CAIO BUCKER

Filosofando no banheiro

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Por CAIO BUCKER, [email protected]

Publicado em 11/11/2021 às 09:04

Alterado em 11/11/2021 às 09:04

Caio Bucker JB

Eu sempre quis escrever um livro. São muitas ideias e pensamentos que não param quietos. São muitas histórias e situações que merecem ser contadas, pelo menos eu acho que valem. Já passei cada coisa nessa vida que ninguém explica. Além disso, desde garoto entrei no mundo da arte, comecei a lidar com gente grande e como gente grande, e dali em diante, muita coisa aconteceu, muita experiência passei e tudo isso me fez ser quem eu sou hoje. Eu gosto de contar histórias, amo ouvir histórias, e acho que estamos nesta vida para isso. Para ter o que contar, o que passar adiante, compartilhar ideias e vivências, elucubrar temas que não são tão falados e até mesmo sentar num boteco para beber uma cerveja, desde que tenha uma sonoridade interessante. E na maioria das vezes, elas vêm com histórias e pensamentos. Tentei rascunhar minhas divagações algumas vezes. Já havia pensado em diversos livros diferentes. Mas nada que me fizesse fazer sentir realmente. Até que eu conheci um dos maiores atores do Brasil: Tonico Pereira. Esse homem tem muita história! E muita ideologia em cima da sua simplicidade única e tipicamente brasileira de um ator que acha que é um cidadão comum. E é mesmo. Mas se todos tivessem um terço de sua inteligência e opinião, o mundo estaria melhor, com certeza.

 

Macaque in the trees
Tonico Pereira em ensaio do espetáculo 'O Julgamento de Sócrates' (Foto: Victor Pollak)

 

“Tonico Pereira na verdade não existe”. Assim começa o prefácio do livro “Primeiro
(e talvez o último) almanaque à mão das Toniquices do Pereira”, de 2017. Este é o livro biografia do Tonico, e o prefácio foi escrito pelo mestre Geraldo Carneiro. Tonico diz que o livro é uma bosta, e o melhor é justamente o texto escrito pelo Geraldinho nas primeiras páginas. Li diversas vezes. A partir dali comecei a conviver com Tonico. Eu queria montar um texto inspirado na obra de Bukowski, e pensei no Tonico para viver o autor maldito que tem tudo de bom e tudo de ruim ao mesmo tempo. Mas o projeto não foi adiante, colocamos a ideia na gaveta e seguimos. Até que o Ivan Fernandes, autor e diretor, me liga e diz que está afim de montar uma adaptação de “Apologia a Sócrates”, de Platão. E tinha pensado no Tonico para fazer o filósofo que ficou famoso com sua máxima “Só sei que nada sei.” No dia primeiro de Janeiro de dois mil e dezessete, no final da tarde, com vinhos e amendoins, rolou a primeira leitura do texto. Brilhante! Vamos fazer? Vamos! Foi assim, espontâneo, de forma única e certeira que estávamos criando um monstro.

Nasceu “O Julgamento de Sócrates”, monólogo inspirado na obra de Platão, onde Tonico interpretou o filósofo com maestria e com sua simplicidade que deixa tudo mais bonito. Ali, comemoramos seus 50 anos de carreira e vencemos seu medo em fazer monólogo. É sério. Ele chegou à conclusão que mesmo em um monólogo, o ator nunca está sozinho: ele tem a plateia. A obra do Platão é realmente fantástica, e o Ivan adaptou muito bem. Mas o que mais me fazia refletir sobre a vida e sobre a arte era o momento camarim antes das apresentações. Com café e cigarros, Tonico proseava, às vezes sentado no vaso e outras deitado no colchão, mas sempre vestindo sua cueca samba-canção cor de vinho. Acho que os encontros com Sócrates eram assim: questionadores e divertidos. A partir daquele momento, vi que o Tonico tinha muitas ideias além da caixa. Ele precisa ser lido, ser ouvido, ser assistido. Ele diz que é impossível conviver com ele sem lhe ensinar nada. Bonito isso. Mas também é impossível conviver com ele sem aprender nada. Ele vê a arte e o teatro de forma única. Se lhe pedissem para escolher uma palavra que definisse o teatro, eu tenho certeza que a palavra escolhida seria “liberdade”. Teatro é liberdade, e liberdade é autonomia, é emancipação. Seus pensamentos são assim: livres. Vagam sem destino e não escolhem onde vão parar. Ele fala pra todo mundo em sua pluralidade mais sincera. Os caretas podem não gostar tanto. E os que não entendem de ironia...ah, esses não vão entender quase nada.

Sócrates é um filósofo que nunca escreveu nada, e Tonico diz ser socrático por também não ter escrito nada. Nem lido quase nada. Mas ele fala que é uma beleza! Acredito que a melhor forma de conhecer alguém é assim: pelos pensamentos e ideais. Decidi observar e transcrever tudo, de 2014, quando ele começou a gravar seus pensamentos, até ontem, porque ele não para de pensar. Ainda bem, né? Tonico faz uma verdadeira filosofia de banheiro, refletindo sobre a vida, a morte, a velhice, o teatro, a política e o ser humano. Capturei tudo isso em
conversas de camarim, viagens, telefonemas na madrugada e em seus vídeos, que ele grava
quase sempre deitado na cama ou no lavabo, também conhecido como seu escritório. Assim
nasceu a ideia do meu primeiro livro, finalmente. Sim, nasceu meu primeiro livro, onde resolvi organizar e adaptar os pensamentos e ideias de Tonico Pereira. Eu não poderia deixar de registrar essa obra-prima no papel, a forma mais popular e democrática possível, assim como ele. E assim como o teatro.

Ali, temos um pouco de tudo, e muito de vida. Me inspiro em cada palavra e movimento deste grande ator que se tornou um grande mestre e amigo. Ah, eu digo que ele é um dos Sócrates da minha vida. E é mesmo. Enviei o projeto para algumas editoras, e tive a honra de ter a parceria da editora Vermelho Marinho. Tomaz Adour, presidente da editora e da LIBRE - a Liga Brasileira das Editoras - me ligou dizendo que tinha lido o projeto em uma noite, e que era incrível. “Vamos publicar?” Óbvio. Fechamos a melhor das parcerias, e no próximo mês, lançaremos “Filosofando no Banheiro: O Livro de Pensamentos de Tonico Pereira”, um registro que se torna mais que necessário nestes tempos tristes e caretas que vivemos. Um registro de quem viveu uma vida com intensidade, com dignidade, com amor e respeito. Esse livro tem uma responsabilidade dupla pra mim, pois o prefácio é meu. Escrever alguma coisa depois de um texto do Geraldo Carneiro, que escreveu o prefácio do primeiro livro do Tonico; e escrever sobre o Tonico. Agora, mestre Geraldinho, pela primeira vez vou ter que discordar de você. o Tonico existe sim. E ele tá vivo demais!

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