ARTIGOS
O Prêmio da Paz
Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 05/10/2025 às 08:53
Alterado em 05/10/2025 às 11:36
Trump nunca escondeu que deseja o Prêmio Nobel da Paz. Afinal, se Obama o ganhou, por que não ele que, em sua visão generosa consigo mesmo, acha que o que já fez é indiscutivelmente tranquilizador para a humanidade?
Infelizmente, não pensam assim os dois milhões de italianos que saíram às ruas a exigir a criação do Estado da Palestina. O Itamaraty também publicamente manifestou-se a favor da criação do Estado palestino. Trump e muitos de seus assessores acham impertinente tanto o rumor das ruas quanto a posição clara do Brasil.
Na cabeça de Trump, as coisas não se passam bem assim. Se houver a rendição do Hamas - como aparentemente já houve -, tudo entrará no melhor dos mundos até que novas guerras surjam, novas crianças morram de fome e a humanidade, seja ela de origem cristã, judaica ou islâmica, continue a suportar calada o morticínio da Faixa de Gaza. Não dá. É exigir demais de nossa capacidade de fingir que o que não tem remédio, remediado está.
A posição clara e destemida do Brasil, por intermédio de seu Ministério das Relações Exteriores, é absolutamente compatível com os esforços e as vidas perdidas devido a uma chaga que sangra em todos nós, independente de nosso credo religioso. Há vários e legítimos reclamos da comunidade internacional diante de uma paz acertada entre uma parte dos beligerantes, enquanto a outra, não convidada sequer a opinar, é colocada diante da opção crua e nua de ser destruída.
A política externa dos Estados Unidos da América não merece igualmente um arremedo de paz em busca de um prêmio. A dignidade e a inteligência do povo de Israel não deverá suportar igualmente um arremedo de paz que não o afasta um milímetro quadrado do ressurgimento de novas infindas batalhas jurídicas e bélicas. As Nações Unidas, deixadas de lado como um peso morto nas negociações, jamais poderão encarar seu papel fundamental inscrito na Carta de São Francisco. E que fique bem claro: a Carta de São Francisco merece e sempre mereceu um Prêmio Nobel.
Até hoje ressoa em nossos ouvidos o discurso inacreditavelmente repelente de Trump no pódio da Assembleia Geral das Nações Unidas, imediatamente a seguir a profissão de fé na Humanidade, feita, momentos antes, pelo presidente do Brasil, que aspira à paz negociada.
Basta reler os maiores jornais do mundo no dia seguinte a ambos os discursos para se constatar onde mora a grandeza e onde vige o belicismo.
E aqui me permito recordar que o discurso do presidente brasileiro em muito contribuiu para que o Congresso brasileiro abandonasse o jogo lamentável a que se vinha dedicando, e tenha finalmente adotado, por unanimidade, a isenção de imposto de renda para a classe média brasileira, num gesto inequívoco de justiça social.
Inegável concordar com os que finalmente admitem que o Brasil possa retomar o seu mandato constitucional de promover no Brasil um desenvolvimento com menos desigualdade.
É inegável concordar que o Brasil nem de longe admite reduzir a vacinação obrigatória de nossas crianças.
É impensável que no Brasil nossas universidades públicas ou privadas sejam apequenadas em suas pesquisas e na formação de novos cientistas.
É intolerável no Brasil que seja sequer pensado retirar o visto de entrada de um cidadão americano que tenha sido ministro da Saúde e lutou contra a infâmia científica durante a sua gestão.
E, finalmente, é absolutamente inacreditável que nossos juízes da Corte Suprema possam ver seus interesses e de seus familiares constrangidos pelo punho forte do autoritarismo, pela simples razão de aplicarem a lei penal e a Constituição do Brasil.
E hoje é feliz o povo que se reúne com os melhores poetas deste país a cantar a Democracia à beira das bençãos de Yemanjá.
*Embaixador aposentado