ARTIGOS

O Jabuti-Caviar

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Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 22/06/2025 às 09:40

Alterado em 22/06/2025 às 09:43

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O jabuti, como a jaboticaba, são particularidades nossas. Tente explicar a um suíço que uma lei brasileira foi vetada pelo presidente da República porque o Congresso enfiou nela na última hora uma jaboticaba ou um jabuti.

Talvez o suíço até compreenderia se explicássemos que o jabuti é uma espécie de “mão de gato”, imagem com alguma quilometragem e passaporte carimbado.

Mas, nós sabemos como ninguém que o jabuti é bem mais astuto e audacioso que uma felpuda mão de gato. Mais temível. Mais ardiloso. Às vezes, o jabuti é enviado como um míssil com o objetivo claro e insofismável de implodir um projeto de lei que teria levado meses para ser negociado e na última hora surge, como nas noites do Oriente Médio, um clarão que a tudo destrói e a tudo dizima. Tristes tempos.

Mas há jabutis e associados. Há o jabuti-preguiça, que se instala cedo nas negociações e fica ali pendendo ameaçador enquanto não vê satisfeitas alguma esmolinha ali outra aqui. Há o jabuti-pátria-amada que se reveste de verde-amarelo como se fosse de imperiosa necessidade para a sorte da nação, e não passa de um reles busca-pé, geralmente lançado pela indústria armamentista revestida de princesa Isabel.

E há os grandes jabutis, gigantes pela própria natureza, arquitetados nos porões sinistros da cobiça, fervidos nos panelões da astúcia libidinosamente monetária, mas recobertos de uma cínica música de fundo patriótica.

Esses, é bom que se diga, muito se beneficiam da assessoria qualificada de luminares da pirataria e pululam em textos internacionais muito “respeitados”.

Um bom exemplo, sempre recordo, é o Acordo TRIPS na OMC, reverenciado marco do comércio livre, e não passa de um desaforado instrumento de proteção da Big-Pharma, com uma abusiva regulamentação sobre as patentes farmacêuticas.

O impacto de TRIPS na pandemia do COVID é mais do que sabido. Vergonhoso. Desumano na exploração dos países pobres sem recursos para pagar os “royalties” de vacinas e outros medicamentos.

Mas o que impressiona é a arquitetura de mentiras e falsidades que fazem de TRIPS uma conquista dos séculos, ainda que tornando mais rígido e discriminatório o comércio internacional.

Para melhor compreender este fenômeno teríamos que levantar o tapete dos salões dos passos perdidos, onde se acumula o lixo não digerido da ordem internacional predatória a fazer água nos dias que correm, quando as locomotivas das ilusões perdidas descarrilam nas curvas do neoliberalismo antropofágico.

E os índices de desníveis sociais empurram as massas e as elites na mesma conversa fiada de extremismo autoritário, rebento bastardo do nazismo, e sua apologia do nacionalismo trumpista que, dentre outras coisas mais, empurra os Estados Unidos da América para a categoria de um Estado-Pária.
Temido por sua cegueira diante dos males que salpica diariamente nas vidas dos cidadãos deste planeta, principalmente dos que se dedicam a aprender e a ensinar o caminho da liberdade e da real autonomia humana.

Nunca jamais em tempo algum, talvez só nos miseráveis tempos da Inquisição religiosa medieval, se viu tantos ataques à ciência e às universidades como agora se constata nas melhores cidades dos Estados Unidos.

Mas esta digressão não deve nos afastar do tema central desta nossa conversa de hoje neste Brasil que recebe um respiro de alívio com o sucesso de nossos clubes diante dos Europeus. Fazia muito que não via o Botafogo com tanta garra. Pareceu que Newton Santos e Didi baixaram no campo. Um refrigério.

Mas nada nos deve desviar a atenção do jabuti-caviar que se instalou no Congresso Nacional. O fenômeno se assemelha, pela forma e pelo conteúdo, com o acordo TRIPS que acima recordei. Com um agravante: nenhum Congresso de país algum do mundo tem a percentagem equivalente do Orçamento Nacional para distribuição enigmática e não-transparente. É jabuti-caviar na veia.

Hoje as emendas parlamentares chegam a 50 bilhões de reais anuais e se pretende ir além.

As perguntas que nós fazemos todos a deputados e senadores são simples e diretas? Por que essas emendas são na sua maioria secretas?

Por que tanta relutância em permitir o acesso do eleitorado ao quadro geral das distribuições das emendas?

Estarão elas escondendo algo de antidemocrático quanto parece? Por que elas são intocáveis no esforço do equilíbrio fiscal?

O maior equívoco que existe neste episódio todo é a atitude do Congresso de abespinhar-se com as mais do que pertinentes explicações que legitimamente fazemos.

Ou será que nós, eleitores, estamos errados?

Há muito de Maria Antonieta e “se não tem pão comam brioches” nesta atitude do Congresso. Sabemos o fim de Maria Antonieta. Não é o que o povo brasileiro deseja imitar.

A Democracia é transparente e o voto é o único instrumento de defesa da sociedade. O resto é maquiavelismo de botequim. Milagre de São Balalão.

 

Adhemar Bahadian é mbaixador aposentado

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