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Brasil falha na COP30 ao não apresentar um mapa seguro da transição energética
Por JEAN PAUL PRATES
Publicado em 23/11/2025 às 20:52
Alterado em 23/11/2025 às 20:53
O impasse da COP30, que não aprovou o “Mapa do Caminho”, deixa finalmente claro para todos que o Ministério de Minas e Energia (MME) continua ignorando (e, arrisco dizer, até mesmo prejudicando deliberadamente) os setores eólico, solar, “offshore”, de hidrogênio verde, de armazenamento e de baterias: exatamente aqueles que concentram os maiores investimentos globais em transição energética e que definem as cadeias industriais do futuro.
Enquanto isso, segue orientando o presidente Lula e todo o governo federal (através das pautas por ele impostas ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a promover exclusivamente biocombustíveis e gás natural como os pilares da transição brasileira.
Ambos têm seu papel reconhecidamente relevante, mas não podem representar toda a transformação que o mundo está fazendo, e que o Brasil precisa fazer. Essa insistência reducionista tem um impacto direto: ela foi uma das principais razões pelas quais o “mapa do caminho” proposto pelo Brasil na COP30 não foi aprovado.
Quase ninguém notou ou deu isso, mas o fato é que a proposta brasileira foi vista como limitada e desequilibrada. Vinha quase inteiramente centrada em combustíveis líquidos de base agrícola, sem metas claras de eletrificação, sem integração de renováveis de grande escala, sem referência robusta a eólica offshore, solar, hidrogênio verde ou a uma agenda industrial baseada em baterias e tecnologias de emissão zero. Para muitos países e observadores internacionais, essa postura não representa uma estratégia de transição completa, mas sim uma visão setorial — e, por isso, não alcançou consenso.
A reversão, em menos de 24 horas, da adesão do Brasil ao compromisso global de eletrificar caminhões e ônibus até 2040, apenas confirmou a leitura de que a posição brasileira está sendo moldada para proteger a infraestrutura da combustão interna, mesmo quando o mundo inteiro avança para rota contrária. Esse episódio enfraqueceu nossa credibilidade e contribuiu para o bloqueio do “roadmap”.
Para completar, o presidente Lula acaba de anunciar que irá à Feira de Hannover para promover biodiesel e “mostrar que o nosso combustível é melhor que o deles”. Mais uma vez, o foco permanece unicamente em combustíveis líquidos e na perenização da combustão em veículos, enquanto nenhum plano consistente para eletrificação de frotas, hidrogênio verde, energia “offshore”, hidrelétricas reversíveis, digitalização da transmissão, baterias, industrialização verde foi colocado na mesa pelo MME.
O resultado é preocupante:
1/ o Brasil perdeu a oportunidade de liderar a COP30,
2/ apresentou um “roadmap” incapaz de dialogar com a transição global, e
3/ continua deixando de fora as tecnologias que realmente moverão a economia de baixo carbono nas próximas décadas.
Isso para não falar da ausência completa da Petrobras (grande força motriz estatal para o desbravamento de novas fronteiras tecnológicas e energéticas brasileiras) na COP30 e redirecionamento de seus planos estratégicos e marketing institucional para apagar deles as novas fontes alternativas, energia offshore, hidrogênio verde, coprocessamento em refinarias e desenvolvimento de combustíveis avançados para aviação e navegação, para se limitar a cogitar meras aquisições de plantas de biocombustíveis de primeira geração (milho, soja e cana) para combustível automotivo, concorrentes diretos dos seus próprios processos industriais.
Em minha opinião, o país tem condições excepcionais de liderar em renováveis, eletrificação, hidrogênio e novas cadeias industriais — especialmente no Norte e no Nordeste. Mas, se permanecer preso a uma visão estreita, guiada por pressões setoriais, continuará perdendo oportunidades estratégicas e posicionamento internacional.
Seria importante que o MME revisasse sua postura enquanto ainda há tempo. A transição energética não pode ser tratada como um apêndice do agronegócio ou do gás. Ela exige visão integrada, neutralidade tecnológica e coragem de ocupar o lugar que o mundo espera do Brasil.
Jean Paul Prates é presidente do Conselho Gestor do CERNE.org.br.; mestre em Política Energética e Gestão Ambiental pela Universidade da Pensilvânia e Mestre em Economia da Energia pela IFP School (Paris); ex-presidente da Petrobras (2023-2024) e Senador da República (2019-2023).