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China restringe terras raras para fins militares; Trump responde com tarifas de 100%
Por GIBRAN JORDÃO
Publicado em 12/10/2025 às 10:30
Alterado em 12/10/2025 às 10:30

A Cúpula de Cooperação Ásia-Pacífico, que acontecerá ao final do mês de outubro na Coreia do Sul, seria o palco de um encontro entre os presidentes da China e dos EUA pela primeira vez desde que Trump iniciou o seu segundo mandato. O encontro estava sendo considerado um momento importante de diálogo entre as duas grandes potências, que, no último período, protagonizaram disputas comerciais e geopolíticas de grande envergadura. Mas, após o Anúncio nº 61 de 2025 do Ministério do Comércio da China, na manhã de 9 de outubro, o presidente Donald Trump desmarcou o encontro com Xi Jinping e, logo depois, anunciou uma tarifa de 100% sobre produtos chineses. As bolsas americanas caíram e o dólar disparou. O impacto foi sentido no Brasil, com a depreciação do real atingindo mais de 2%, indo de R$ 5,30 a R$ 5,50 nesta sexta-feira, dia 10 de outubro.
O anúncio do Ministério do Comércio chinês, que deixou Trump absolutamente irritado, tem um conteúdo geoestratégico. A potência oriental está restringindo a exportação de metais, terras raras e minerais críticos para fins militares e, como os chineses têm controle de quase toda a produção mundial desse produto, a medida atinge profundamente os interesses dos EUA. O porta-voz do Ministério do Comércio da China, em entrevista coletiva no dia 9 de outubro, disse:
“Por algum tempo, algumas organizações e indivíduos estrangeiros processaram direta ou indiretamente itens de terras raras controlados originários da China e, em seguida, os transferiram ou forneceram a organizações e indivíduos relevantes para uso direto ou indireto em áreas sensíveis, como operações militares. Isso causou danos significativos ou ameaças potenciais à segurança e aos interesses nacionais da China, impactou negativamente a paz e a estabilidade internacionais e minou os esforços internacionais de não proliferação. Portanto, o governo chinês implementou controles sobre certos itens estrangeiros relacionados a terras raras que contêm conteúdo chinês, de acordo com a lei, para melhor salvaguardar a segurança e os interesses nacionais e cumprir as obrigações internacionais, incluindo a não proliferação…
...O governo chinês concederá licenças para itens que atendam às regulamentações relevantes; exportações para ajuda humanitária, como tratamento médico de emergência, emergências de saúde pública e assistência em desastres naturais, estarão isentas dos requisitos de licenciamento.”
Essa medida é um marco histórico, pois é a primeira vez que o governo chinês se utiliza de um mecanismo que os EUA já utilizaram contra a China e outros países, em várias ocasiões, para restringir as exportações de semicondutores. Segundo a especialista em segurança de minerais críticos, Gracelin Baskaran, professora da Universidade de Georgetown, trata-se da Regra do Produto Estrangeiro Direto (FDPR). Esse mecanismo obriga empresas estrangeiras a obter aprovação do governo chinês para exportar ímãs que contenham, mesmo que apenas traços, materiais de terras raras de origem chinesa — ou que tenham sido produzidos com tecnologias chinesas de mineração, processamento ou fabricação de ímãs. A nova estrutura de licenciamento se aplicará a ímãs de terras raras produzidos no exterior e a materiais semicondutores selecionados que contenham pelo menos 0,1% de elementos de terras raras pesadas provenientes da China.
Como a China tem um controle abrangente do setor — com 70% da mineração mundial de terras raras, 90% da separação/processamento e 93% da fabricação de ímãs — as consequências para o complexo industrial-militar norte-americano são graves. As elaborações do renomado Centro de Estudos Estratégicos Internacionais dos EUA (CSIS) indicam que essa restrição tem impacto na fabricação de diversas tecnologias de defesa, que incluem caças F-35, submarinos das classes Virginia e Columbia, mísseis Tomahawk, sistemas de radar, veículos aéreos não tripulados Predator e a série de bombas inteligentes Joint Direct Attack Munition. São produtos militares estratégicos para a segurança nacional americana, que também constam em contratos de vendas de armas com centenas de clientes no mundo — os americanos são, de longe, os maiores exportadores de armas e equipamentos militares do mundo — além de que essas medidas de restrição anunciadas pelos chineses podem causar prejuízos em planos militares de agressão que constam na lista de desejos de Trump, como um possível ataque à Venezuela e ao Irã, e o abastecimento da OTAN para sustentar a guerra contra a Rússia. A partir do dia 1º de dezembro deste ano, empresas ligadas a forças armadas estrangeiras terão suas licenças de exportação negadas em grande parte, e qualquer solicitação de terras raras para fins militares será negada. Com essas rigorosas restrições, a China está cortando suprimentos estratégicos para cadeias de fabricação de produtos militares das estruturas de defesa estrangeiras, incluindo os EUA. Para mais informações, ver em: https://www.csis.org/analysis/chinas-new-rare-earth-and-magnet-restrictions-threaten-us-defense-supply-chains
O descontrole da dívida nacional americana, que já ultrapassou mais de 120% do PIB, tem sido um elemento que provoca uma relativa vulnerabilidade para o governo americano conseguir manter funcionando, em toda a sua plenitude, seu complexo industrial-militar, para atender à imensa demanda de seus clientes, em escala mundial, por armas e equipamentos militares, abastecer centenas de bases americanas espalhadas por vários continentes e alimentar suas guerras eternas. Para agravar a situação, os EUA se encontram com seu orçamento em “shutdown”, e é nesse exato momento que os chineses mexeram em peças estratégicas no tabuleiro geopolítico mundial, com potencial de tornar ainda mais lenta a capacidade norte-americana de produção militar tecnológica avançada com a rapidez necessária para atender aos seus interesses mais sensíveis. Em artigo escrito por nós, dias atrás, intitulado “Uma resposta unitária do BRICS pode nocautear Trump?”, já alertávamos que medidas de países do BRICS, em retaliação à guerra comercial promovida por Trump, poderiam causar um estrago significativo em vários setores estratégicos norte-americanos.
Não sabemos até quando a China será capaz de levar essa medida adiante, mas não há dúvidas de que a restrição de exportações de terras raras para sistemas de defesa estrangeiros vai obrigar o mundo ocidental a considerar com mais racionalidade o diálogo e as negociações, em vez dos conflitos e da guerra. Caso o governo chinês leve a sério essa política, e as palavras do porta-voz do Ministério do Comércio da China sejam levadas até as últimas consequências, boa parte das terras raras e dos minerais críticos do mundo não serão recursos naturais utilizados direta e indiretamente para destruir a humanidade. Esse fato, por si só, desmoraliza ainda mais a premiação do Nobel da Paz deste ano, pois, inegavelmente, é um gesto humanitário e antiguerra do governo chinês, que poderia já ter sido anunciado há muito tempo, mas que ainda precisa provar que não se trata apenas de uma manobra para conquistar negociações pragmáticas.
Este artigo foi originalmente publicado na Revista Fórum