ARTIGOS
A floresta em pé: como a COP 30 revolucionou as finanças climáticas
Por SILVIA PINHEIRO
Publicado em 27/11/2025 às 16:21
Alterado em 27/11/2025 às 16:21
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Para os que acompanharam as COPs e não acreditavam que um dia empresas e bancos pudessem se interessar na floresta em pé, ao invés de no chão, a COP 30, em Belém, surpreendeu.
Fundos de investimento, corretoras, bancos, empresas mineradoras nacionais e internacionais, frigoríficos, indústrias do petróleo, papel e celulose entraram “com os dois pés” no ecossistema das finanças climáticas.
Os cortes nas doações e o negacionismo ambiental do governo Trump II, somado à timidez de uma Europa, com prioridades na defesa, interromperam projetos importantes para o desenvolvimento sustentável em regiões do sul global.
Investimentos chineses em tecnologias para a redução de emissões e de transição energética, chamaram a atenção para este novo ator do capitalismo global, que desafia paradigmas no campo da sustentabilidade.
É nesse contexto de mudanças que mecanismos de mercado foram criados para solucionar os complexos desafios climáticos de dimensão planetária.
Lançados em 1992, na primeira COP, a Rio 92, no Rio de Janeiro, sofisticaram-se e agora estiveram nos discursos e falas do setor privado e mídias de comunicação na COP, em Belém.
Porém, as soluções de mercado não são as “balas de prata” que irão conter o desmatamento e reduzir emissões globalmente. Ao contrário, sozinhas, podem trazer riscos.
Chama-se atenção para o afastamento do Estado no exercício de suas atribuições e para o enfraquecimento de políticas públicas, de reconhecimento de áreas de proteção, demarcação de territórios indígenas e assentamentos da reforma agrária.
Tais políticas que regulam destinações de florestas em abandono são conquistas de pequenos agricultores e moradores das florestas, de anos de luta e de atuações conjuntas com as organizações não governamentais, com o apoio de setores da igreja católica.
Chama a atenção, também, a tentativa de transformação dos povos originários, das populações tradicionais e dos moradores das florestas, em prestadores de serviços. Seus serviços são “valorados” por terceiros e por hectares de florestas precificados por metologias que, possivelmente, desconsideram aspectos inerentes às suas culturas e aos seus modos de vida.
Pesquisa recente realizada com grupos comunitários, indígenas, extrativistas e agricultores em projetos de assentamento, aponta que, da totalidade dos entrevistados, 51 foram abordados por investidores em créditos de carbono. A maioria manifestou insegurança, e a necessidade de obtenção de mais informações, antes de firmar parcerias, ressaltando que a demarcação de seus territórios seria a prioridade e forma mais eficiente de combate ao desflorestamento.
Termos e expressões como, precificação da floresta em pé, valoração de serviços ambientais ou ecossistêmicos, títulos verdes, passivo ambiental e certificados que permitem sua compensação. Essas palavras estiveram no vocabulário do mercado financeiro e de empresas, na COP30. Somaram-se, a isso tudo, os projetos de restauração de áreas degradadas e de transição energética.
Fora do espaço de negociação entre governos e empresas, estiveram os moradores das florestas dos nove países da bacia amazônica que tiveram, como reivindicação principal, a demarcação de territórios, a titulação e o reconhecimento legal de áreas de proteção.
Foram demandas antigas sobre a homologação de áreas de floresta aos indígenas, ribeirinhos e quilombolas que apresentaram baixos índices de desmatamento, diferente das terras públicas devolutas, sem qualquer destinação.
Sob a argumentação de escassez de recursos para preservação das florestas tropicais nos países mais pobres e em desenvolvimento, o governo do Brasil apostou no TFFF, sigla em inglês para o que significa “Fundo Florestas Tropicais para Sempre”.
A justificativa, para a sua criação, é a da não dependência de doações que seriam intermitentes, sujeitas a interrupções. A tese é apostar na rentabilidade do fundo enquanto fonte perene de recursos voltados à manutenção das florestas tropicais do planeta, em pé.
Para o TFFF ser atrativo e de baixo risco para os investidores privados, os governos interessados na preservação de florestas tropicais foram incentivados a aportar e investir. Tais aportes de recursos governamentais foram em volume suficiente para encorajar o setor privado afazer o mesmo.
A rentabilidade do fundo remunera, em primeiro lugar, os governos e empresas que investiram, e, do saldo restante, 80% destinam-se aos governos dos países com florestas que comprovaram a redução da derrubada, no ano anterior. Os outros 20%, diretamente, foram direcionados às populações tradicionais e indígenas.
Países com florestas são soberanos para decidirem no que investir, mas espera-se que, preferencialmente, direcionem recursos para políticas de combate às mudanças climáticas. Moradores das florestas, da mesma forma, têm autonomia para usar sua fração.
A rentabilidade do “Fundo Florestas Tropicais para Sempre” depende de condições de mercado favoráveis e de investimentos de baixo risco, atrativos aos investidores privados e aos mecanismos de monitoramento do desmatamento, que sejam seguros.
Mas, a permanência do “TFFF” e de sua credibilidade depende do atendimento das demandas dos povos que vivem nas florestas.
Assentar, demarcar e titular são condições para o apaziguamento de conflitos fundiários com redução do desmatamento.
Que as soluções de mercado não posterguem as dívidas sociais pendentes de soluções simples, e que a COP 30 seja reconhecida, por “mutirão” de atores públicos, privados e do terceiro setor, que ouviu dos povos originários e tradicionais suas alternativas e soluções de como lidar com os desafios climáticos e com a preservação das florestas.
Advogada especializada em empreendimentos comunitários e biodiversidade.