CADERNOB

Anna Muylaert revela os desafios para realizar ‘Alvorada’

Entrevista exclusiva

Por MYRNA SILVEIRA BRANDÃO
[email protected]

Publicado em 16/04/2021 às 13:13

Alterado em 16/04/2021 às 13:15

Filme mostra a intimidade de Dilma Roussef nos dias que antecederam o golpe que a tirou da Presidência da República Divulgação/Festival É Tudo Verdade

“Alvorada”, de Anna Muylaert e Lô Politi, integra a mostra competitiva brasileira do Festival de Documentários É Tudo Verdade, que está sendo realizado no formato on-line e com acesso gratuito ao público.

O filme mostra, na intimidade do Palácio da Alvorada, o cotidiano da presidente Dilma Rousseff, primeira e única mulher a governar o Brasil, durante o desenrolar dramático do impeachment que a tirou do poder.

Rodado entre julho e setembro de 2016, as diretoras testemunharam a tensão e a perplexidade no círculo da presidente, em reuniões, telefonemas intermináveis e sussurros ouvidos da cozinha à guarda do palácio. Ao mesmo tempo, revela uma personalidade surpreendente de Dilma nas conversas informais em que ela fala de política, história, literatura e de si própria.

Macaque in the trees
A diretora Anna Muylaert (Foto: Divulgação/Festival É Tudo Verdade)

“Alvorada” – sexto longa-metragem de Muylaert e segundo de Politi – é um filme importante, oportuno e fundamental inclusive para futuramente subsidiar estudiosos na releitura da História.

Em entrevista exclusiva para o JORNAL DO BRASIL, Anna Muylaert revelou as razões para terem feito o filme, os desafios que precisaram enfrentar e a importância dos documentários na reconstrução de fatos históricos.

O que levou vocês a esse aprofundamento de fatos tão importantes, a revivê-los, enfim qual a principal razão para realizar “Alvorada”?

Nós tínhamos acesso a Dilma no Palácio da Alvorada no período em que ela ficou afastada do cargo de presidente, antes de sair após o veredito final do Senado.

A gente quis registrar – acho que várias diretoras mulheres quiseram registrar aquele período – que era claramente um período fatídico porque estavam tirando uma presidente sem crime de responsabilidade – em nome do quê? –, então era claro que aquilo tinha uma importância histórica e infelizmente desastrosa.

E a gente foi pra lá documentar isso. O filme da Petra retratou o ambiente geral da democracia (“Democracia em Vertigem”, de Petra Costa); o da Guta descreveu o processo (“O Processo”, de Maria Augusta Ramos); o nosso filmou a casa da presidente, o funcionamento desse espaço de poder nesse momento de ocaso do mandato dela.

Houve certamente desafios para realizar o filme. Qual o maior deles?

Foram todos os desafios, é um filme de urgência, de emergência. Não tinha dinheiro, a gente teve que colocar do nosso bolso.

Foi uma equipe formada ali no calor da hora: ninguém tinha trabalhado junto anteriormente; ninguém tinha muita identidade com ninguém. Mas a gente conseguiu, apesar das diferenças, realizar o filme.

Também teve a dificuldade no fato da Dilma ter aceitado fazer o filme, mas quando ela entendeu o que era ter uma equipe dentro da casa dela todo o tempo, foi difícil. Tinha as expectativas das pessoas, a questão do som e a questão política mesmo, porque o que estava se filmando era muito difícil.

E ainda, como eu disse, toda a dificuldade do dinheiro, da burocracia... Enfim, esse filme foi bastante complicado pela sua própria natureza de ser um filme de urgência.

O gênero documentário é um dos maiores preservacionistas da história de um povo. “Alvorada” pode ajudar a reescrever essa história?

Com certeza. Eu acho que vários documentários reescreveram histórias. Por exemplo, lembro o “Loki: Arnaldo Baptista” (de Paulo Henrique Fontenelle), que trouxe o Arnaldo Baptista de novo para o palco, ele estava fora há muitos anos.

Agora mesmo saiu o “MLK/FBI” (do Sam Pollard) que mostra as investigações do FBI nos últimos dois anos da vida do Martin Luther King, e é também bastante revelador.
No nosso caso, é um dos filmes que está sendo chamado “cinema do golpe”. Cada um mostra um aspecto e o nosso é o que consegue chegar mais perto da pessoa Dilma Rousseff. Eu acho importante isso porque ela foi a primeira presidente mulher da história do Brasil. E ela foi tirada sem crime de responsabilidade.

Portanto, eu acho que ela será estudada pelo resto da nossa história e muito também pelo movimento feminista. Eu acho que ter conseguido chegar um pouco mais perto dela foi um dado importante pra gente construir a imagem da Dilma de uma forma mais fidedigna.