ARTIGOS

Sou apenas mais um…

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Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 12/10/2025 às 08:56

Sou apenas mais um a temer que a personalidade mercurial de Trump venha a aprofundar as já mais do que tensas relações internacionais com a retomada do tarifaço sobre a China, desta vez por causa das chamadas terras raras.

Sou apenas mais um a ver com crescente inquietação a possibilidade de que a política de combate ao tráfico de drogas sirva de pretexto para ações militares crescentes contra a Venezuela, fato que teria óbvias consequências para o Brasil e para a América do Sul.

Sou apenas mais um a constatar que a Câmara dos Deputados insiste em dificultar a política de redução das desigualdades sociais quando renova a discrepância da incidência do imposto de renda entre super-ricos, pessoas físicas e jurídicas, algumas destas últimas envolvidas em jogos de azar.

Sou apenas mais um a ver que a linguagem parlamentar se contaminou de maneira aparentemente inextirpável com as mais do que abusivas noções do falecido Olavo de Carvalho a defender que a grosseria e até mesmo a ofensa pessoal são instrumentos do debate político.

Sou apenas mais um a lamentar a absoluta falta de cortesia de alguns deputados diante de ministros de Estado convidados a expor os trabalhos de suas pastas ao Poder Legislativo.

Sou apenas mais um a respeitar e agradecer a compostura do ministro da Fazenda diante de ataque a sua lisura intelectual e moral quando atacado por figuras menores do Parlamento que o impedem de prestar à população as informações de que todos necessitamos.

Sou apenas mais um a perceber com esperança crescente que a sociedade brasileira, independentemente de suas inclinações políticas, cada vez menos respeita os abusos de linguagem, a falta de respeito diante de servidores públicos honrados e com vasta história de dedicação ao interesse nacional, como o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, ou ao assessor internacional do presidente da República, embaixador Celso Amorim, homem que ocupou durante décadas altos postos no Brasil e no Exterior.

Sou apenas mais um a me lembrar do tempo em que no plenário da Câmara de Deputados se ouvia em silêncio a exposição da posição brasileira contra a exclusão de Cuba do sistema interamericano.

Sou apenas mais um a lembrar San Tiago Dantas, Afonso Arinos de Melo Franco, e até mesmo os mais veementes dos oradores de nossos tempos, como Carlos Lacerda e Leonel Brizola.

Sou apenas mais um a lamentar que o debate parlamentar se amesquinhe e provoque tanto entre políticos quanto entre eleitores a perplexidade a sinalizar, outra vez, que apenas uma derrota da Democracia e um regime autoritário possa nos levar a melhor destino.

Sou apenas mais um a não ter perdido a certeza de que o Brasil se tornará um país renovador de caminhos mais justos para o futuro. A atenção inquestionável que, nos últimos meses, a politica externa brasileira merece da comunidade internacional é prova evidente do peso de nosso equilíbrio e de nossa coragem nos momentos complexos por que ainda passamos.

Sou apenas mais um a reconhecer que o discurso do ministro Barroso, em sua despedida do Supremo Tribunal Federal, talvez tenha sido o depoimento humano mais sensível sobre os traumas que vivemos nos últimos anos em que o ódio, de forma persistente e desabusada, quase nos levou a um cisma nacional de terríveis consequências.

Sou então apenas mais um desta geração, da qual muito me orgulho, e que agora adentra mais de 80 anos de vida, geração em que muitos de nossos irmãos pagaram com a vida a defesa da Democracia. Agora, neste pôr de sol geracional que se avizinha, reconheço com sobriedade que esta geração terá, no limite de suas possibilidades, honrado seu compromisso patriótico.

E sou, finalmente, apenas mais um, que desejo a nossos filhos e netos melhor futuro.

* Embaixador aposentado.

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