Planeta Terra, em 6 meses, acabando com a vida. Com a ajuda do Dr. Oglethorpe (Rob Morgan), procuram o governo e a mídia para tentar solucionar o problema. E logicamente, ninguém se importa. Não se importam com a informação, talvez pelo fato de serem desconhecidos e não relevantes dentro daqueles critérios. Ou não se importam com o fim do mundo, como em muitos casos verídicos.

 

Macaque in the trees
Cena do filme "Não olhe para cima"' (Don't Look Up), de Adam McKay (Foto: divulgação)

 

Se me pedissem para taguear palavras e frases que definem o filme, eu jogaria várias delas no ar. Uma sátira, e das boas. Uma comédia que se torna uma grande paródia da maneira mais real possível. Um tema apocalíptico. Uma crítica política. Uma denúncia social. Uma película contemporânea. Um elenco recheado de estrelas. Um filme libertário que vem dividindo opiniões aos extremos - ou amam ou odeiam. Ah, sem contar que teve gente que não entendeu a complexidade do filme. Mas, que complexidade? Justamente por ser uma sátira, se torna algo simples e escancarado. Sinto que muitos pegaram algum recado subjetivo e preferiram pelo não entendimento forçado, dizendo que é um filme cult demais, ou feito para pessoas de uma esfera política determinada. Já ouvi até gente falando que o filme fala para comunistas. Que saco esse papo de comunismo sem sentido. Podiam ao menos estudar um pouco antes de soltar tanta asneira por aí. O problema central e científico do filme não é o comunismo, isso eu tenho certeza. Muitos associaram o tema do fim do mundo com o negacionismo da vacina e as fake news, e com isso, apresenta símbolos vistos recentemente no Brasil.

O filme faz um esforço consciente em criticar todos os lados, verdade seja dita. A presidente, interpretada pela grande diva Meryl Streep, vem como uma mistura de Clinton, Trump e Biden. É realmente uma crítica ao governo norte-americano, que pode servir também como uma crítica ao nosso atual governo brasileiro. Vemos mais uma vez a ciência determinando uma catástrofe e a sociedade como um todo ignorando o problema. Apresenta um mundo satírico, fantástico e surreal, algo comum nos dias de hoje. Já disseram também que o longa foi feito para falar mal do Brasil. Eu sei que motivos não faltam, mas gente, não viaja! Não perderiam mais de 70 milhões de investimento para criticar nosso presidente, que se detona cada vez mais sozinho. Eles apenas colocam um governo desinteressado com a situação apresentada, e interessado apenas nas eleições. Ao verem uma possibilidade de crescimento nas urnas usando aquela tragédia, mudam logo de posição. E desde quando isso é novidade? Políticos interessados por tudo a qualquer custo nas vésperas de eleições é mais antigo do que andar a pé.

A caricatura de personagens que fazem refletir a nossa vida real, como os apresentadores do jornal, me faz refletir o que nos é entregue no entretenimento e nos meios de comunicação. Onde estamos errando? Ou como, por exemplo, o véio empresário milionário que parece um gênio desprendido, mas na verdade, é uma junção de vários empresários conhecidos, que andam carregados de hipocrisia. A cena do comandante militar também é interessante, onde ele cobra por um salgadinho que era gratuito. Uma sátira contundente que mostra a realidade do pelotão que vende o peixe de ser sempre correto. É difícil olhar incólume para os temas apresentados. Ele incomoda sim, mas de forma leve e irônica. O colega Léo Aversa definiu muito bem: “É o filme certo na hora certa. Uma obra necessária. Don't look up (título original) descreve com exatidão o mundo bizarro que estamos vivendo em 2021, de pandemia e negacionismo, ódio profundo ao conhecimento e exaltação frenética à ignorância." E olha, perguntas não me faltam. Por que as pessoas ainda negam a ciência? Qual o papel da mídia e da comunicação nisso tudo? Será que o sensacionalismo precisa estar sempre na frente? Como que a politicagem atropela e atravessa questões tão importantes?

Quando fiz um post sobre o filme, um cidadão me escreveu dizendo que não se considera negacionista. Se considera cético. Vejo que agora é moda trocar alhos com bugalhos, afinal de contas, existe uma grande diferença entre o ceticismo e o negacionismo. Pela Filosofia, o ceticismo é um estado de quem duvida de tudo, de quem é descrente. Um indivíduo cético caracteriza-se por ter predisposição constante para a dúvida, para a incredulidade. É um sistema filosófico fundado pelo filósofo grego Pirro, e tem por base a afirmação de que o homem não tem capacidade de atingir a certeza absoluta sobre uma verdade ou conhecimento específico. O cético questiona tudo o que lhe é apresentado como verdade, mas pode até buscar uma verdade. Já o negacionismo é bem diferente. Trata-se do ato de negar um fato ou um conjunto de fatos, normalmente aceitos e comprovados pela ciência e pela academia, em razão de uma postura mais vinculada à experiência sensorial imediata ou à simples crença, e principalmente pelo desconforto em relação à realidade. O negacionista não quer acreditar em algo por ser desconfortável, ou se recusa a acreditar por não saber diferenciar o conhecimento científico racional do conhecimento de senso comum. É o caso do bolsonarismo.

Nesses dias, entrar nas redes sociais sem se deparar com alguma repercussão do filme em questão, é quase impossível. A própria obra reforça a polarização que vem tomando conta da mídia, com críticas e interpretações diversas de um lado, e exaltações à forma como se propôs a retratar todo esse negacionismo e o tratamento político de questões sociais de outro. Memes relacionados ao Brasil, então, têm de sobra. E com razão. Mas não, eles não quiseram falar da gente. Isso só mostra que essa situação surreal é universal. O diretor chama atenção do público da maneira mais ampla possível, assim como da linha mercadológica da atual forma de consumo. A comunicação inteligente, o pensamento crítico e reflexivo, o aprofundamento e o desenvolvimento de temas e discussões, não existem. Tudo é propaganda, tudo é capital. Se algum post no instagram não prende sua atenção em segundos, ele é passável, e se tem mais de duas linhas, é longo. Se alguém não te interessa mais, cai fora. E joga fora no lixo. Este tom da dinâmica social contemporânea na própria linguagem da obra, reforça discussões envolvidas no enredo do nosso dia a dia. A superficialidade ali se faz presente para tentar, mais uma vez, mostrar o quanto a vida anda líquida, e frenética demais. Nem vou começar a falar do Bauman. Deixarei para escrever mais sobre ele depois. O filme é válido para assistir, mas vê se tira um tempo para refletir também. Respira, que a vida pode nos surpreender de vez em quando, como a cena do paraíso que entra nos créditos. Que viagem! Mas, não vou dar spoiler, então encerro por aqui. E aguardo para ver qual bicho vai me comer.

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