ARTIGOS

As religiões no Brasil: depois do Censo

Por MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER

Publicado em 19/06/2025 às 15:34

Alterado em 19/06/2025 às 15:34

Muito já se tem escrito sobre os resultados do Censo 2022 sobre as religiões no Brasil. Eu mesma já dei alguma entrevista, analistas e peritos fizeram suas avaliações. Gostaria de fazer aqui uma análise teológica. Como, com meu olhar de teóloga, vejo os resultados do Censo no Brasil?

Primeiramente, há uma dificuldade que obstaculiza uma avaliação com alguma possibilidade de correção sobre o fenômeno evangélico. Simplesmente porque nos resultados do Censo não se distingue dentro da rubrica “evangélicos” entre históricos e pentecostais. E dentro dos pentecostais não aparecem a distinção da corrente dos neopentecostais que tem sido a que mais tem crescido.

Contando, no entanto, com os dados que temos a partir do Censo, duas coisas chamam inicialmente a atenção: a primeira é que o crescimento dos evangélicos continua, mas com menos intensidade que no censo anterior. A segunda é que os católicos continuam a perder fiéis, mas houve uma pequena desaceleração proporcional nessa perda.

Em que sentido isso provoca o olhar do teólogo? Concretamente, da teóloga que sou. Qualificando esse olhar, tenho a dizer que é diferente do olhar de um cientista social ou um estatístico. Procuro ler os números vendo como isso interpela minha pertença eclesial e minha igreja, e não apenas fazendo uma análise. Mais: deixo-me afetar pelos números e o que eles mostram e demonstram. E igualmente sinto-me interpelada por essas evidências. A síntese do que experimento ao olhar as tabelas do Censo e nelas pensar é por um lado preocupação e por outro esperança.

A preocupação radica no fato de ver que o Cristianismo como um todo e dentro dele a Igreja à qual pertenço sofre uma drenagem forte de fiéis. Suas fileiras vão se tornando mais magras, menos visíveis e tal processo parece não ter fim. A objeção de que as igrejas continuam cheias apesar do que diz o Censo é facilmente objetada. Por que? Se a população brasileira aumentou consideravelmente e não se fez necessário construir novos templos, significa que a adesão ao Cristianismo não acompanhou o crescimento populacional na mesma proporção. Nem sequer em proporção ligeiramente mais baixa.

Na verdade, enquanto a população cresce, os fiéis católicos decaem e diminuem. A maioria é de meia idade ou idade avançada. No próximo Censo , se tudo continua como está, as igrejas vão começar a estar vazias e os fiéis que a elas acorriam serão em menor número. E teremos que nos render à evidência de que corremos o risco de não poder mais dizer com verdade que somos um país majoritariamente católico.

Isso não deveria ser dramático nem fonte de desalento. Jamais se mediu o cristianismo por quantidade, mas sim por qualidade. Trata-se de um compromisso que envolve a totalidade da pessoa e não pode mensurar-se por volume de membros. No entanto, quando os números despencam desta maneira, algumas incomodas perguntas se impõem: o que está acontecendo? Onde estamos errando? Por que aquilo que convoca e encanta nossa vida não tem mais apelo a nossos contemporâneos?

Por outro lado, a queda foi menor. Houve uma desaceleração. E isso traz esperança. Não que possamos disso inferir um otimismo apressado e irresponsável. Porém, ao analisar as razões dessa desaceleração, vemo-nos conduzidos a pensar que talvez o pontificado do Papa Francisco possa ter tido alguma influência sobre ela.

Recordamos o Pastor recentemente falecido e vemos seu estilo novo e irrepetível de ser, falar e atuar. Seu jeito informal e íntimo de apresentar-se. Sua simplicidade no vestir, no falar, no olhar. Seu carinho que transbordava pelo olhar, pelos gestos. E sobretudo sua proposta inclusiva de propor a aventura da fé.

Todos recordamos suas palavras a bordo do avião que o levava de volta do Rio de Janeiro a Roma em 2013 após a Jornada mundial da juventude. Perguntado sobre sua posição a respeito da homossexualidade, disse com abertura e franqueza: “Quem sou eu para julgar?”

Lavou os pés de mulheres presidiárias e de muçulmanos na Quinta Feira Santa. Disse em alto e bom som que a Eucaristia não era prêmio de perfeitos, mas alimento para pecadores. Escreveu que Deus é benção e fonte de benção e que, portanto, todo aquele ou aquela que da Igreja se aproximasse pedindo uma benção, tinha direito a recebê-la. Fosse qual fosse sua situação vital, seu vínculo afetivo, sua orientação sexual.

Priorizou com sua ação pastoral migrantes, refugiados, pobres e vulneráveis de todo tipo. Clamou e convocou a clamar consigo a multidão de jovens reunida em Lisboa que a Igreja era de todos, todos, todos. Ouvindo-o podia-se pensar no galileu que na sinagoga de Nazaré afirmou ter sido ungido para anunciar a boa nova aos pobres, aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, aos coxos a faculdade de caminhar.

Talvez muitos que se sentissem excluídos de uma igreja que os repreendia e condenava devido a suas escolhas e opções a tenham abandonado em silencio, enquanto os números do censo denunciavam sua partida. Talvez esses e essas tenham se sentido acolhidos pelas palavras e gestos de Francisco. E estejam começando a fazer o caminho de volta à casa que sempre foi sua.

Se assim for, tomara que encontrem braços abertos e palavras cálidas como as do Papa argentino. Não para que os números do próximo Censo aumentem e apareçam mais favoráveis. Mas para que a boa notícia do Reino de Deus anunciado por Jesus cresça e se amplie.

 

Maria Clara Bingemer. Professora do departamento de teologia da PUC-Rio

Deixe seu comentário