ARTES

Sonhos não envelhecem

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Por PATRÍCIA SECCO

Publicado em 13/11/2025 às 11:43

Alterado em 13/11/2025 às 11:43

Alunos da escola de arte do Vidigal conferindo o mural com as suas pinturas Foto: Marcoz Gomez

Na última semana de outubro, o Rio de Janeiro viveu mais um dia de guerra. Tragédia que se alonga por anos e anos. Nenhuma novidade para a sociedade carioca e de todo o Estado, mas, dessa vez, a violência e a brutalidade ultrapassaram todos os limites do aceitável e suportável, fazendo-nos lembrar o que tem enfrentado o povo de Gaza, formado, em sua grande maioria, por pessoas inocentes, indefesas e honestas, por famílias inteiras que vivem suas rotinas de trabalho, estudo e lazer como as das comunidades carentes não só do Rio mas as de todo o Brasil.

Para os privilegiados da sociedade, grupo no qual me incluo, o medo se traduz em silêncio e sobressalto; para os moradores das favelas, em feridos e mortos, como viveram no dia 28 de outubro as comunidades da Maré e da Penha, que foram novamente palco de uma tragédia que parece não ter fim. Fico pensando que se cada um de nós, dentro da bolha confortável das classes A e B, imensa minoria desse país, doasse um pouco do seu tempo e poder financeiro, talvez esse império da criminalidade diminuísse. Por isso, quando retornei ao Brasil, em 2014, não descansei enquanto não coloquei a mão na massa para transformar meus sonhos em realidade, meu projeto de dar a minha contribuição em algo concreto.


Na sala de aula com meus alunos da escola de artes no Vidigal Foto: Marcoz Gomez

Meu amigo Laelson — um verdadeiro anjo da guarda — conseguiu um espaço no Vidigal, favela que divide as zonas sul e oeste do Rio, na comunidade que tem bastante influência e conhecimento, para que eu desse aulas de arte às crianças do número 314 e, desde então, as minhas quartas-feiras são dedicadas a subir os duzentos metros do morro para doar o que tenho de mais precioso: criatividade e esperança.

São crianças de 05 a 13 anos, cada uma com uma história mais dura que a outra. Mas ali, por algumas horas, elas ganham um tempo de felicidade em um espaço com conforto e segurança. Mergulham no mundo da fábula, pintam sonhos coloridos, misturam aquarela, acrílico e lápis de cor em olhares que brilham mais do que qualquer céu de nossa querida cidade.

No ateliê, que montei com muito carinho, cada uma delas cria o próprio universo – e, naquele momento "agora", tudo é possível. A arte vira refúgio, escudo e redenção. Suas armas são a criatividade que dispara flores e gestos de amor. Nas quartas-feiras, acordo feliz. Passo o dia com elas e reaprendo que a vida é boa, sim. Que presta, sim. Que vale a pena, sim. À noite, em casa, adormeço leve, como se deitasse sobre uma nuvem — e meus sonhos sempre viram histórias em quadrinhos... e, como os do querido Lô Borges, não envelhecem.


Mural da escola de arte do Vidigal com os trabalhos dos alunos. Foto: Marcoz Gomez


Um dos alunos da escola de arte da comunidade do Vidigal. Foto: Marcoz Gomez

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