ARTIGOS
Servidão humana
Por ADHEMAR BAHADIAN *
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Publicado em 18/05/2025 às 09:58
Alterado em 18/05/2025 às 09:58
Escrevo nesta tarde de sábado 17 de maio, num Rio de Janeiro com um céu sem nuvens. Teoricamente estamos no inverno. Mas, de minha janela vejo parcialmente o morro “Dois rmãos” banhado de luz solar. As praias cheias e o mar tangido por uma brisa leve sequer espraia as espumas de suas ondas. Um inverno carioca, insolente como só ele sabe ser, agradável e manso.
Chega a me dar uma certa náusea ter que escrever sobre o panorama político tão tempestuoso, tão irracional, tão abusivo que estamos a viver e temer nestes cem dias e poucos em que os Estados Unidos da América insistem em se fazer de alvorada do medo e do ódio.
Louca ou não, há método e enredo na política de Trump. Como um tumor maligno que finalmente rompe as estruturas sadias do corpo que o abriga, surge em manchas cada vez mais ameaçadoras os afluentes da insânia mais demolidora com que nos defrontamos desde as aspirações de paz e de nações unidas propostas por este mesmo Estados Unidos, hoje com esta face dilacerada e carcomida como a do anverso do espelho de Dorian Gray.
Já não há mais dúvidas nem circunstâncias atenuantes. A expulsão de imigrantes como lixo humano, a mercantilização dos vistos de entrada ou de trabalho, a tentativa de retirar o direito de cidadania a crianças nascidas em solo americano de pais estrangeiros, a eliminação da política de não-discriminação no trabalho e nas escolas, tudo enfim exala um fétido odor de repugnância à raça humana .
Muito além de pretender equilibrar o comércio externo de seu país - coisa que poderia propor como propuseram seus antecessores que deram nome a famosas rodadas comerciais tanto na OMC quanto no Gatt - o atual presidente cada vez de forma mais transparente e insolente nos lembra que em sua alma o que viceja é o mais absurdo, intolerável e reacionário preconceito racial de um supremacista branco. Além é óbvio dos $Trumps, hoje moeda oficial da Casa Branca.
Trump, a exemplo do que fizeram os colonizadores dos séculos XVIII e XIX, revigora a falsa teoria da superioridade do homem branco para escravizar e subjugar as gentes da África, da Ásia e submetê-las ao garrote e ao trabalho não-renumerado. Não é tese nem original nem inteligente. Pode ser um substrato do MAGA, pois é sabido que o território americano não se livrou dos índios que nele habitavam com festas de São João ou de Ações de Graças.
Trump em suas manifestações públicas sempre levou seu eleitorado a viver a fantasia de que os Estados Unidos seriam um país espoliado pelo imigrante e pelo escravo liberto, o que constrange qualquer leitor minimamente instruído sobre a história daquele grande país.
Fácil de ver que o mesmo raciocínio é transposto para as relações econômicas internacionais quando Trump se vale do tarifaço universal para tentar reorganizar o comércio mundial. Basta uma simples olhada na balança comercial entre o Brasil e os Estados Unidos para ver que somos deficitários em cerca de vinte bilhões de dólares em serviços e em especial em “royalties” de propriedade industrial.
Muito deste desequilíbrio se deve às regras negociadas no âmbito da OMC pelo acordo TRIPS, na minha modesta opinião o mais bem urdido, fantasioso e parasitário instrumento de regras internacionais.
Sobre este tema, Trump recentemente dá sinais que abrirá sua caixinha de ferramentas mágicas. O anúncio de que pretende fazer com que as grandes empresas farmacêuticas, Big Pharma, para os iniciados, voluntariamente reduzam os preços dos remédios nos Estados Unidos e os compensem com aumentos no resto do mundo é mais uma das sórdidas lições da macroeconomia trumpista para “Dummies”, encontrada nas piores casas do ramo.
Em síntese, Trump entende que além dos “royalties” de propriedade intelectual pagos pelo resto do mundo às empresas farmacêuticas, agora deveremos pagar uma compensação ou equivalência de preços. E olhem que tal como estão as regras de propriedade intelectual, os países consumidores não só pagam bilhões de dólares anualmente aos Estados Unidos como são proibidos de importar similares e genéricos de países como a Índia. Enfim, o assunto é complexo e merece um artigo separado.
Terminei. Já escureceu no Rio de Janeiro.
* Embaixador aposentado