ARTES

O gigantismo de César Baldaccini

...

Por PATRÍCIA SECCO

Publicado em 29/10/2025 às 13:56

Alterado em 29/10/2025 às 14:22

'As obras de César Baldaccini me transmitem a sensação de que o humano é grandioso' Foto: Ulf Andersen / AFP

.

A arte sempre foi o eixo que deu sentido à minha vida. Comecei pela arquitetura, trabalhando com o arquiteto Paulo Casé — fascinada pelas formas e estruturas —, mas logo percebi que era no desenho artístico que a minha alma realmente se expressava.

Em 1990, mudei-me para Washington, D.C., e foi na América que um simples quadro em aquarela transformou tudo. Diante daquela transparência de cores, decidi que faria outra faculdade e ingressei na Corcoran Institute of Art, uma das mais conceituadas dos Estados Unidos. Após minha primeira exposição, ainda durante o curso, entendi que havia me tornado uma artista plástica. Longe dos meus amigos cariocas, descobri que a arte me salvou. A arte salva.

E talvez a arte também tenha salvado César Baldaccini — o personagem desta minha primeira coluna periódica que escrevo para o JORNAL DO BRASIL. César foi um brilhante escultor francês ligado ao movimento Nouveau Réalisme, famoso por ampliar objetos do cotidiano e trabalhar com materiais industriais como sucata e metal.

Uma de suas obras mais conhecidas é Le Pouce (O Polegar, 1965), uma escultura de bronze gigantesca representando um polegar humano ampliado, exposta em vários locais ao redor do mundo. O uso do polegar em escala monumental remete à glorificação do humano, à ironia entre o cotidiano e o grandioso. Sua técnica envolve moldes ampliados, metal fundido e um diálogo potente entre a figura humana e os materiais industriais.

Meu primeiro contato com o trabalho de César Baldaccini aconteceu quando morei em Marselha, na França, em 2012. Certa manhã, ao caminhar pela rua onde morava, deparei-me com uma escultura enorme, linda, maravilhosa — um polegar de bronze. A força daquela obra me marcou profundamente. Mais recentemente, voltei a encontrar outra escultura dele, também de um polegar, exposta em Copenhague, na Dinamarca, no Louisiana Museum of Modern Art. Ali, a escultura dialogava com o ambiente externo — o jardim e a paisagem —, reforçando a ideia da arte integrada à natureza e à escala humana.

As obras de César Baldaccini me transmitem a sensação de que o humano é grandioso. Esse “simples” polegar me faz pensar sobre a humildade que precisamos ter, mesmo diante da fama ou da notoriedade. Suas obras me inspiram pelo impacto e pelo volume com que são criadas e produzidas.

Quando também crio e produzo minhas esculturas e instalações, busco provocar esse mesmo impacto no espectador — como na minha escultura de um homem em tamanho natural ou nas instalações Metamorfose, sempre de grandes proporções.

O gigantismo de César Baldaccini não está apenas em suas esculturas monumentais, mas também em sua imensa criatividade e na força com que a arte se manifesta em sua obra. Não por acaso, o nome do escultor foi escolhido para batizar o prêmio máximo da indústria cinematográfica francesa: o César Award — o equivalente ao Molière (do teatro) e ao Victoires de la Musique (da música). O próprio Baldaccini foi o criador do troféu que leva seu nome e celebra os melhores do cinema francês.

E, se um dia o leitor for a Paris e decidir visitar o famoso Cimetière du Montparnasse, que abriga grandes personalidades das artes, e se deparar com o túmulo de César Baldaccini, saiba: foi o próprio artista quem criou e produziu sua última morada.

Deixe seu comentário