ARTIGOS
Retratos de Leitura – Considerações sobre a 6ª edição da pesquisa
Por RICARDO A FERNANDES
Publicado em 01/07/2025 às 17:12
Alterado em 01/07/2025 às 17:21
Nove anos é tempo suficiente para consolidar uma tendência iniciada em 2015: a queda no número de leitores no Brasil. Uma década atrás, eram 56% os brasileiros que, quando perguntados, haviam lido ao menos um livro, inteiro ou em partes, nos 3 meses anteriores. Caiu para 52% em 2019 e, em 2024, a sexta edição da pesquisa “Retratos de Leitura”, que deu origem a um livro lançado na última Bienal do Rio, mostra que o patamar bateu os 47%. Em nove anos, o país perdeu mais de 11 milhões de leitores. É a primeira vez, desde a primeira pesquisa realizada em 2007, que existem mais “não leitores” do que “leitores”.
Uma análise criteriosa desta diminuição deve considerar as características por região, faixa etária, nível educacional e gênero. Entretanto, seja qual for o segmento analisado, a queda é geral. Mulheres e homens, adultos e crianças, ricos e pobres, mais ou menos instruídos, no sul, nordeste, sudeste, norte ou centro-oeste: todos estão lendo menos.
A situação se agravou nos últimos anos. Em 2019, as pessoas liam em média, total ou parcialmente, 2,60 livros a cada três meses. Em 2024, 2,04. Entre os leitores, a quantidade saiu de 5,04 para 4,36 livros. Ou seja: até os leitores estão lendo menos.
Neste universo de ignorância, dois aspectos chamam atenção. O primeiro é a diminuição da leitura de livros didáticos em 30% na última década. Outro ponto remete ao mundo online. Se em 2015 cerca de metade das pessoas preferia usar a internet no seu tempo livre, hoje são preocupantes 80%, enquanto apenas 20% preferem a leitura. E mais: durante a leitura, cerca de 7 em 10 pessoas entre 14 e 70 anos deixam o livro de lado para consultar mensagens no celular ou no computador. O resultado não poderia ser outro: cresceu o número de pessoas que declaram abertamente não ter paciência e não gostar de ler.
A pesquisa pode ser acessada pela internet. É possível perceber facilmente o aumento do número de leitores entre 2011 e 2015, seguida de queda, mais precisamente de 2019 em diante, quando as ações do então governo federal priorizaram a desinformação. Mas não se trata apenas disso.
Existe o interesse, em especial entre pessoas pertencentes à classe C e entre 14 e 17 anos, de frequentar bibliotecas. Jovens estudantes querem ler e se informar. O acesso ao conhecimento é que está difícil. Entre 2015 e 2020, o Brasil perdeu cerca de 800 bibliotecas, de acordo com o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP). Em 2015, o país tinha 6.057 bibliotecas públicas. Cinco anos depois, eram 5.293. Nas escolas municipais, apenas 4 em 10 mantém locais onde se mantém livros para leitura e pesquisa, segundo o Censo Escolar.
Um aspecto igualmente importante diz respeito ao tempo destinado à leitura. Em grandes cidades, pode-se gastar até 5 horas em transportes públicos. Cidades como Rio de Janeiro e São Paulo estão entre as 10 do mundo onde se usa mais tempo em deslocamento. Cerca de um terço dos pesquisados alega que a falta de tempo é principal motivo para ler menos.
Mas se apenas 7% das pessoas leem durante o transporte, por que não retomar iniciativas que aumentem esse percentual? Como, por exemplo, o “Projeto Leitura em Transporte” e “Leitura no Vagão”, para citar apenas dois exemplos nas duas maiores cidades do país? Basta que exista um mínimo de comprometimento da iniciativa pública.
A iniciativa privada também pode fazer a sua parte. Com alguma criatividade e perseverança, grandes e médias editoras criariam canais de distribuição para vender livros mais baratos, que chegassem até as pessoas nos meios de transporte. Resta saber o quanto isso realmente interessa aos que comandam as organizações públicas e particulares. É possível que um país de “não leitores” contribua para aumentar o fluxo de caixa da ignorância. A ver.
Autor de Lua do dia e Através. Vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE).