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Livro - 'É sempre a hora da nossa morte amém' discorre sobre finitude, memórias e afetos

Romance de Mariana Salomão Carrara – autora do consagrado 'se deus me chamar não vou', também publicado pela Editora Nós, que ficou entre os dez indicados ao Jabuti em 2019 – traz reflexões complexas em linguagem leve

Por LÍDICE LEÃO, [email protected]
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Publicado em 20/08/2021 às 12:12

Alterado em 20/08/2021 às 12:12

O romance de Mariana Salomão Carrara discorre sobre a finitude e como cada um de nós a encara Foto: reprodução

Uma história cheia de memórias – verdadeiras ou falsas? –, dores, reflexões e questionamentos. Desde a primeira linha de "É sempre a hora da nossa morte amém" (240 páginas), de Mariana Salomão Carrara, a leitora e o leitor são convidados a entrar nos pensamentos da narradora, que também é a protagonista, e a tentar entender junto com ela o que aconteceu no mundo real e o que foi fato criado na sua cabeça. Tudo a partir das conversas entre Aurora, que no momento vive em um abrigo público para idosos, e a assistente social Rosa, funcionária que constrói uma relação de afeto com a personagem e se dedica a procurar devolvê-la ao convívio familiar.

Aurora foi encontrada vagando pelas ruas da cidade e, nas palavras de Tati Bernardi, que escreveu a orelha do livro, “para uma amnésica, Aurora recorda-se de muito: da mãe que escovava seus cabelos até parecerem ‘uma peruca eletrizada’; do seu ato falho trágico religioso, de quando rezava na infância e dizia ‘agora é a hora da nossa morte amém’; dos anos em que deu aula de português em uma escola de riquinhos; da sua covardia perante a ditadura militar: ‘este país insiste que temos de arriscar a nossa própria vida, parece que esquece que tudo que temos é essa miséria da própria vida’”.

No decorrer da história, Aurora lembra de Camila, que ora diz ser sua filha – “Camila tinha uma cor ensolarada, puxada do pai, um cabelo forte que crescia rápido na frente dos olhos e eu mandava que cortasse a franja, mesmo já moça eu insistia com a coisa da franja porque ela andava de bicicleta com o cabelo no olho e a gente põe filhos no mundo pra andarem de bicicleta, as cabeças debaixo dos pneus dos ônibus, tudo porque não cortaram a franja e enxergam mal, um charme” – ora afirma ser a sua amiga de infância – “Camila sempre foi adorável e agora deve estar uma velha divertidíssima, ficou viúva no momento correto, já sem paixão, só um amor gastadinho, bem usado, numa hora em que ela já era velha o bastante pra ter entendido que não precisava de homem, mas Camila teve um filho, ele mora no México, ou era Novo México, aposto que isso faz toda a diferença mas infelizmente não tenho como lembrar um detalhe desses, Camila vai perdoar, ela perdoa cada coisa”.

Tati Bernardi lança a dúvida: “Seriam essas lembranças reais ou ela decorou dos muitos livros que leu, protegida, dentro de casa, dos infinitos perigos que existem lá fora? Camila, afinal, é a filha morta (que morreu de suicídio, de picada de escorpião, de acidente na estrada, de atropelamento de boi, de comida muito quente na cabeça, de fungo de pombo, de queda de coco, de cambalhota ou pirueta entre duas camas) ou a bela amiga (...)?”

Desta forma, o leitor e a leitora são sugados pelas confusões de memórias de Aurora e embarcam na mesma angústia que acompanha a narradora protagonista e a assistente social Rosa.

O romance de Mariana Salomão Carrara discorre sobre a finitude e como cada um de nós a encara. É sempre a hora da nossa morte amém também é sobre afetos familiares, sentimentos dúbios e incoerentes, tão próprios de toda e qualquer subjetividade. As boas lembranças se mesclam às más e a ficção que é a memória vai sendo construída em um ambiente cheio de altos e baixos.

Sobre a autora:
Mariana Salomão Carrara é paulistana, defensora pública, nascida em 1986. Publicou um livro de contos, Delicada uma de nós (2015) e os romances Fadas e copos no canto da casa (2017) e se deus me chamar não vou (que ficou entre os dez indicados ao Jabuti em 2019, Editora Nós). Por seus contos e poemas, recebeu prêmios nacionais como o Off-Flip (2012), o Sesc-DF, o Felippe D’Oliveira (2015 e 2016), o Sinecol, e o Josué Guimarães. Recebeu, ainda, o 2º lugar no Prêmio Guiões de Roteiros em língua portuguesa (Portugal, 2019) pelo roteiro de longa-metragem É lá que eu quero morar.

Sobre a Editora Nós:
Criada pela jornalista e escritora Simone Paulino, a Nós é uma editora brasileira conhecida por seus projetos literários inovadores. Nas publicações da Nós se destacam a qualidade editorial e gráfica, e principalmente a missão de interferir na formação cultural dos leitores e na sociedade, por meio da articulação transparente, democrática e inclusiva de parceiros que também compartilham deste ideal. Sempre em busca de um intercâmbio cultural e intercontinental, a Nós marca presença constante em países da Europa, como França, Itália e Portugal, onde acaba de abrir seu primeiro escritório fora do Brasil.

Lançamento:
O livro É sempre a hora da nossa morte amém será lançado no dia 24/08, às 19h, em uma conversa entre a autora, Mariana Salomão Carrara, e o jornalista Chico Felitti. O evento será transmitido ao vivo no YouTube da Livraria Megafauna, em uma realização conjunta entre a Nós e a livraria.

Ficha técnica:
É sempre a hora da nossa morte amém (240 páginas)
Autora: Mariana Salomão Carrara
Editora Nós

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