ARTIGOS

A selva e os selvagens

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Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 23/11/2025 às 09:08

Alterado em 23/11/2025 às 11:40

Semana complexa, para dizer o mínimo. Semana em que se aprendeu muito. De bom e de ruim. Lições que não devem nos passar despercebidas. Até porque o Brasil, mais uma vez, está na linha de frente da racionalidade e da esperança.

A COP 30 mostrou a dificuldade e as tensões de se conseguir imprimir uma linha ascendente de proteção contra os desafios climáticos. Porém, mostrou também que a proteção da floresta amazônica pode ser uma fonte de renda para o Brasil maior que a exportação da soja e de outros produtos do agronegócio. O replantio da floresta nos permitirá não só contribuir para a captação do oxigênio mas também para nos enriquecer substancialmente com sua venda no mercado internacional. A proteção ambiental deixa de ser uma aparente atividade humanitária para se transformar num item fundamental de nossa pauta exportadora. Este dado, até então pouco conhecido, torna- se uma razão inquestionável para mantermos a floresta de pé.

Permanece, como é óbvio, a dificuldade de se estabelecer um cronograma para a redução dos combustíveis fósseis, mas aumenta a consciência universal de que pelo menos a derrubada de florestas é um ato de selvageria climática e de irracionalidade econômica.

Politicamente, a COP 30 reafirma o compromisso do Brasil com uma politica internacional construtiva de meio ambiente, inaugurada na reunião histórica de 1992 no Rio de Janeiro, onde o Itamaraty mostrou uma capacidade negociadora internacionalmente reconhecida, hoje confirmada com a liderança do presidente Lula e uma nova geração de excelentes diplomatas, a começar pelo embaixador André Corrêa do Lago, cuja dedicação e competência não me surpreendem, mas honram o serviço público brasileiro.

Ainda nesses breves comentários, importa recordar a presença marcante do Brasil pela voz do presidente Lula na reunião do G-20 na África do Sul. Ali se deu igualmente um passo gigantesco em busca da racionalidade ao se criticar os rumos de uma geopolítica selvagem, cujos frutos podres estamos todos a observar com o abandono das regras e comandos do Direito Internacional, com repercussões crescentemente negativas sobre a paz e a economia internacional. A retomada das regras multilaterais enfaixadas na Carta de São Francisco, que inspiram as negociações internacionais desde o Conselho de Segurança das Nações Unidas até o mais técnico dos organismos internacionais, foi no G-20 objeto de mais do que necessária relevância.

Ali no G-20 reunido na África, em território que já foi marcado pela discriminação racial mais notória da humanidade, levanta-se a voz da racionalidade em direta crítica ao novo pensamento predatório que infelizmente se agiganta na maior potência econômica e militar do planeta.

O presidente dos Estados Unidos da América não designou sequer um membro do Consulado americano para não deixar vazia a cadeira de seu país na COP 30. O presidente Trump não compareceu à reunião do G-20 na África do Sul.

Pior: enquanto se desenrolavam os trabalhos da COP 30 no Brasil, por uma coincidência que até Freud criticaria, Trump reduziu importantes regulamentos de proteção ao meio ambiente, dentre os quais os que disciplinavam a exploração de petróleo nas águas territoriais americanas. Não satisfeito, eliminou as leis protetoras de águas de rios no território americano, contribuindo, desta forma, para o agravamento de água potável para humanos e para a fauna em geral. Reduziu a competência de ação de órgãos fiscalizadores do meio ambiente. Tudo em nome de seu canto selvagem de “drill, baby, drill”.

Ëm prosseguimento a sua geopolítica do desespero, Trump apoiou um plano de Paz para a guerra da Ucrânia visivelmente redigido para consolidar os planos expansionistas de Putin. Além de não levar em conta a impossibilidade política de Zelensky a ele sobreviver se ousar submetê-lo ao Congresso ucraniano, Trump coloca a União Europeia numa camisa de força política.

Não foi por outra razão que um do mais respeitados comentaristas de política internacional dos Estados Unidos apelidou Trump de “Chamberlain da Ucrânia“, relembrando o triste episódio do então primeiro- ministro inglês ao ter aceito as garantias de Hitler que não mais abocanharia territórios europeus. Hitler, como se sabe, manteve sua palavra por poucos meses. A Segunda Guerra Mundial começou aí, e sua primeira vitima foi o próprio Chamberlain.

Há, porém, quem afirme que Trump jamais ouviu falar de Chamberlain.

Em outra jogada de mestre, Trump derramou seu copo de fel sobre congressistas americanos que se mostraram preocupados com suas tentativas de colocar as Forças Armadas dos Estados Unidos a serviço de sua política interna. A par de já utilizar a Guarda Nacional como seu braço armado em Estados governados por Democratas, Trump cogita fazer o mesmo com as Forças Armadas exclusivamente destinadas para a defesa dos Estados Unidos contra o inimigo externo.

Trump, colocado diante da oposição de Congressistas que teriam sugerido que os militares deveriam não dar cumprimento a eventual ordem na direção de se envolverem em temas políticos internos, declarou que eventuais movimentos contra suas ordens como responsável pela ação militar estariam sujeitos ao crime de traição e passiveis de penas que poderiam chegar à morte.

A esta reação, a imprensa recordou que as Forças Armadas estão sujeitas a ordens compatíveis com a Constituição dos Estados Unidos, e não necessariamente a ordens de interesse politico do presidente.

Nesta hora em que o presidente americano desloca porta-aviões para o Caribe e já ordenou o ataque a pequenas embarcações supostamente ligadas ao tráfico de drogas, a questão deixa de ser acadêmica e passa a ser de segurança em sentido amplo social, econômico e militar.

As deliberações sobre o combate ao crime organizado no Brasil e a estapafúrdia ideia de assimila-lo ao terrorismo político adquire dimensões ineludivelmente constitucionais, cuja competência para as esclarecer à luz da Constituição brasileira cabe única e exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal.

Para completar, como se ainda tivéssemos fôlego para tanto, Trump vem aprofundando seu autoritarismo contra a imprensa, contra os jornalistas e principalmente contra as mulheres jornalistas. Recentemente, se dirigiu a uma jornalista, no “Air Force One“, com as impublicáveis palavras “cale-se, sua porca”. O que dizer disto, senão a impulsividade perigosíssima de um descontrolado. A cena se repetiria poucos dias depois na Casa Branca, televisionada a vivo e a cores.

Mais do que lamentar os tristes episódios a que estamos a assistir, parece necessário constatar o que o próprio Trump já terá constatado. Não há mais coelhos na cartola. A possibilidade de o Partido Democrático ressurgir das cinzas é maior do que se pressupõe. Não há, porém, como contar com isto. Depois de Trump poderá vir Vance.

O que me parece, sim, que possamos fazer é evitar seguir esta selvageria política que nos é esfregada na cara diariamente. Trump levou às últimas consequências o desmonte das proteções sociais trazidas pelo neoliberalismo. Olhadas hoje, até as poucas mas construtivas reformas de Obama foram escoimadas. Trump nos propõe o retorno ao pior do gênero humano. Imita-lo, mais do que um erro, seria um crime de lesa-pátria.

Temos uma nação a construir. Não podemos mais cair nas vigarices dos que apenas nos querem convencer de que os lobos são mais espertos que os homens.

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