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Tarifas, minerais e diplomacia: o xadrez comercial entre Brasil e Estados Unidos

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Por JEAN PAUL PRATES

Publicado em 07/10/2025 às 14:35

Alterado em 07/10/2025 às 14:36

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A recente decisão do governo Trump de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros marca um novo capítulo na já instável relação comercial entre Brasil e Estados Unidos. Embora o gesto seja interpretado por muitos como uma retaliação política, o desenrolar dos últimos dias aponta para algo mais complexo: uma negociação estratégica, de múltiplas frentes, que coloca em jogo desde minerais críticos até plataformas digitais e produções culturais.

Um tarifaço para uso doméstico

O contexto político nos EUA sugere que o chamado “tarifaço” tenha sido concebido, em grande medida, para fins de mobilização interna. A medida atinge um parceiro comercial que, na prática, oferece superávit à balança americana – o que contradiz qualquer justificativa puramente econômica. Além disso, surge em meio ao silêncio de Washington sobre a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, o que indica um recuo na retórica ideológica em favor de uma nova abordagem pragmática.

A ligação telefônica entre Lula e Trump, descrita como “positiva”, e a escolha de Marco Rubio como interlocutor do lado norte-americano, sinalizam um canal de negociação aberto.

O Brasil, por sua vez, tem demonstrado disposição para discutir demandas estratégicas dos EUA – sem, contudo, abrir mão de sua soberania ou do diálogo com os setores produtivos nacionais.

Minerais críticos, sim. Mas com contrapartidas

Está claro que os Estados Unidos têm profundo interesse em acessar os minerais estratégicos brasileiros: lítio, grafita, silício, terras-raras. Esses insumos são essenciais para as cadeias globais de energia limpa, mobilidade elétrica e alta tecnologia. O Brasil não se opõe a discutir esse tema – mas a lógica que guiará esse debate será a da reciprocidade.

Negociar o acesso a essas riquezas deve envolver contrapartidas reais: investimentos diretos, transferência de tecnologia, industrialização local e respeito ao meio ambiente. Não se trata apenas de abrir a porteira, mas de reposicionar o Brasil como um ator estratégico no suprimento global de insumos do futuro.

Regulação digital, propriedade intelectual e o peso da cultura

Outro ponto sensível nas conversas é a pressão americana por maior acesso a serviços digitais e culturais: redução de taxas sobre “streaming”, filmes, bebidas, etanol e até mudanças em normas de importação e propriedade intelectual.

Embora o Brasil esteja aberto a discutir aprimoramentos, é essencial garantir que isso não resulte em uma assimetria que prejudique nossa cultura, nossa produção nacional e nosso espaço digital. O fortalecimento de nossas leis de dados, regras da Anatel e incentivos à produção local são elementos de soberania que não podem ser objeto de barganha direta.

Sanções e medidas pessoais: um obstáculo moral

Talvez o ponto mais delicado seja a manutenção, por parte dos EUA, de sanções contra autoridades brasileiras, como o ministro Alexandre de Moraes. Mesmo que tenham perdido espaço na retórica oficial, tais medidas são inaceitáveis e incompatíveis com qualquer tentativa de reaproximação verdadeira. Representam uma interferência indevida no funcionamento das instituições democráticas do Brasil e devem ser revogadas sem condicionantes.

Uma negociação em três tempos

Dado o cenário, projeta-se uma negociação em três tempos:

1. Curto prazo: revogação seletiva de tarifas em setores com menor impacto político e maior pressão empresarial interna nos EUA (como celulose e ferro-níquel, já isentos recentemente).

2. Médio prazo: construção de um acordo mais amplo envolvendo minerais, comércio digital e concessões tributárias.

3. Longo prazo: institucionalização de regras claras para evitar novas sanções unilaterais e fortalecer a previsibilidade na relação bilateral.

Conclusão

O Brasil está preparado para negociar – mas não para ceder a pressões arbitrárias. Nossa diplomacia deve combinar firmeza e pragmatismo, ouvindo os setores produtivos, defendendo nossa cultura e colocando nossas vantagens estratégicas a serviço de um modelo de cooperação justa e soberana.

Este é o momento de reafirmar o Brasil como potência confiável, pacífica e imprescindível no tabuleiro global.


Jean Paul Prates. Mestre em Política Energética e Gestão Ambiental pela Universidade da Pensilvânia e Mestre em Economia da Energia pelo IFP School (Paris). Foi presidente da Petrobras (2023–2024) e Senador da República (2019–2023).

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