ARTIGOS

Fim de caso

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Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 03/08/2025 às 08:22

Alterado em 03/08/2025 às 08:22

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Deixei de escrever esta coluna no domingo passado intencionalmente. Estávamos - todos os que escrevemos artigos de opinião sobre política externa ou interna - absolutamente convencidos de que o debate desandava para acusações múltiplas numa espiral de insânia e agressividade.

Não mais. As estratégias malévolas contra o sistema comercial internacional pareciam, ainda que ilegais e tacanhas, apenas interessadas em manter e aumentar o poder discricionário dos Estados Unidos da América.

Hoje, os fatos confirmam as piores hipóteses. Todos os “acordos" dos Estados Unidos da América com países asiáticos, com a União Europeia, são objeto de críticas contundentes de estadistas europeus, como Dominique de Vilepin, Pascal Lamy, americanos como Paul Krugman e Joseph Stiglitz, para ficarmos apenas nos mais conhecidos. E merece referência especial José Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal, o mais justo e honroso para com o Brasil.

Todos, em suas análises, monoliticamente contrários aos “ajustes" propostos pela Casa Branca. Todos a tachar de desequilibrados e leoninos os termos impostos pelos Estados Unidos a seus parceiros, principalmente àqueles que com ele haviam anteriormente celebrado acordos preferenciais como o NAFTA - México e Canadá - hoje tratados a ferro e fogo, quando não com deboche, pelos Estados Unidos da América.

Não cito o NAFTA sem imediatamente lembrar da ALCA, acordo comercial negociado no âmbito interamericano por mais de dez anos sem que se chegasse a acordo.

Se houvéssemos assinado a ALCA, estaríamos nas mesmas, senão maiores, dificuldades com os Estados Unidos da América, ainda que aceitássemos, como o México e o Canadá, modificações impostas por Trump em seu primeiro mandato, quando desfigurou o negociado anteriormente.

A agressiva ironia de Trump em querer transformar o Canadá em mais um estado americano não deve ser levada como “blague”. Trump, por vias tortas, está a tentar a mesma coisa conosco, só que de forma mais humilhante ao constatar que a extrema-direita de Steve Bannon enfeitiçou nossos próprios aprendizes de feiticeiros, fazendo deles o que os franceses desde sempre, mas sobretudo na Ocupação alemã da França, denominavam de “hommes de paille”. Mais do que uma pecha, um anátema.

O Editorial do Estadão de primeiro de agosto, intitulado “A internacional golpista de Trump", deveria ser gravado em pedra como alerta patriótico, impecável, na hora em que se confundem dissidências partidárias com o compromisso de todo cidadão com a defesa de seu patrimônio e soberania.

Trump reescreve sem sentir o enigma da esfinge, tornando-o mais do que nunca um alarme que não se pode ignorar. Muito antes de ser um enigma - “Decifra-me ou devoro-te”, Trump nos adverte de forma debochada: “Devoro-te com o prazer que me dá sua servilidade”.

É exatamente desta absurda servilidade de que se queixam Vilepin, Stiglitz, Krugman e Sócrates. E reconhecem ao mesmo tempo não só a injustiça a que está sendo submetido o Brasil, mas a dignidade com que reage ao que talvez seja o maior ato de agressão a um aliado de mais de 200 anos. Ficará na História.

Tenho para terminar uma sugestão. Muito antes de começarmos a retaliar com cortes de dividendos ou royalties, sugiro examinarmos como poderemos usar nossas compras governamentais, principalmente de medicamentos para a Farmácia popular e para o SUS, beneficiando países e seus laboratórios farmacêuticos. Penso de imediato nos laboratórios suíços, indianos, chineses, japoneses e europeus em geral. Não há como questionar o direito do freguês de procurar seu mais atencioso fornecedor.

Do ponto de vista de cada um de nós, acharia bom voltar a comprar livros na livraria e medicamentos na farmácia. Dar uma pausa para meditação nas “big-techs” seria ótimo. Vamos voltar às praias, antes que delas se apropriem os tsunamis. Aliás, o mar do Leblon andou vomitando diante dos “dois irmãos”…

Quanto a viagens, pergunto se você já foi à Bahia? Então vá.

Adhemar Bahadian é embaixador aposentado.

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