ARTIGOS

Habemus papam: primeiras impressões

Por MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER

Publicado em 11/05/2025 às 05:06

A Igreja Católica tem novo Papa com nome de Leão e em número XIV. Assim que aconteceu o anúncio da grande alegria , a revelação do nome instigou mentes e corações. Mas logo revelou-se o segredo desta identidade escolhida pelo cardeal Robert Francis Prevost ao ser eleito pelo conclave e assumir a sé de Pedro. Seu antecessor Leão XIII, o Papa que promulgou em 1891 a Encíclica Rerum Novarum, primeiro documento de muitos que compõem a Doutrina Social da Igreja, deixava claro o que esperar do próximo pontificado.

Havia tensão e expectativa grandes na Praça São Pedro, naquele momento o microcosmo do mundo. Como encontrar alguém que sucedesse a Francisco, o insuperável Papa dos pobres, da justiça ambiental, da Igreja em saída e da cultura do encontro? Mais: como encontrar alguém que estivesse à altura do inestimável legado que mobilizou multidões em vida e no momento de sua doença e morte? A declinação do nome já tranquilizou bastante o povo de Deus. A inspiração do Papa da Revolução Industrial e do diálogo com a classe operária era uma garantia que as questões sociais seguiriam sendo prioridade para o novo Papa.

Surpreendeu a muitos o fato de ser um estadunidense. Na verdade, o momento mundial e eclesial permitia esperar com uma boa dose de possibilidade que isso acontecesse. Os Estados Unidos se encontram nesse momento no epicentro das atenções por vários motivos e quase todos um tanto preocupantes: a política de deportações, as leis contra a imigração, o envolvimento indireto ou direto em diversos conflitos de grande porte lançam uma interpelação maiúscula. A Igreja não a ignorou e respondeu à altura com a eleição inspirada, mas também estratégica do seu novo Pontífice. Um estadunidense no Vaticano permite esperar uma instancia crítica de peso universal e respeitável na conturbada situação que o mundo hoje vive.

Robert Prevost é nascido em Chicago, religioso e filho espiritual do grande Agostinho de Hipona, com estudos superiores na importante universidade de Villanova, na Filadelfia. Com essas credenciais, mostra claramente sua cidadania ao norte. Porém ao mesmo tempo, trata-se de alguém que viveu o melhor de sua experiência pastoral ao sul, no Peru, nação andina e amazônica. Na diocese de Chiclayo, à beira do Pacífico, multicultural e cercada de monumentos arqueológicos, o bispo Robert Prevost entregou suas forças e sua alma. A gente amável e simples daquele lugar se tornou sua familia para sempre. E na alocução inaugural no balcão de São Pedro, inseriu um trecho em espanhol fluente e também emocionado ao se referir a sua querida Chiclayo.

O Papa que temos é, portanto, um homem do norte com o coração ao sul e ao mesmo tempo um homem do sul com a disciplina e a eficácia do norte. Uma síntese feliz daquilo que a exortação de João Paulo II promulgada em 1999 chamava de “Ecclesia in America”. Uma só América, ao norte e ao sul, compartilhando recursos e dons: eis o sonho da Igreja do Novo Mundo que agora o mundo inteiro contempla na pessoa do Papa Leão XIV. América é um grande continente que se estende do norte ao sul e do sul ao norte e não apenas um país.

A mensagem eclesial que daí se desprende é que vivemos hoje uma descentralização e uma abertura global da Igreja Católica. Com dois pontífices seguidos oriundos de fora da Europa – um latino-americano e outro norte americano – o Catolicismo assume sua identidade multicultural e também o início de um processo decolonial que ainda pode crescer muito. Não somos mais uma Igreja de matriz europeia que apenas reflete o que vem da velho continente, Somos chamados a ser – recordando as palavras do saudoso filósofo jesuíta brasileiro Henrique de Lima Vaz SJ - uma Igreja fonte, que dialoga com as culturas autóctones e nelas se insere, construindo a partir da diversidade sua identidade.

Entre o muito experimentado e vivido em Chiclayo o ex cardeal Robert Prevost agora Papa Leão XIV aprendeu a viver com os pobres, assumindo suas lutas e sofrimentos, mas também sua esperança e alegria. Na internet se podem ver vídeos e fotos onde aparece com as pernas mergulhadas na lama de uma trágica inundação ou cantando com a comunidade ao som da canção “Feliz Navidad”. Nesse ponto, sua sintonia com Francisco é grande, permitindo esperar realmente uma continuidade na priorização da justiça socioambiental como constitutiva da missão de evangelizar. Permite igualmente acreditar e esperar que levará adiante o processo de uma Igreja sinodal, no qual seu antecessor empregou tanto esforço e tanta esperança.

Todas essas são razões para alegrar-se e agradecer a Deus que suscitou um Papa segundo seu coração para a Igreja. Ao lado disso e também principalmente, a mim impressionou desde o primeiro momento o olhar de Robert Prevost. Trata-se de um olhar contemplativo e sereno, como que perpetuamente emergindo da visão à vista. Um olhar mergulhado no mistério de Deus enquanto leva adiante a missão que lhe foi confiada. Que assim seja e que seu pontificado, apesar de todas as dificuldades que seguramente enfrentará, possa responder aos imensos desafios que o mundo de hoje apresenta para todos os que sonhamos e procuramos colaborar para a realização do projeto do Reino de Deus.

Maria Clara Bingemer é professora do departamento de teologia da PUC-Rio

 

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