ARTIGOS

Ressonâncias e dissonâncias

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Por ADHEMAR BAHADIAN

Publicado em 28/09/2025 às 09:38

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As ressonâncias dos pronunciamentos dos chefes de Estado nas Nações Unidas não cessam de provocar considerações de imenso interesse no mundo. As dissonâncias também.

Se a cada dia que passa o discurso do presidente do Brasil recebe unânimes aplausos e leitura atenta pela imprensa internacional, onde sistematicamente é classificado como um ponto de virada no clima angustiante dos últimos meses, os discursos do presidente Trump e do chefe de governo de Israel, em contrapartida, são objeto de perplexidade um e de constrangimento o outro.

O discurso de Trump talvez se notabilize sobretudo pelas críticas profundas à própria ONU, desfigurando seu papel no pós-guerra e os ideais dos próprios representantes dos Estados Unidos que se notabilizaram pela sempre unânime defesa da paz inscrita na Carta de São Francisco.

Um discurso entre arrogante e inepto a tornar transparente que a política externa dos Estados Unidos da América tem muito ou quase nada a dizer, senão a ilusória pretensão de seu presidente de receber obrigatoriamente o prêmio Nobel da Paz, sabe-se lá por quê.

Já o discurso do chefe de governo de Israel foi pronunciado diante de um plenário esvaziado pelo que talvez seja o maior gesto de repúdio, expresso na saída deliberada de grande parte dos representantes governamentais antes de o orador tomar a palavra; nada mais foi do que uma clara e desafiadora manifestação contra o triste cenário de morticínio na Faixa de Gaza.

As conclusões são óbvias. Tanto o MAGA de Trump quanto a hostilidade à criação de um Estado Palestino receberam reprovação da comunidade internacional representada por seus mais altos dirigentes.

O MAGA, em sua expressão internacional, se revela um Consenso de Washington elevado à décima casa da barbaridade geopolítica. A tentativa de destruição da ONU, tão clara e cínica, terá espantado os mais céticos diante do multilateralismo surgido pós-Segunda Guerra.

Trump simplesmente associa o crescimento dos Estados Unidos à eliminação de todos os mecanismos e regras em defesa do comércio internacional, e os substitui por um jogo de cartas marcadas em que todos os baralhos são devidamente embaralhados com mão de ferro.

MAGA é o novo nome do neocolonialismo mais retrógrado, mais agressivo e mais indiferente ao destino do planeta, às mudanças climáticas e sobretudo ao aumento óbvio dos desajustes sociais e econômicos a que estamos a assistir.

Há porém uma outra face nesta cenografia. Por mais que se queira camuflar, a reação de repúdio internacional, densa e quase unânime, parece romper finalmente o sombrio nevoeiro de impasses sucessivos.

O próprio Trump dá sinais, esperto que é, de que o desgaste de sua popularidade, inclusive internamente, o obriga a docemente mudar o andar da carruagem.

Há indicações claras de que a repercussão do discurso de Lula abre a porta de um debate ansiado faz tempo por vozes frequentes nas Nações Unidas e fora dela. Ou se reforma e se recompõe a Carta das Nações Unidas, inclusive com a reforma de seu Conselho de Segurança, ou a remilitarização crescente dos Estados tenderá, mais cedo ou mais tarde, a provocar a multiplicação de conflitos regionais, o desarranjo do sistema de finanças e comércio internacionais.

O movimento de reforma não será tão rápido quanto deveria. Há velhas e enrustidas ideologias que ainda se supõem verdades absolutas. Mas, como no caso do MAGA, os retrocessos evidentes se mostram insustentáveis e certamente serão prejudiciais a estados e megaempresas.

No centro do debate, os exageros e aspirações indevidas das big techs e a lambança da liberdade de expressão, hoje tão empobrecida nos Estados Unidos, onde até comédia dá cadeia.

Mas é exatamente aí que vejo sucessivas correntes marinhas, sucessivas grutas povoadas de moreias. A questão da chamada liberdade de expressão é o novo nome da Torre de Babel.

Os Estados Unidos de Trump, embora a relativize internamente, parecem opor-se a regulamentações nacionais como já vimos frequentemente. E, como se sabe, os Estados Unidos são mestres em não-aceitar jurisdições internacionais e apregoam a soberania da lei americana erga omnes.

Nas conversações Trump-Lula, convém recordar, agendas pré-acordadas nem sempre são respeitadas na Casa Branca. Temo que o tema seja temível para gregos e troianos.

A soberania aí pode ser desacatada com argumentos jurídicos "pret-à-porter". Terreno movediço, onde ressonâncias e dissonâncias tendem a se confundir.

Adhemar Bahadian é embaixador aposentado.

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